Começou a treinar no União de Lamas, com 36 anos, passou por Lusitânia e Sp. Espinho, chegou à equipa B do Marítimo em 2010 e subiu nesse ano ao conjunto principal onde esteve quatro anos, tendo depois passado mais dois pelo Rio Ave e outros tantos pelo V. Guimarães. Em 2018, Pedro Martins, que como jogador (médio de cariz mais defensivo) ganhou uma Supertaça pelo Sporting, arriscou a primeira aventura no estrangeiro e, depois da revolução feita na temporada inicial pelo Olympiacos, estava agora na liderança da Liga grega e a disputar os oitavos da Liga Europa frente ao Wolverhampton, após ter eliminado o Arsenal em Londres.
De regresso aos treinos em Pireu, Pedro Martins foi o entrevistado esta segunda-feira no programa “Nem tudo o que vai à rede é bola” da Rádio Observador e, entre as explicações de como está a acontecer esta espécie de “desconfinamento” do futebol do país, recordou o caso positivo com novo coronavírus do presidente do clube ainda em março, destacou os objetivos para o que resta da temporada e admitiu que, dentro de uma carreira que descreve como ascendente, não tem nos planos a curto prazo voltar a treinar em Portugal.
[Ouça aqui o programa “Nem tudo o que vai à rede é bola” da Rádio Observador]
Como estão as coisas na Grécia? Como está a ser o regresso aos treinos nesta “nova normalidade”?
Está tudo a decorrer dentro da normalidade. O que se passa na Grécia, passa-se também em Portugal. Neste tempo estive sempre cá [na Grécia], no entanto, tenho acompanhado constantemente aquilo que se passa no nosso país. Grosso modo, aquilo que se tem passado na Grécia, passa-se exatamente o mesmo em Portugal. Embora, no início, o governo grego tenha imposto restrições muito sérias, desde o começo desta pandemia, muito cedo. Fecharam as escolas mais cedo, os jogos ficaram sem público mais cedo, acabaram com as viagens mais cedo, houve algumas situações em que as medidas adicionais foram tomadas mais cedo do que em Portugal. Mas estamos a falar de uma diferença de dois, três, quatro dias, não mais do que isso.
O Olympiacos foi um dos primeiros clubes a entrar na agenda da Covid-19 pelo teste positivo ao presidente, Evangelos Marinakis. A equipa entrou em quarentena, fez os testes e deram negativo. Nessa altura, sabia-se ainda muito pouco sobre o que era este novo coronavírus. O que é que se recorda desses dias?
Acho que continuamos a saber pouco. Todos os dias somos invadidos com novas informações sobre o próprio vírus e nós próprios estamos a adaptarmo-nos a novas circunstâncias às quais não estávamos habituados. E este vírus foi uma grande lição para todos nós, porque temos sempre a impressão de que somos responsáveis e temos o controlo do que são as nossas vidas e isto veio provar que isso não é verdade. Aconteceu com o presidente, é um facto, mas a equipa esteve sempre muito estável. Quando o presidente deu conhecimento, praticamente não o víamos há 15 dias. Tínhamos estado com ele no jogo contra o Arsenal [para a Liga Europa] mas depois não o voltámos a ver. E nesses 15 dias ninguém teve sintomas. Passou um bocadinho ao lado – de início, alguns jogadores ficaram mais preocupados, não todos, mas depois fizemos os testes e deram negativo e ficaram todos mais tranquilos. Mas estamos a falar de um espaço de meia dúzia de horas. Entre ter conhecimento, fazer os testes e ter os resultados foi um espaço de tempo muito reduzido.
Evangelos Marinakis, o presidente com coronavírus que deixou dois clubes em estado de alerta
E quando viu os outros campeonatos europeus a parar, também as competições europeias a serem interrompidas, temeu perder a oportunidade de se sagrar campeão? Isto por uma eventual anulação da temporada inteira.
Se o campeonato terminasse naquela altura, acho que não passaria pela cabeça de ninguém não atribuir o Campeonato ao Olympiacos. Fruto dos pontos e porque a Grécia foi dos poucos países, dos poucos campeonatos do mundo, em que toda a gente jogou entre toda a gente. Houve uma fase regular em que toda a gente teve oportunidade de jogar entre toda a gente. Não tememos isso, aliás, o Olympiacos é um dos clubes que querem continuar a competição, porque temos muita coisa em jogo. Não só um título mas acima de tudo o prestígio e a honra de termos esta profissão. E eu acho que rapidamente a sociedade tem de reorganizar-se, tem de se agitar e tem de procurar novas alternativas, porque o futuro próximo vai ser muito complicado para toda a gente. E o futebol tem de ser um exemplo nesse sentido.
Depois daquela vitória no prolongamento contra o Arsenal, que foi um dos pontos altos da época, teve também aquele primeiro jogo com o Wolverhampton, dos oitavos de final da Liga Europa, já à porta fechada. Já tendo passado por essa experiência, como é que é fazer um jogo sem adeptos, o que é que altera?
Essa foi a nossa terceira experiência, porque antes tivemos aqui alguns problemas, o que é normal no contexto grego, e tivemos dois jogos à porta fechada no Karaiskaki [estádio do Olympiacos]. Por isso, já tínhamos algum hábito e algumas rotinas. Mas é altamente desolador, não é desmotivante mas é desolador. Não se vive o jogo da mesma forma, não tendo público. O público está como os jogadores estão para o futebol. Sem um e o outro, não tem a mesma essência. Ponto. É desolador.
[A entrevista de Pedro Martins à Rádio Observador no dia em que todos os elementos do Olympiacos foram testados]
Existem várias opções para o recomeço das competições europeias, como eliminatórias só a uma mão ou jogar tudo o que falta em duas ou três semanas. Existe algum formato que considere ideal ou mais exequível?
No contexto grego, acho que não vamos ter problemas. Tenho algumas informações que apontam na direção de que a partir do segundo jogo com o Wolverhampton – quartos de final, meias-finais e final – vai tudo ser disputado no mesmo local. Pelo menos quartos e meias vão ser disputados na mesma cidade. E acho que é imperioso, porque há um menor desgaste. E estamos a falar em jogos de quartos de final numa semana, não é em dez ou 15 dias, é jogos à quarta-feira e ao domingo e meias-finais logo a seguir. Faz todo o sentido serem comprimidas desta forma. É uma forma de controlar situações em que os profissionais sejam expostos à presença do vírus e também é um bom controlo e são medidas que são bem-vindas. Aliás, a própria UEFA está a pensar na possibilidade de uma pequena parte dos adeptos poder ver estes jogos…
É o tal um quinto da lotação do estádio?
Exatamente. Ainda não está definido, não sabem qual é o valor percentual de espetadores, mas já é um bom indicador.
Durante esta pandemia, existiram uma série de decisões extra-futebol na Grécia, umas a ver com o Olympiacos, outras a ver com o PAOK. Entretanto, surgiram notícias de que os presidentes dos dois clubes não se acertavam no regresso à competição. Essa situação mexe com a preparação de uma equipa ou como já é tão recorrente acaba por passar ao lado?
Passa-nos ao lado, completamente. É recorrente, faz parte da cultura. Não difere muito daquela que existe em Portugal mas os profissionais estão sempre à parte.
Mas existem diferenças, como o facto de o presidente do PAOK ter entrado com uma arma dentro de campo. Logo aí, já é um bocadinho diferente do que em Portugal, apesar de tudo.
Sim, há extremos, como é evidente. Na Grécia levam as situações a vários extremos. Nos jogos de grande rivalidade, nenhum adepto vai ao estádio ver a sua equipa jogar fora. Ninguém. Porque de facto é extremamente perigoso. Não vamos a esse limite em Portugal. Há algumas diferenças mas no que concerne à rivalidade entre clubes, ela é muito idêntica à que existe em Portugal.
Grande parte dos campeonatos já voltou aos treinos. Carlos Carvalhal, em entrevista ao The Guardian, disse que dar treinos nestas condições e com tantas limitações é também um grande desafio para os treinadores. É mesmo assim?
É um desafio, mas não acho que seja um desafio acentuado. Nós tivemos de nos preparar, é um facto. E muito sinceramente, tenho algumas reservas sobre como é que a minha equipa se vai apresentar neste recomeço, como é que vamos reagir, há alguma incerteza. Os jogadores não têm ritmo competitivo e de repente estão a fazer jogos de 90 minutos, não é fácil. Não implementámos o princípio da adaptação, o que é extremamente perigoso. Em três semanas de trabalho os jogadores já estão a fazer jogos de 90 minutos. Continuam a ser jogos de pré-época, embora num contexto de liga, de campeonato, não há hipótese de contornar tudo isso. E os jogadores têm de se adaptar. No Olympiacos, toda a estrutura teve de se adaptar a uma nova realidade. Desde a chegada dos jogadores até ao momento em que se vão embora, há uma preparação totalmente diferente daquela que existia antes da Covid. Há uma adaptação, nada de maior, na minha opinião. É tudo uma questão de rotinas.
Entretanto renovou contrato com o Olympiacos até 2022. O principal objetivo passa por recuperar a hegemonia em termos nacionais ou existe a perspetiva de ir mais longe em termos europeus, seja na Champions ou na Liga Europa?
O que me foi pedido pelo presidente foi que rapidamente recuperasse o título da Grécia e que fosse o maior clube do país, aquilo que conseguimos foi recuperar também o prestígio na Europa e não foi só este ano. No ano passado tivemos uma campanha de grande qualidade e mérito, a eliminação do AC Milan foi um momento alto do clube. Este ano as coisas estão a correr bem e queremos continuar na Liga Europa, sabendo que o Wolverhampton é uma equipa muito bem orientada pelo Nuno [Espírito Santo], com excelentes jogadores, um adversário difícil mas temos ambições de chegar mais à frente.
Pedro Martins no Olympiacos para “recuperar a filosofia” e ser “campeão”
Perdeu Podence no mercado de janeiro para o Wolverhampton mas tem outros portugueses no plantel como o Rúben Semedo. Como foi trabalhar com ele nesta segunda vida no futebol em que chegou mesmo a ser convocado para a Seleção?
O Rúben tem um grande comportamento, tem estado muito bem, tem feito uma época muito, muito positiva e a ser chamado pelo selecionador. Continua a trabalhar, está bem, está motivado e a demonstrar o que sempre muita gente perspetivava sobre ele, que fosse um dos grandes centrais de nível europeu e está a caminhar para isso.
O Olympiacos, como grande parte das equipas, também vive muito à base do mercado de transferências. Quem se destaca mais é cobiçado por equipas maiores, há sempre a parte da prospeção ativa. Como desenhar o próximo mercado e que dificuldades irão surgir para montar um plantel?
É uma boa questão mas devo dizer que quando cheguei ao Olympiacos em 2018 e me foi pedido uma grande reestruturação tinha problemas muito superiores aos que neste momento estamos a viver porque o plantel está formado, basicamente mesmo havendo alterações estamos a falar de 10% do plantel, o que não é significativo. Mas estamos habituados, o mercado vai ser mais extenso, não vamos assistir a grandes contratações muito avultadas, numa primeira fase os clubes ainda se vão adaptar a uma nova realidade mas dentro de meses voltará tudo à normalidade. Para mim, em termos de mercado, já estava habituado a fazer duas épocas e depois os jogadores saíres, a reformular o plantel. Como está o Olympiacos, não vamos ter muitas oscilações.
Os treinadores portugueses estão cada vez mais cotados, temos o exemplo do Pedro, já falámos do Nuno Espírito Santo, Carvalhal, há Mourinho, Villas-Boas…
Temos tantos… Jorge Jesus, Vítor Pereira, Rui Vitória… Temos tanta gente felizmente…
Olhando até para esse cenário, vê a sua carreira a médio prazo no estrangeiro ou admite voltar a Portugal?
Não gosto de fazer muitas previsões sobre a minha carreira mas acredito que vai ser ascendente pela forma como trabalho, patamar a patamar. Acredito que vá ser ascendente mas sinceramente não acredito que passo por Portugal nos próximos tempos…
Olhando também para a realidade fora do futebol, a Grécia tem anunciado uma série de medidas de desconfinamento e existe uma preocupação clara com o turismo, por exemplo. Em relação ao futebol, também já se sente essa preocupação, em relação ao regresso e ao impacto que a pandemia poderá ter?
Em termos económicos sim, muita gente está preocupada e há reuniões no sentido de ver algumas alterações relativamente a essa parte. Mas não vejo na Grécia um planeamento para esta fase, como vamos proteger os profissionais, como vão ser feitos os testes, em que momentos, em que alturas, quem faz, como existe essa proteção nos autocarros ou nos hotéis onde há uma maior proximidade social. Ainda não tenho informação sobre isto, muito menos da Federação, sobre as realidades que os profissionais precisam para terem outro conforto para o regresso. Em Portugal nesse aspeto deram saltos mais significativos.