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É inegável: numa altura em que a grande maioria dos habitantes das grandes cidades não tem um jardim ou terraço onde possa instalar a cuidar do seu próprio pedaço de terra a céu aberto, trazer a flora para dentro de casa tornou-se em muito mais do que uma resposta lógica — virou moda. Se é nos meios urbanos que, inevitavelmente, estamos mais distantes da natureza, entre as quatro paredes de um apartamento, a geração millennial informa-se, investe, decora e põe em prática uma espécie de instinto cuidador.
“Eles não têm casas. Eles não têm filhos. Porque é que os millennials estão viciados em plantas” — a manchete é do Los Angeles Times, que há menos de um ano tentou seguir o rasto a uma tendência emergente. Há que a defina com um simples “trazer vida para dentro de casa”, há quem garanta que “acalma a ansiedade”, há quem fale no “luxo acessível de ver um ser vivo crescer, dia após dia”, outros desenvolveram uma “obsessão”. Na realidade, as plantas podem ser tudo isso e, no entanto, terem ainda a conveniência de não sujarem, de não precisarem de cuidados médicos e de serem facilmente transportáveis, fatores especialmente relevantes se pensarmos que vivemos sem tempo, que mudamos de casa com muito mais frequência do que os nossos pais (sim, depois deles, o sonho de ter um jardim parece ter saltado para a geração seguinte) e que, em alguns casos, até fazemos do sítio onde moramos o nosso espaço de trabalho.
Lá atrás, a relação dos nossos pais e avós com as plantas era diferente, à exceção dos velhos suportes usados para pendurar vasos do teto — sim a moda do macramé continua a ser a perdição de muito boa gente. E por diferente entenda-se de natureza predominantemente decorativa. Por isso é que, em alguns casos, as folhas viçosas, cheias de clorofila, acabaram por ser substituídas por espécimes de plástico, tal era o desprazer de ter de zelar pela vida de uma planta verdadeira. Recuando um pouco mais, que é como quem diz umas boas centenas de anos, assistimos à chegada desta moda ao Mediterrâneo. Os historiadores situam-na nos anos de 500 e 400 a.C. No Egito, mas também na Grécia e em Roma, ter plantas em casa marcava um estatuto entre as famílias mais abastadas, atentas aos ecos de um jardim majestoso lá para os lados da Babilónia. O barro era a matéria-prima de eleição na hora de escolher os vasos e recipientes, embora os romanos tivessem um gosto especial por mármore.
Hoje, a história é outra, a começar logo no momento em que googlamos qual a planta que mais nos convém, a que melhor vai ficar na sala ou aquela cuja pigmentação das folhas maior sucesso vai causar no Instagram. Não temos a criadagem dos antigos milionários, ainda assim, cuidamos delas, regamo-las, evitamos que fiquem às escuras e que apanhei demasiado sol e até lhes limpamos o pó das folhas. Perdemos o medo que nos levava a optar por catos e suculentas, por serem mais fáceis de manter. Atirámo-nos às calatheas, à monstera deliciosa e às dracaenas. É que esta geração que pode viver na dependência da tecnologia, mas também está a criar geeks da botânica.
Da moda aos novos negócios
Soraia Silva comprou a primeira planta no eBay. Era uma Chinese Money Plant, curiosamente, uma das que mais vende desde que abriu a própria loja, em maio do ano passado. A Limbo, em Lisboa, está longe de ficar num local de passagem, praticamente escondida no bairro da Madragoa. Mas não tem sido um problema. Os clientes aparecem, a maioria na casa dos 20 e dos 30, mostram fotografias de Instagram para mostrar o que querem ao certo e até se informam previamente sobre a espécie que melhor se adapta à casa e ao estilo de vida que têm. Soraia, apesar de ser formada em História da Arte, tem todas as respostas na ponta da língua.
“Sempre tive imensas plantas nas casas onde vivi. Em Portugal, não temos produção de espécies de interior, então acabava por encontrar sempre mais do mesmo”, conta ao Observador. A solução foi abrir a própria loja e encontrar um fornecedor que lhe permitisse mandar vir exatamente o que queria diretamente da Holanda. Resumindo, segunda-feira é dia de ir às compras. Mas Soraia não montou a Limbo sozinha. Convenceu o irmão, Tiago Silva, e a amiga Joana Fernandes, que, a partir da Suécia, dá uma ajuda e coleciona em casa mais umas quantas plantas. “Entretanto, em casa, tive de me acalmar um bocadinho. Como qualquer colecionismo, torna-se um vício muito rapidamente e eu já conhecia esse lado através da arte”, continua.
Não foi só o gosto por plantas que levou Soraia e companhia a abrir uma loja. A moda começou a instalar-se e a Limbo chegou para responder à procura. Às próprias plantas, refere-se como seres sensíveis. Diz que cuidar delas não é difícil, mas que a rega excessiva, os vasos demasiado pequenos e estar sempre a mudá-las de sítio continuam a ser os erros mais recorrentes. “Elas gostam de sentir que aquele é o espaço delas”, conclui Soraia.
Entre os best-sellers estão begonia maculata (famosa pelas folhas com pintas brancas), a string of pearls e a string of hearts (fio de pérolas e fio de corações), cujos nomes dispensam explicações, e a monstera deliciosa, mais conhecida como Costela-de-adão. O que não quer dizer que Soraia não traga umas novidades de vez em quando. A última foi um cato de dois metros e meio, que, apesar de mal caber dentro da loja, foi logo vendido e por um preço proporcional ao tamanho, 250 euros. Para casa, já vão muito poucas. Neste momento, tem 50 e é bom que se mantenha assim.
A abertura de novos negócios é o principal sintoma de que algo está a crescer enquanto tendência. Em Lisboa e nos arredores, assistimos ao aparecimento de lojas como a Limbo e a Vintage Cactus. Esta última nasceu em mercados de rua e já conta com duas lojas e uma variedade quase interminável de catos e suculentas. No Instagram, a Oficina Botânica dispensa o espaço físico. A rede social é, na verdade, uma montra privilegiada. É lá que a loja vai mostrando as novidades, com entregas gratuitas na Grande Lisboa e na Margem Sul. A norte, não é diferente. A Terrárea, em Matosinhos, é uma espécie de catedral da botânica doméstica, enquanto o Kioskedama, dentro do espaço Maus Hábitos, se especializou na arte japonesa dos kokedamas, as plantas em esferas de terra suspensas.
De volta à capital, outro espaço que merece ser conhecido. A Super Botânica não é só uma loja de plantas, é a história de como elas fizeram Márcio Orsi da Silva e Roberta Gontijo trocar São Paulo por Londres e acabar em Lisboa. Ambos arquitetos, ela paisagista, chegaram há pouco mais de um ano e viram logo nas plantas um potencial negócio. Não como loja, mas como serviço de consultoria e de projetos para interiores. “Em Portugal, era um mercado por explorar. Assim que começámos, encontrámos logo muita recetividade, sobretudo de empresas, embora não estejamos virados só para clientes com orçamentos gigantescos”, explica Márcio.
Mas as pessoas queriam ver as plantas ao vivo e, durante um ano, o casal procurou um espaço para abrir ao público. Encontrou-o em fevereiro, em Alcântara, embora em casa continue a funcionar uma espécie de enfermaria, para o recobro dos espécimes combalidos. “Aconchego” e “algo para cuidar” são expressões usadas por ambos quando falam da importância das plantas numa casa. Márcio e Roberta também já desenvolveram acessórios próprios — são vasos em argila e em cimento e suportes em metal. Quanto aos orçamentos, a dupla leva a discurso à letra. A partir de 30 euros, prestam um serviço a que chamam “plant styling“.
As plantas são nossas amigas, já dizia a NASA
A NASA, última entidade que imaginaríamos a estudar as plantas que temos dentro de casa, debruçou-se sobre o assunto no final dos anos 80. O relatório não referiu apenas o facto de estes seres vivos serem capazes de purificar o ar no espaço onde se encontram, como analisou diferentes espécies, das que mais comummente encontramos em casas e locais públicos, e apurou quais as mais poderosas na filtragem de elementos tóxicos presentes no ar, entre eles o tricloroetileno, o formaleído, o amoníaco, o xileno e o benzeno.
A lista de “poderosas” é encabeçada pelo crisântemo e pelo lírio da paz, espécies capazes de filtrar, em simultâneo, os cinco elementos nocivos acima mencionados. Mas há outras: a hera comum, a Espada de São Jorge e a dracaena marginata, espécies que só não conseguem dar conta do amoníaco. A classificação continua e inclui mais do que um tipo de feto, a planta-aranha, o bambu e a gerbera.
Algumas destas espécies são nocivas para cães e gatos, a única contraindicação para quem tem ou quer passar a ter estas plantas em casa. Apesar de ter 30 anos, o estudo continua a ser tido como uma referência. Depois das conclusões finais, a NASA chegou mesmo a recomendar a existência de uma planta por cada dez metros quadrados.
Guia para cuidar de plantas em casa (e as 10 mais simples de manter)
As plantas e a decoradora
O fenómeno ultrapassa o design de interiores, mas também aí as plantas assumiram um novo protagonismo. A decoradora Gracinha Viterbo, que no próximo ano assinala duas décadas a trabalhar na conceção e elaboração de ambientes, trata-as por tu e não é de agora. Fala num elemento transversal a todos os espaços — industrial, clássico e contemporâneo — numa tendência que vai além da decoração. Da última edição da ARCOlisboa ao jardim interior que criou, há dez anos, para recuperação de um palacete, estes componentes verdes fazem, muitas vezes, a ponte entre a arte e o design. “A presença de flores e plantas tem sido transversal nos interiores e na arquitetura e explorada de várias formas artísticas e poéticas. Há plantas a caírem do teto, a
cobrirem mesas e a fazerem entradas. Veem-se plantas verdadeiras misturadas com plantas secas e mesmo plantas desidratadas e tingidas de várias cores”, explica Gracinha ao Observador.
As possibilidades estéticas são quase infinitas. Antes da compra, assinala a decoradora, há que adaptar as espécies ao espaço, às condições de luz e ao efeito pretendido. “Dão vida. Consoante o tipo de plantas, se estão juntas ou sozinhas, podem ter um lado mais escultural ou mais poético ou até selvagem. Podem trazer um elemento natural e cru da natureza ou mais romântico e histórico, dependendo também do facto de estarem em vasos ou expostas. Podem assumir o papel principal ou serem um apontamento de fundo. Só depende de como escolhemos viver com elas”, adiciona.
Mas ter plantas em casa, ou mesmo num espaço público, não é só uma questão de estética. Limpam o ar e algumas podem mesmo ajudar-nos a dormir melhor. “Trazem ótima energia, mas também refletem a nossa. É por isso que é bom sinal vê-las bonitas e saudáveis”, remata. A dimensão emocional é óbvia para Gracinha Viterbo, mesmo quando uma grande parte do seu trabalho se traduz, essencialmente, em imagem. No que toca a tendências, existe uma bem mais abrangente: a de trazer a natureza para dentro dos espaços, seja através de padrões botânicos em têxteis e papeis de parede — e Gracinha Viterbo lançou recentemente uma edição em colaboração com a de Gournay –, de fibras naturais e em estado cru e dos próprios seres vivos.
“Acho que estamos numa era de comunidades e de partilha”, refere ainda a decoradora. “Sempre gostei de marcar cantos de salas com plantas e ainda o faço”, completa. Na sua loja, Cabinet of Curiosities, reserva um espaço, logo à entrada, para flores e plantas selvagens. Pelas mãos de autores convidados ou pela própria equipa da arquiteta de interiores, da manipulação dos elementos nascem peças à medida de todo o tipo de projetos. Noutros casos, as plantas (ao natural) são harmonizadas com os restantes elementos. Ah, e depois ainda temos os vasos. Num momento em que uma nova vaga de cerâmica de autor ganha força em Portugal, depois das plantas, há muitas outras escolhas para fazer.
A botânica e os millennials: uma troca de afetos
“Eu mato as plantas todas” foi a frase que Rosário Sommer mais ouviu quando decidiu sondar o mercado. Agrónoma de formação, estreou-se no papel de empreendedora à boleia do boom da horticultura urbana. No final de 2017, já tinha reorientado a estratégia. Ainda assim, não era fácil atravessar-se com um negócio de venda de plantas para casa. “A geração mais velha não queria ter nada a ver com plantas. Entretanto, lia revistas, ia sempre acompanhando as tendências e esta era uma delas. Mas para falar para os millennials, tínhamos que lhe juntar a conveniência do online“, explica Rosário ao Observador.
Dito e feito. Em fevereiro de 2018, lançava a Generosa, uma plataforma que não só vende plantas para interiores, como esclarece todas as dúvidas que os clientes possam ter sobre sobre as origens, os cuidados e as especificidades de cada espécie. Aos poucos, a falta de jeito ou de aptidão para tomar conta de um ser vivo deixou de ser um problema. Para Rosário, o entrave era sobretudo esse, já que a necessidade de ter uma planta em casa estava visível a outros níveis. “Por um lado, é a compensação de uma vida muito tecnológica. Depois, existe esta necessidade de cuidar de algo, provavelmente relacionada com a questão da parentalidade adiada”, explica a empresária. Na hora de desmontar o fenómeno, as redes sociais vêm logo a seguir — “é cuidar, para fotografar, para partilhar”, como diz Rosário.
Hoje, trabalha com três sócias numa plataforma que já conseguiu criar uma relação com os seus clientes. “Criamos coleções, ajudamos as pessoas a cuidar melhor das plantas. Normalmente, quem compra uma, vem pedir opinião sobre qual deve escolher a seguir. Havia um limite psicológico de quanto é que se está disposto a dar por uma planta, mas isso está a mudar”, afirma. A Generosa vende plantas que vão dos 3,80 aos 114,50 euros e, além das casas, parece que também já as empresas perceberam que elas têm o poder de melhorar o ambiente de trabalho. O restaurante Prado, que trocou os exemplares de plástico por plantas verdadeiras, o Palácio Chiado e os co-works Now, no Beato e na Lx Factory são projetos recentes da equipa.
Rosário refere os estudos sobre a purificação do ar — “não era por acaso que os antigos hospitais e sanatórios, quase sempre em conventos, tinham jardins no centro” –, mas duvida que esta seja uma tendência passageira, como tantas outras. “O greening das cidades é um fenómeno muito mais macro do que o das plantas interiores. Acontece ao nível do consumo, do urbanismo das próprias cidades e, mesmo assim, em Portugal, acabou de chegar. Nisso, temos uma cultura inferior à de outros países da Europa. A relação com a natureza não é, de todo, substituível e as tendências que estão por vir vão sempre aproximar-nos dessa relação. Não acredito que toda a gente vá ter uma sala com 30 plantas, mas acredito que elas, cada vez mais, farão parte da vida das pessoas”, conclui.