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15 segundos. Uns curtos mas eficazes 15 segundos. Foi o tempo que os alegados assaltantes do Quartel de Tancos demoraram a entrar nos paióis onde estavam guardadas as munições, granadas e explosivos na madrugada de 28 de junho de 2017. Com informações precisas sobre o formato dos cadeados que fechavam os paióis 14 e 15 — e com a ajuda de um saca cilindros adquirido na zona de Toledo (Espanha) — foi esse o tempo que os oito assaltantes alegadamente liderados por João Paulino demoraram a entrar nos paióis para retirarem o material que já tinham pré-selecionado numa visita anterior.
O ex-fuzileiro Paulino já tinha estado em Tancos em 2016 para vistoriar aqueles dois paióis. Todos os pormenores foram definidos em março de 2017, três meses antes do assalto propriamente dito ter ocorrido, nomeadamente o dia e a hora (entre as 2h e as 4h da madrugada). E porquê? Porque nessa data a vigilância do quartel estaria a cargo do Regimento de Engenharia 1 — o regimento onde o grupo tinha uma toupeira.
A forma como um grupo de assaltantes ridicularizaram a segurança do Exército português impressionou quando o caso foi conhecido. Certo é, contudo, que os assaltantes também não primaram pela organização. Pouco depois do assalto, a Polícia Judiciária (PJ) conseguiu provar facilmente as ligações entre a maior parte dos detidos — bastando para isso visitar a página de Facebook de João Paulino e de outros suspeitos que têm páginas com perfil público. Com mais tempo, a PJ descobriu igualmente que, mais dos que traficantes de armas, o grupo liderado por João Paulino estava essencialmente ligado ao tráfico de droga. A 25 de setembro, dia em que Paulino foi detido, foram-lhe apreendidos 66 quilos de cocaína e 16 quilos de haxixe.
Através do acesso a um conjunto alargado de documentação, o Observador reconstitui o que se passou naquela madrugada no Quartel de Tancos, assim como a investigação que o Ministério Público (MP) e a PJ estão a realizar desde 2017 e que já se encontra na reta final. Enquanto o MP deve terminar a investigação até às férias judiciais, a Comissão Parlamentar de Inquérito ao Assalto a Tancos vai começar a discutir esta sexta-feira o relatório preliminar desenvolvido pelo deputado Ricardo Bexiga, do PS.
O assalto contado na primeira pessoa
Na madrugada de 28 de junho, duas viaturas deslocaram-se para o perímetro do Quartel de Tancos. Numa pick-up Skoda, cinzenta, sem vidros e de caixa fechada, seguiam o líder João Paulino, juntamente com António Laranginha, João Pais ‘Caveirinha’, Fernando Guimarães ‘Nando’, Gabriel Moreira ‘Tije’, Fernando Santos ‘Baião’ e Hugo Santos (o dono da Skoda). O oitavo elemento, Valter Abreu, seguiu num Renault Mégane. Havia ainda um nono elemento, Paulo Lemos, conhecido por ‘Fechaduras’, que tinha ficado no Algarve e não participou no assalto.
Todos tinham gorros a cobrir as caras e usavam luvas para não deixarem impressões digitais. Um pormenor relevante: os assaltantes tinham desligado os telemóveis, de forma a que a PJ não conseguisse reconstituir o seu trajeto com a ajuda das antenas das operadoras de telecomunicações.
Foi Valter Abreu quem cortou a vedação do Quartel de Tancos para que os restantes assaltantes entrassem. Com a ajuda de um alicate, cortou a rede em forma circular e ficou à espera do lado de fora. O papel de Valter era de vigia, por isso mesmo ficou perto do Renault, a poucos metros do buraco que tinha feito na rede — e junto à pick-up Skoda que serviria para transportar o material furtado. Se alguém aparecesse, Valter deveria apitar e desligar o cabo da bateria para simular uma avaria no carro.
Estes foram os factos que Valter Abreu contou no dia 26 de dezembro de 2018 aos inspetores Fernando Nunes e Fernando Gonçalves, membros da brigada da Unidade Nacional Contra o Terrorismo (UNCT) da PJ coordenada por Patrícia Silveira. Na sala da UNCT estavam também os procuradores João Melo e Cláudia Porto, do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
João Melo e Vítor Magalhães eram os titulares da investigação no DCIAP desde o início mas dias depois do interrogatório a Valter, já em janeiro de 2019, Melo tomou posse como diretor nacional adjunto na PJ. Ficaram Magalhães e Porto à frente do inquérito.
Entre os dezassete paióis militares que existem em Tancos, o objetivo dos assaltantes eram os paióis 14 e 15 e, segundo Abreu, João Paulino ter-lhe-á confidenciado que já tinha estado no interior das instalações militares em 2016 para verificar que material estava naqueles armazéns. Os sete assaltantes que entraram pelo buraco da rede levaram um carrinho de mão, tendo feito cinco ou seis viagens entre os paióis e o local de encontro.
Terá sido João Paulino a arrombar os cadeados e a violar os selos de segurança daqueles dois paióis. Paulino sabia perfeitamente como eram os cadeados, a marca e as características específicas das respetivas fechaduras, assim como sabia que Tancos tinha o sistema de video-vigilância desligado e que naquela noite não haveria rondas nem à meia-noite, nem às 4h nem às 6h, como era suposto acontecer diariamente. Pior: mesmo que as rondas fossem feitas, o efetivo disponível não chegava para guardar em segurança o perímetro. Todas essas informações ter-lhe-ão sido passadas por Valter Abreu e pelo sobrinho deste: o segundo furriel Filipe Sousa, a alegada toupeira do grupo que fazia parte do Regime de Engenharia 1 e fazia a guarda daquelas instalações militares.
Com a ajuda preciosa de ‘Fechaduras’ — como a própria alcunha indica, é especialista em arrombamentos —, Paulino levava consigo um saca-cilindros que tinha comprado a 16 março em Talavera de La Reina, em Toledo (Comunidade de Madrid). Com esse saca-cilindros, o ex-fuzileiro demorou 15 segundos a extrair o canhão da fechadura e a abrir os portões dos paióis. ‘Fechaduras’, tal como Abreu, também está a colaborar com a investigação.
Do seu posto de vigia junto à rede, Valter Abreu nem sequer conseguia ver os paióis. Era noite cerrada e do local onde estava a única coisa que sobressaía era a imponente torre de vigilância que deveria ter um militar de Engenharia 1 a fazer a vigia mas que estava deserto. Aliás, todos os guardas de Tancos estavam na caserna, supostamente a dormir, não tendo realizado qualquer ronda durante a madrugada. Protegidos pela escuridão na vasta área do perímetro do Quartel de Tancos, os assaltantes passaram despercebidos ao percorrerem os cerca de 550 metros que separavam o buraco da rede onde estava Abreu e os paióis 14 e 15.
Isto é, os assaltantes terão percorrido uma distância entre os 2,5 e os 3 quilómetros para transportar cerca de 300 quilos de material militar sem serem incomodados por ninguém.
A lista do material roubado era o seguinte, de acordo com uma lista que foi elaborada pela PJ Militar:
- 1.450 munições de 9 mm;
- 22 bobines de tropeçar;
- 1 disparador de descompressão;
- 14 disparadores de tração lateral multidimensional inerte;
- 6 granadas de mão de gás lacrimogénias CS/MOD M7;
- 10 granadas de mão de gás lacrimogénias CM/Anti-motim — M/968;
- 2 granadas de mão de gás lacrimogénias Triplex CS;
- 90 granadas de mão ofensivas M321;
- 30 granadas de mão ofensivas M962;
- 30 granadas de mão ofensivas M321 (em corte — para instrução);
- 44 granadas foguete anti-carro, 66 mm, com espoleta M412A1, com lançador M72A3 — M/986 LAW;
- 264 velas PE4A;
- 30 CCDIO;
- 57 CCD20;
- 60 iniciadores IKS;
- 30,5 Lâminas KSL;
Com o material roubado devidamente acondicionado na pick-up Skoda, tudo foi tapado com cobertores. Os assaltantes queriam precaver a hipótese de serem mandados parar por uma brigada de trânsito. Por volta das 4h da manhã estava tudo terminado. O roubo só seria detetado 12 horas depois, por volta das 16h, quando voltaram a ser feitas as rondas pelos militares que deveriam guardar Tancos. Os cadeados não tinham os canhões de fechadura e os selos de segurança tinham sido violados. O alerta foi dado de imediato.
Segundo Abreu, após o assalto o grupo separou-se. Já sem o passa-montanhas a cobrir a cabeça, João Paulino liderou a pequena frota de dois carros em direção à A1. Os condutores do Skoda e do Renault pagaram as portagens em dinheiro — uma vez mais para impedirem a localização — e separaram-se na zona de Aveiro. Valter Abreu seguiu para a saída de Aveiro Sul, enquanto o grupo de Paulino seguiu para parte incerta. Certo é que, por volta das 7h da manhã, o grupo de Paulino já estava de volta a Ansião — onde o ex-fuzileiro morava e explorava o JB Bar.
Os problemas, contudo, estavam para começar.
Quem são os assaltantes?
João Paulino tem 32 anos e pertenceu ao Corpo de Fuzileiros — a tropa especial da Marinha portuguesa. Na ótica da investigação do MP e da PJ, é ele o líder da alegada associação criminosa que efetuou o assalto a Tancos e terá alegadas ligações a uma rede de tráfico de droga não só na zona centro — Paulino explorava o “JB Bar” em Ansião (concelho do distrito de Leiria) — como também na zona de Albufeira (distrito de Faro), de onde é natural. Uma prova indiciária disso mesmo é o facto de lhe terem sido apreendidos no dia 25 de setembro uma quantidade muito significativa de droga: 66 quilos de cocaína e 16 quilos de haxixe.
Várias testemunhas afirmam que o ex-fuzileiro teria alegadamente um fornecedor de droga na zona do Algarve, transportando a mesma para a zona Centro, onde alegadamente promoveria o tráfico de cocaína, erva e haxixe.
O grupo de João Paulino divide-se em dois subgrupos geográficos: os elementos de Ansião/Aveiro e aqueles que moravam em Albufeira. Comecemos pelos primeiros:
- António Laranginha — Dado como um segundo líder, mas menos importante que Paulino, com alegadas ligações ao tráfico de estupefacientes e de armas;
- Gabriel Moreira ‘Tije’, Hugo Santos e Pedro Marques — Amigos de João Paulino com quem costumavam jogar póquer no Chão de Couce (Ansião). A namorada de Pedro Marques também trabalhava no JB Bar;
- Fernando Santos, ‘Baião’ — Amigo de Paulino que também trabalhava no JB Bar;
- Valter Abreu, ‘Pisca’ — Distribuidor e consumidor da alegada rede de tráfico de droga de João Paulino. É tio do 2.º Furriel Filipe Sousa.
Já o subgrupo do Algarve, que também estará ligado ao tráfico de estupefacientes era composto por:
- Fernando Guimarães, ‘Nando’ — Ex-camarada de armas de João Paulino no Corpo de Fuzileiros da Marinha de Guerra portuguesa;
- João Pais, ‘Caveirinha’ — Amigo de ‘Nando’ e de Paulino;
- Paulo Lemos, ‘Fechaduras’ — Conhecido abrir todo o tipo de fechaduras, daí o nickname. Foi um elemento fulcral na recolha de informação sobre a forma mais eficaz de abrir os cadeados dos paióis de Tancos.
‘Nando’ e ‘Fechaduras’ dividiam a mesma casa no Algarve e geriam em conjunto estabelecimentos de diversão noturna.
A uns, como o ‘Fechaduras’, Paulino terá prometido uma contrapartida de 50 mil euros para realizar o assalto a Tancos. Enquanto a outros, como o ‘Pisca’, apenas teria prometido metade daquele valor: 25 mil euros.
Voltando à noite do assalto. Depois de se separarem de Valter Abreu em Aveiro, o grupo de João Paulino fez marcha-atrás e dirigiu-se novamente para sul. Terão passado Ansião e rumado à zona de Tomar, mais concretamente ao lugar da Portela de Carregueiros. Era aí que a avó de João Paulino tinha um terreno onde estava localizado um restaurante desativado chamado “Os Pegões”. Munido de caixas estanque próprias para acomodar material de guerra que tinha comprado na loja “Soldiers” da Charneca da Caparica, Paulino terá enterrado parte do material nesse terreno da sua avó. Só depois disso é que os telemóveis foram ligados.
A importância da toupeira de Tancos: o furriel Sousa
Além destes 10 elementos (se contarmos com João Paulino), temos ainda Filipe Sousa, o sobrinho de ‘Pisca’, como um elemento fulcral em toda a história. Então 2.º Furriel do Exército, colocado no regimento de Engenharia n.º 1 em Tancos e realizando serviço como guarda aos Paióis Nacionais de Tancos, terá sido Sousa quem passou as informações essenciais ao seu tio e também a João Paulino. Com base no depoimento do seu tio Valter e de outras testemunhas, é essa a convicção do MP e da PJ. Eis as principais informações que terão sido passadas por Sousa:
- O tipo de armamento guardado em Tancos: munições 9mm para pistolas ou pistolas-metralhadoras, explosivos, granadas e armas lança-roquetes;
- As características específicas dos cadeados que fechavam os portões dos paióis;
- A ausência da vídeo-vigilância nas instalações — existiam sinais que informavam o exterior sobre tal vídeo-vigilância mas os aparelhos estavam desligados, como noticiou o DN em junho de 2017;
- E as divergências de rigor nas diferentes patrulhas que eram realizadas em Tancos.
Todas estas informações terão sido transmitidas ao longo de 2016, o que permitiu a João Paulino planear com antecedência o assalto, tendo os principais preparativos ocorrido em março.
Por exemplo, os investigadores têm prova indiciária de que Filipe Sousa, como 2.º Furriel e Comandante da Guarda aos Paióis, terá realizado um turno extra de 24 horas entre as 9h do dia 13 e as 9h do dia 14 de março de 2017 para confirmar todas as informações sobre as estruturas dos paióis e as falhas do sistema de segurança — informações que terá transmitido dois dias depois a João Paulino.
Mais: a 21 de março, Filipe Sousa terá telefonado ao cabo Nelson Furtado, seu camarada de armas no Regimento Engenharia 1, para confirmar a informação de que Furtado estaria escalado para os turnos de 27 e de 28 de junho de 2017. Essa foi uma informação fundamental para os assaltantes atacarem naquela madrugada, visto que tal confirmaria que seria Engenharia 1 a guardar os paióis. E porquê? Porque aquele regimento era o único que não tinha paraquedistas — tropa especial com maior rigor e operacionalidade na missão de vigilância dos paióis.
Além de Engenharia 1, a guarda do complexo de Tancos era assegurada por mais três unidades:
- Unidade de Apoio à Brigada de Reação Rápida — constituída por elementos das tropas especiais;
- Regimento de Tropas Paraquedistas — uma força especial de elite, juntamente com os Comandos e os Fuzileiros;
- E o Regimento de Infantaria 15 de Tomar — onde está aquartelado o 1.º Batalhão de paraquedistas da Brigada de Reação Rápida.
Certo é que, tal como já foi noticiado, na madrugada de 28 de junho de 2017 — e ao contrário do que ficou escrito nos registos do Quartel de Tancos — não houve qualquer ronda. Os militares de Engenharia 1 estavam na caserna a dormir, enquanto os oito assaltantes — sendo que um deles terá ficado na Torre de Vigia — entraram livremente no perímetro de Tancos e, durante duas horas, terão roubado mais de 300 quilos de armamento militar.
Filipe Sousa foi detido em dezembro de 2018 quando já tinha saído do Exército e encontrava-se a realizar um curso de formação na GNR em Portalegre para entrar na Guarda.
Para quem seria o armamento?
Os indícios que existem apontam para a possibilidade de o armamento ser destinado à organização terrorista basca ETA, mas os mesmos não são taxativos. Isto é, baseiam-se em testemunhos de suspeitos, como Valter Abreu ‘Pisca’ e Paulo Lemos ‘Fechaduras’. Recorde-se que a procuradora-geral adjunta Helena Fazenda, secretária-geral do Sistema de Segurança Interna, afirmou a 14 de março na Comissão Parlamentar de Inquérito ao assalto a Tancos que o SIS (Serviço de Informações de Segurança) tinha descartado a ligação do furto de material militar ao terrorismo logo a seguir ao furto ter sido conhecido no verão de 2017.
De acordo com elementos indiciários recolhidos, a investigação do MP e da PJ acredita que João Paulino e António Laranginha tinham conhecimentos e canais pré-estabelecidos para escoarem no mercado negro o material militar roubado. Enquanto que os explosivos poderiam ter como destino a ETA, o restante material, como as munições de 9mm e as granadas, poderiam ser vendidas a operacionais de redes de tráfico de droga.
Certa será a ligação de João Paulino ao tráfico de armas. Através do testemunho de Valter Abreu, Paulino é igualmente ligado ao roubo de 57 pistolas Glock do armeiro da sede da Polícia de Segurança Pública (PSP) em janeiro de 2017. Abreu terá dito ao MP e à PJ, num interrogatório que decorreu na Unidade Nacional Contra o Terrorismo da PJ, que Paulino tinha-lhe pedido para vender duas pistolas Glock da PSP. O preço? 2.500 euros por cada arma, ficando Abreu com uma comissão entre os 150 e os 250 euros.
Outro facto relevante: duas das pistolas Glock roubadas foram apreendidas a traficantes de droga na zona do Porto em 2018.
Por isso mesmo, os oito assaltantes foram constituídos arguidos pelos crimes de associação criminosa, furto, detenção e tráfico de armas e de terrorismo internacional.
As desavenças entre os assaltantes e o encontro com a GNR de Albufeira
Os alegados assaltantes só vieram a reunir-se quase 30 dias depois — a desconfiança, contudo, já tinha tomado conta do grupo. No dia 22 de julho de 2017, Vitor Abreu deslocou-se a Ansião, onde se terá encontrado com João Paulino no seu JB Bar entre a meia-noite e a 1h da manhã. Três dias depois, o grupo de arguidos teve duas reuniões:
- Uma em Aveiro entre as 20h e as 22h, na qual participaram Paulino, ‘Fechaduras’ e Fábio Silva;
- E outra no Algarve, onde estiveram ‘Nando’ e ‘Caveirinha’.
Os dois encontros ter-se-ão desenrolado em simultâneo e foi aqui que a tensão entre os assaltantes começou a minar definitivamente a coesão dos grupo.
Paulino tinha uma desconfiança concreta: ‘Fechaduras’ andaria a colaborar com a PJ e a era ele o informador da polícia. E ‘Nando’ juntou-se ao seu camarada fuzileiro contra Paulo Lemos. O facto de o assalto ter ganho uma vasta repercussão pública e política só agravava as más relações entre a dupla Paulino/Nando e o ‘Fechaduras’. Foi o princípio do fim da alegada associação criminosa imputada pelo MP aos 10 elementos do grupo.
João Paulino, contudo, tinha um trunfo. Natural de Albufeira, o ex-fuzileiro tinha um amigo de infância na GNR de Loulé. Chamava-se Bruno Ataíde, é um ex-páraquedista e virá a ser uma personagem essencial na alegada fraude atribuída à Polícia Judiciária Militar (PJM) e à GNR de Loulé pelo ‘achamento’ das armas roubadas em Tancos.
O ex-fuzileiro estava cada vez mais preocupado e queria entregar as armas — ou parte delas –, daí ter entrado em contacto com Ataíde. Mas a entrega, contudo, não seria incondicional. O alegado líder só entregaria as armas caso lhe fosse garantido que a sua identidade não seria revelada e que não seria perseguido criminalmente. As mesmas condições foram exigidas para os restantes membros do grupo. A alegada farsa do ‘achamento’ da Chamusca começava a ganhar corpo.
Ao longo do verão de 2017, sucederam-se as conversas entre João Paulino, Valter Abreu, outros elementos do grupo e Bruno Ataíde. Entretanto, este GNR de Loulé estava em contacto com os seus superiores hierárquicos — e estes, por seu lado, estavam em linha direta com a PJM.
Até que, a 16 de outubro de 2017, Paulino e Ataíde encontraram-se em Pombal para acordar os termos de entrega das armas e dos explosivos roubados em Tancos. Dois dias depois, é orquestrada entre a PJ Militar e a GNR de Loulé uma suposta chamada anónima onde é revelado o local exato onde estaria depositado o material de guerra. Assim, elementos da PJM e da GNR de Loulé localizaram junto a um curso de água seco, à entrada de uma herdade da zona da Chamusca, uma parte do material de guerra roubado. O material foi removido por ordens do coronel Luís Vieira, diretor-geral da PJM e iguamente arguido nos autos.
Da lista acima descrita (e aqui), as 1.450 munições de 9 mm e diversos explosivos ainda não foram recuperadas e continuam em parte incerta.