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© UNICEF/NYHQ2012-1507/Jayasuri

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Ter o vírus e não saber: 30% das mães com VIH só o descobre na gravidez

A transmissão do vírus VIH de mãe para filho é a forma mais frequente nas crianças pequenas. Mas são os jovens que mais estão a preocupar os especialistas. Assim como os que sabem tarde demais.

Manuel (nome fictício) sempre fora uma criança saudável. Não tinha tido mais do que as doenças típicas da idade. E mesmo os dois anos de episódios frequentes de infeções nos ouvidos não eram de estranhar. Nada que uma pequena cirurgia não resolvesse. Mas foram as análises de rotina antes da operação que deram o alerta – Manuel tinha sido infetado com o vírus da imunodeficiência humana (VIH). A criança, que tem agora oito anos, é um dos 393 casos conhecidos em Portugal de crianças que foram infetadas pela mãe entre 1983 e 2013.

A mãe teve uma gravidez acompanhada, realizando o despiste para a infeção por VIH no primeiro e no último trimestre de gravidez. Uma norma estabelecida em 2004 que tem diminuído o número de casos de transmissão vertical do vírus, ou seja, de mãe para filho, durante a gravidez, parto ou aleitamento, refere ao Observador Graça Rocha, médica no Hospital Pediátrico de Coimbra. Enquanto em 2004 se registaram 20 casos de transmissão vertical, em 2013 foram cinco o número de casos, segundo os dados divulgados este mês pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa).

Remonta a 1994 o primeiro protocolo em Portugal para o tratamento antirretroviral (contra o retrovírus VIH) de grávidas seropositivas para prevenir a infeção da criança, explica a pediatra. Antes de 1994, uma em cada quatro grávidas infetadas transmitia o vírus aos filhos, mas com o uso de AZT (o primeiro antirretroviral usado) foi possível reduzir-se para 8% a taxa de transmissão vertical, explica Graça Rocha. “Agora com vigilância e com a criança a fazer tratamento com AZT durante o primeiro mês de vida a transmissão é de 0 a 1%.” A médica acrescenta que em 2013 o Hospital Pediátrico de Coimbra registou apenas dois novos casos de transmissão vertical.

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@ Andreia Reisinho Costa

Prevenir a transmissão de VIH de mãe para filho, em especial nos países de baixo e médio rendimento, é um dos objetivos da Unicef (Fundo das Nações Unidas para as Crianças). Entre 2005 e 2013, as instituições que promovem o acesso aos cuidados de saúde e ao tratamento com antirretrovirais às grávidas destes países evitaram 1,1 milhões de novas infeções em crianças com menos de 15 anos – menos 50% de novos casos -, segundo o relatório publicado esta sexta-feira. Os cerca de 240 mil novos casos de 2013, em crianças com menos de 15 anos, representam uma redução de 40% em relação a 2009, mas ainda longe da proposta de redução de 90% até 2015.

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UM VÍRUS COM UMA MUTAÇÃO RARA

No caso do Manuel, a transmissão também foi vertical, mas nem a criança nem os pais apresentavam sintomas da infeção. Porém, depois de se ter verificado a presença do VIH no menino, os pais foram analisados e o resultado foi positivo para a presença do vírus. A mãe poderá ter sido infetada pouco antes do parto ou durante o período de amamentação, mas o que chamou a atenção dos médicos e investigadores foi a ausência de sintomas – nem o Manuel nem os pais desenvolveram infeções fúngicas, uma das infeções mais frequentes para quem tem o sistema imunitário debilitado pela presença do vírus VIH.

A existência de casos assintomáticos (sem sintomas) motivou o doutoramento, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, de Graça Rocha e Rui Soares – ela com crianças, ele com adultos. O objetivo é perceber se as características genéticas do vírus, nomeadamente a existência de mutações, são responsáveis pela ausência de sintomas, mesmo quando o sistema imunitário do hospedeiro está comprometido.

A equipa envolvida no estaudo: Graça Rocha, Teresa Gonçalves (orientadora) e Rui Soares

Universidade de Coimbra

Quando as análises de rotina do Manuel chegaram, não foram encontrados no sangue linfócitos CD4+ – um tipo de glóbulos brancos, importante para a defesa do organismo, que o vírus VIH ataca. Além disso, a criança apresentava uma carga viral elevada – mais de um milhão de cópias do material genético (RNA) do vírus por mililitro de sangue. Era surpreendente que não tivesse reagido de forma adversa ao plano de vacinação nacional e que não tivesse tido outras doenças que se aproveitassem do sistema imunitário diminuído.

Estudando o material genético do vírus, os investigadores verificaram que este apresentava também uma outra mutação, rara, que foi recentemente publicada numa revista científica (Journal of Medical Microbiology – Case Reports). Antes, só tinha sido referida num caso de um adulto japonês e estava ainda pouco estudada, refere ao Observador Rui Soares, médico no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Sabe-se que o vírus com a mutação mais comum pode trazer algumas vantagens para o sistema imunitário da pessoa infetada, falta saber qual o papel desta mutação mais rara.

Uma ou mais mutações no código genético do vírus podem torná-lo menos agressivo para as pessoas infectadas, justificando a ausência de sintomas.

Perceber se os doentes infetados com o vírus VIH têm uma mutação que atrasa o desenvolvimento da doença pode adiar o início da toma de antirretrovirais, aumentado a qualidade de vida do doente, porque os medicamentos têm alguns efeitos secundários. Ao mesmo tempo diminuem-se os encargos do sistema nacional de saúde. À data da publicação do artigo científico a mãe do Manuel continuava livre de sintomas e sem fazer tratamento antirretroviral. A criança iniciou o tratamento por causa da cirurgia, mas a resposta aos medicamentos foi muito mais rápida do que médicos e investigadores poderiam esperar.

OS GRUPOS DE RISCO ESTÃO A MUDAR

Manuel é um caso surpreendente, mesmo para a médica responsável pelo acompanhamento da criança, Graça Rocha, que lida há 20 anos com doenças infecciosas. A médica é uma das promotoras da prevenção da transmissão vertical que faz agora 20 anos e que dá o mote à conferência de dia 10 de dezembro no auditório do Hospital Pediátrico de Coimbra. Aqui serão discutidos, entre outros temas, novas recomendações para as práticas preventivas na medicina da gravidez e parto e da criança. A pediatra refere que apesar da diminuição notável do número de casos de transmissão vertical é preciso apostar ainda mais na deteção – como os testes rápidos nos centros de saúde e urgências, que em 10 minutos dão indicação sobre a presença de anticorpos contra o VIH. “Cerca de 30% das grávidas infetadas com VIH só descobre a infeção durante a gravidez com os testes de rastreio”, justifica Graça Rocha.

Os testes rápidos permitem confirmar a presença de anticorpos contra o VIH em 10 minutos

© UNICEF/NYHQ2011-0612/Ramoneda

Além disso, a médica defende que o rastreio não deveria ser implementado apenas na grávida, mas também no companheiro. E em todas as pessoas que tenham tido comportamentos de risco: partilha de objetos que estiveram em contacto com sangue ou relações sexuais sem o uso de preservativo.

O número de infetados devido ao uso de drogas injetáveis tem diminuído desde o ano 2000, fruto do Programa de Troca de Seringas, mas também da descriminalização da utilização de drogas e do início dos tratamentos de substituição de opiáceos, refere ao Observador António Diniz, diretor do Programa Nacional para a Infeção VIH/Sida (PN VIH/Sida) da Direção-Geral da Saúde (DGS). “No ano 2000 o uso de drogas injetáveis representava quase 60% dos casos de novas infeções, agora está abaixo dos 7%.”

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@ Andreia Reisinho Costa

Nos últimos anos a principal forma de transmissão tem sido os contactos sexuais, mesmo entre jovens (15-19 anos) e jovens adultos (20-34 anos). “O modo de transmissão do VIH mais frequente foi o contacto heterossexual, referido em 61% dos casos”, aponta o relatório do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa). Mas houve um aumento do número de novos diagnósticos de infeção de jovens do sexo masculino que têm sexo com outros homens – 43% dos novos casos de infeção em indivíduos do sexo masculino estão dentro deste grupo e metade têm menos de 32 anos -, refere o relatório. Nos homens acima dos 35 anos e nas mulheres, a partir dos 14 anos, o modo de transmissão mais expressivo é o contacto sexual com indivíduos do sexo oposto, segundo o último relatório do PN VIH/Sida, com dados até 2012.

Embora alerte para a possibilidade de sub-representação dos dados, o relatório do Insa mostra que, entre 1983 e 2013, dos 1.648 casos de crianças e jovens (até aos 19 anos) infetados, mais de dois terços (1.168) tinham entre 15 e 19 anos. Para a maior parte destes jovens o modo de transmissão terá sido o contacto sexual. Contudo, segundo o questionário “Comportamento e Saúde em jovens em idade escolar” promovido pelo PN VIH/Sida em 2010, 71% dos quase cinco mil alunos inquiridos sabem que o preservativo pode ser usado para evitar a infeção com VIH. Este estudo mostra também que 13% dos jovens inquiridos no 8º ano e 29% do 10º ano já tinham iniciado a vida sexual em 2010.

71% dos quase cinco mil alunos inquiridos em 2010 sabem que o preservativo pode ser usado para evitar a infeção com VIH.

Saber porque é que estes jovens ficam infetados “não é uma pergunta de resposta única”, nota António Diniz. Pode estar relacionado com a vulnerabilidade de algumas populações, como as comunidades de imigrantes ou com um estatuto social mais baixo, mas também com a maneira como os jovens encaram a sexualidade e as práticas sexuais e os locais onde vão buscar informação.

O Unaids (programa das Nações Unidas para lidar com o VIH/Sida) estima que em 2013 2,1 milhões de adolescentes (10-19 anos) viviam com VIH, muitos dos quais desconhecendo a situação. Cerca de 80% destes jovens vivem na África subsariana, região que também é origem de cerca de 20% dos casos de infeção detetados em Portugal. A Unicef, baseada nos dados da Organização Mundial de saúde, alerta que a sida é a principal causa de morte de adolescentes em África – uma tendência crescente – e a segunda causa de morte em todo o mundo.

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@ Andreia Reisinho Costa

MAIS DE 47 MIL CASOS CONHECIDOS DE VIH EM PORTUGAL

Apesar da infeção por VIH ser considerada uma doença de notificação obrigatória desde 2005, os dados recolhidos estão longe de representar a quantidade real de indivíduos com a infeção. Pelo número de casos que são detetados sem serem reportados oficialmente, ou pela quantidade de pessoas que não sabem que estão infetadas. Mesmo assim, ente 1983 e 2013 já foram registados 47.390 pessoas com infeção por VIH. A falta de diagnóstico precoce constitui um problema duplo, explica António Diniz: as pessoas podem continuar a transmitir o vírus sem o saberem e quando finalmente são diagnosticadas, a doença já se encontra num estado avançado.

Metas Unaids para 2015: zero novas infeções, zero mortes por sida, zero descriminação

O diagnóstico tardio representa 60% dos casos em Portugal, indica ao Observador Ricardo Baptista Leite, Coordenador do Grupo de Trabalho Permanente para Acompanhamento da Problemática do VIH/Sida, na Assembleia da República. Mas não é um problema exclusivo do nosso país, afeta toda a Europa. “Em Portugal, uma em cada três pessoas infetadas não sabe que o está”, refere o coordenador do grupo de trabalho. Prevê-se que durante o ano de 2015, os países europeus se juntem para tentar encontrar a melhor forma de fazer uma estimativa mais rigorosa do número de casos não diagnosticados, refere António Diniz.

Para melhorar o processo de notificação foi criado um sistema eletrónico – Si.Vida – que entrou em vigor em abril de 2013 e que foi sendo implementado faseadamente nos hospitais. O objetivo era colocar num sistema informático todos os novos casos de infeção e todos os casos que estivessem a ser seguidos naquela unidade. “93% do trabalho já foi feito”, garante António Diniz. Por enquanto, os dados introduzidos eletronicamente têm de chegar ao Insa em papel e ser introduzidos novamente numa base de dados, mas o diretor do PN VIH/Sida espera que durante o ano de 2015 o processo passe a ser totalmente eletrónico para que haja acesso aos dados mais rapidamente. Pelas dificuldades ainda encontradas, o Insa alerta no relatório que o registo dos dados anteriores a 2010 ainda não está completo, “pelo que não são uma medida real de incidência”.

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@ Andreia Reisinho Costa

Todas as pessoas infetadas têm o direito de ser acompanhadas e receber tratamento antirretroviral no sistema nacional de saúde. Quanto mais pessoas seropositivas souberem que estão infetadas menor o risco de transmitir a doença a outras pessoas. Zero novas infeções até 2015 era o objetivo da Unaids que Portugal também assumiu. Assim como, zero mortes por sida e zero discriminação. Mas o estigma e a discriminação continuam a estar entre os motivos que levam as pessoas a não quererem fazer o teste ou a não quererem partilhar o resultado. Durante o primeiro semestre de 2015 o grupo parlamentar do Partido Social Democrata vai apresentar uma proposta de projeto-lei antidiscriminação, diz Ricardo Baptista Leite. Enquanto isso, organizações não-governamentais e profissionais de saúde continuam as ações de sensibilização sob o mote “diga sim à prevenção, diga não à discriminação”.

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