Todos estes dados referem-se a uma só pessoa: ser dono da luva usada pelo cantor Michael Jackson durante a tour do álbum Bad, de uma mansão em Malibu, de um jacto privado Gulfstream, de 11 carros de luxo, poder comprar 109 lotes de arte num leilão privado de Yves Saint Laurent, ter um prédio em Paris, namorar com a rapper norte-americana Eve, fazer compras semanais na loja de luxo Louis Vuitton.
E não esquecer: a mesma pessoa tem um mandato de captura internacional em França, um processo por corrupção nos Estados Unidos da América, é embaixador na UNESCO e vice presidente segundo da Guiné Equatorial.
Estamos a falar de Teodorín, o filho mais velho de Obiang, presidente da Guiné Equatorial, que, nesta semana, vai acompanhar o pai à décima cimeira da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Díli, Timor, onde pode vir a ser aprovada a entrada da Guiné Equatorial na CPLP.
Uma vida de opulência e corrupção
De onde é que veio isto tudo? O filho mais velho de Obiang, presidente da Guiné Equatorial há 35 anos, Teodorín não se pode queixar de não ser mimado. Em 1993, aos 20 anos, sem qualquer experiência de governação ou estudos, recebeu 25.000 hectares da floresta da Guiné Equatorial, nem houve discussão pública como era obrigatório por lei. Foi uma prenda do pai, digamos. No ano seguinte, a bonança não acabou: mais 11.000 hectares de floresta “oferecidos”, ficando com 61% do espaço florestal total do país no seu poder. O passo seguinte era lógico e Teodorín não precisou de ser muito criativo: criou uma empresa madeireira chamada Sofana. Foi assim que começou a fazer fortuna às custas dos recursos naturais do seu país.
Talvez, por trás de tantas manobras empresariais, tudo o que Teodorín queria era ser artista. De acordo com a revista Paris Match, o filho de Obiang é um “cantor frustado”, que há muitos anos fundou a TNO Entertainment, uma editora de hip-hop com as suas iniciais no nome, pela qual lançou um álbum sob o pseudónimo de “Teddy Bear.”
Em 1998, funda a Somagui Florestal, outra empresa madeireira, no mesmo ano em que foi nomeado por Obiang ministro da Agricultura, Florestas e Meio Ambiente, responsável por regular legalmente o sector que ele já dominava no país. De acordo com a Organização Não-Governamental EGJustice, a partir daí, Teodorín passou a ficar com 10% dos lucros do governo nesse ramo, não depositando esse valor nos bancos do país e muito menos no tesouro nacional.
Durante os anos 1990, foram ainda descobertas grandes jazidas de petróleo na Guiné Equatorial, muitas das quais em terreno privado da família presidencial – atualmente o país é o terceiro maior produtor africano. Toda esta informação é de conhecimento público no país e a nível internacional. Depois de conquistar o país, Teodorín quis o mundo.
Por exemplo: durante a taça das Nações Africanas, organizada em conjunto com o Gabão, em 2012, Teodorín pagou à seleção guineense pelo menos dois milhões de dólares do seu próprio dinheiro como bónus das duas vitórias alcançadas na prova, conta uma investigação do Pulitzer Center for Crisis Reporting.
Já em 2013, durante a época natalícia, Teodorín percorreu toda a Guiné Equatorial, um país com uma taxa de morte infantil nos 20%, uma das mais altas do mundo, e sem grande cuidados de saúde ou acesso a educação, para distribuir um milhão de brinquedos pelas crianças.
Acabou a festa em Paris…
Durante vários anos, Teodoro Nguema Obiang Mangue viveu uma vida abastada. Paris era a sua cidade preferida para fazer compras. Visitava semanalmente a loja de luxo Louis Vuitton e mandava fazer fatos no mesmo alfaiate que presidentes. Isto tudo, ao mesmo tempo que tinha uma posição ministerial no seu país.
Até que tudo descarrilou. Em 2012, a polícia francesa apreendeu as posses de Teodorín – incluindo uma coleção de vinhos no valor de dois milhões de euros -, devido a uma investigação de corrupção envolvendo também o pai, presidente da Guiné Equatorial. O processo, conhecido em França como o caso “ill-gotten gains”, veio a público em 2007, por duas organizações não governamentais e uma associação de cidadãos congoleses. Acusaram o presidente Obiang e outros dois chefes de estado, Omar Bongo do Gabão e Denis Sassou-Nguesso da República do Congo, de desfalcar o dinheiro dos países que lideravam para comprar propriedades em França ilegalmente. “Não pretendemos atingir o clã Obiang particularmente”, afirmou ao New York Times, na época, William Bourdon, o advogado que lidera o processo. “Mas a pilhagem de fundos públicos é espetacular”, afirmou estupefacto.
Um prédio, localizado no número 42 da Avenida Foch, em Paris, avaliado em 180 milhões de dólares, comprado por Teodorín anos atrás, foi vendido ao Estado da Guiné Equatorial, em 2011. O edifício em questão tem 101 quartos, dois ginásios, um salão de cabeleireiro, uma discoteca e um cinema. Segundo o jornal Le Parisien, a decoração e mobiliário da mansão, no valor de 50 milhões de dólares, incluía mesas com pedras preciosas incrustadas.
Na época, a polícia francesa apreendeu 11 veículos de luxo, dos quais dois eram Bugatti Veyrons, dos carros mais caros e exclusivos do mundo. Um Aston Martin, um Ferrari Enzo, um Ferrari 599 GTO, um Rolls-Royce Phantom e um Maserati MC12. Também foi descoberto um relógio no valor de 3.7 milhões de dólares. Após a apreensão dos veículos de luxo de Teodorín, Obiang nomeou o filho como representante do país na UNESCO para manter uma boa imagem do filho – meses depois, a UNESCO lançou um prémio de ciência patrocinado pela Guiné Equatorial.
Outros gostos de Teodorín eram refinados: a sua coleção de arte incluía um quadro de Degas e cinco esculturas de Rodin, segundo o Le Monde.
Devido a este somatório de provas, para alguém que oficialmente só ganhava pouco mais de 6800 dólares por mês, os juízes franceses emitiram um mandado de prisão internacional, acusando Teodorín de desvio de dinheiros públicos e ativos das próprias empresas e lavagem de dinheiro, que terá utilizado para comprar as propriedades francesas.
Num esforço paternal, Obiang nomeou Teodorín vice presidente segundo da Guiné Equatorial de forma a providenciar-lhe imunidade diplomática – um cargo que até hoje não existe na constituição do país, mas que, de acordo com o presidente, caso algo lhe aconteça, quem lhe deve suceder no poder é o filho mais velho.
Alegadamente, a companhia de engenharia francesa Bouygues, com grandes interesses económicos na Guiné Equatorial, construiu uma mansão de graça para Teodorín em Malabo, na capital do país. Oficialmente, Teodorín nunca compareceu a nenhum julgamento em França, a não ser via Skype – entretanto o mandado de captura foi levantado, mas o processo judicial ainda está a decorrer.
Emmanuel Marsigny, advogado de Teodorín, em 2012, afirmou ao New York Times que rejeitava todas as acusações feitas contra o seu cliente. “Ele ganhou o dinheiro de acordo com as leis da Guiné Equatorial”, disse Marsigny, “mesmo que estas não cumpram os padrões internacionais”. E que a investigação do Governo francês contra o clã Obiang era uma tentativa de “abuso do quadro legal existente” e que a imagem económica da Guiné Equatorial tinha clareado, com o país agora a desfrutar um “crescimento de dois dígitos.”
… e nos EUA
Enquanto foge a processos judiciais em França, Teodorín enfrenta, ao mesmo tempo, a justiça dos EUA, por corrupção e compra de bens no país com dinheiro provenientes de negócios ilegais e extorsão. O vice-presidente segundo da Guiné Equatorial visitou os EUA pela primeira vez em 1991, numa viagem paga pela companhia petrolífera Walter Oil & Gas Corp, quando tinha 20 anos, para estudar inglês na Universidade de Pepperdinne. Passados cinco meses desistiu, segundo que o que se sabe.
Em 2009, a empresa Somagui Florestal comprou 109 lotes por mais de 22 milhões num leilão de arte privado de Yves Saint Laurent e Pierre Bergé. Os lotes, que foram usados para a decoração do edifício em Paris, incluíam um elefante em prata dourada feito por Christoph II Ritter.
Mas nada o impediu de comprar uma mansão em Malibu, um jato privado Gulfstream e dois milhões de dólares de “colecionáveis” de Michael Jackson – sete estátuas em tamanho real do cantor, o casaco usado no videoclip de “Thriller” e a luva de cristais da tour do álbum “Bad”.
De acordo com dados fornecidos ao New York Times pelo departamento de justiça americano, o filho do presidente Obiang gastou cerca de 315 milhões de dólares em propriedades e bens de luxo, entre 2004 e 2011. Neste momento, o processo ainda está a decorrer.
Talvez, por trás de tantas manobras empresariais, tudo o que Teodorín queria era ser artista. De acordo com a revista Paris Match, o filho de Obiang é um “cantor frustado”, que há muitos anos fundou a TNO Entertainment, uma editora de hip-hop com as suas iniciais no nome, pela qual lançou um álbum sob o pseudónimo de “Teddy Bear.”
(Segundo artigo de uma série sobre a adesão da Guiné Equatorial à Comunidade de Países de Língua Portuguesa.)
1º artigo – Perfil: Obiang, o ditador que está a aprender português