Alegações sem fundamento científico, falta de zelo no desempenho da profissão, desrespeito para com os colegas e violação das regras de publicidade em saúde. As infrações são todas imputadas ao nutricionista Alexandre Fernandes e estão nas conclusões do processo disciplinar aberto pela Ordem por causa do livro “A Dieta da Meditação”.
Na obra, publicada pela Editorial Planeta, o nutricionista relaciona o excesso de peso com traumas e outras situações marcantes da vida das pessoas. Dá, aliás, exemplos: um trauma aos sete anos de idade pode valer sete quilos a mais, já em adulto; o frio extremo durante a conceção pode tornar o bebé obeso no futuro, porque a gordura ajuda a proteger da temperatura; um problema de disfunção erétil pode provocar barriga num homem, para o impedir de olhar para o próprio pénis.
A solução para perder os quilos a mais, defende, também está na mente. É certo que o livro recomenda uma dieta, que pode ser seguida ao longo de 21 dias, mas conjugada com exercícios de meditação.
O especialista dá consultas de nutrição desde que terminou a licenciatura, há 16 anos. Em 2004, começou também a escrever e já publicou pelo menos 15 livros dedicados à alimentação, mas só este deu lugar a um processo e a uma sanção da Ordem dos Nutricionistas. Alexandre Fernandes foi condenado a pagar uma multa de 4.192,20 euros, a mais alta que poderia ser aplicada neste caso. O Conselho Jurisdicional (CJ) da Ordem, responsável por analisar as participações disciplinares, diz que “as condutas do arguido afetaram gravemente a dignidade e o prestígio da profissão, sem prejuízo de poderem ter colocado em causa direitos ou interesses relevantes de terceiro, in casu, dos leitores do referido livro”.
Na decisão, o CJ explica que o nutricionista “atuou com dolo, ainda que eventual” — ou seja, que poderá ter provocado prejuízo, mas sem intenção — e que, por isso, optou por aplicar a multa máxima prevista no regulamento disciplinar. A conduta não terá sido “suficientemente grave” para suspender a atividade profissional, mas a pena não podia ser mais leve — não só não foram encontrados atenuantes, como haverá ainda outras infrações, no passado, que servem de agravantes.
Alexandre Fernandes vê o processo de outra forma. Chamado a defender-se, no processo disciplinar, pediu o arquivamento do caso. Agora que a sanção lhe foi imposta, recorreu ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa para a impugnar. Ao Observador, diz que está a ser perseguido pela Ordem dos Nutricionistas.
Um livro “baseado em sebentas do curso”
“Este livro tem como finalidade associar várias técnicas de sucesso e métodos muito eficazes para que consiga perder os quilos que tem a mais e manter o seu peso desejado para sempre!” (Excerto do livro “A Dieta da Meditação”)
A capa é o primeiro contacto do leitor com o livro e o que o atrai a ver, ler e comprar. Daí que a primeira parte da acusação se foque exatamente nisso. Para o Conselho Jurisdicional (CJ), a designação de “nutricionista” logo depois do nome do autor é uma forma de validação do conteúdo do livro. No entanto, para o Conselho, as alegações que aparecem na contracapa — e mesmo as que estão no interior do livro — não são suficientemente sustentadas por bibliografia científica. De facto, Alexandre Fernandes indica oito livros como obras que lhe serviram de fonte — e quatro são dele próprio. Além disso, não é feita qualquer referência a artigos científicos sobre as áreas abordadas no livro.
Alexandre Fernandes diz ao Observador que tem os diplomas que comprovam a presença em cursos nas áreas sobre as quais escreve no livro, nomeadamente do curso de Desprogramação Biológica da escola Lazos al Mundo, em Barcelona. Mais: tem todo o material de estudo fornecido nesses cursos. E é com base nessas sebentas e na própria experiência pessoal que escreve o livro e traça a argumentação sobre este tema. “Para mim, não vejo que seja necessária a tal evidência científica, porque vi resultar comigo”, diz ao Observador. O problema é que não é a experiência pessoal, nem mesmo a observação de casos equivalentes, que dão a validação científica necessária para um profissional de saúde tratar os seus doentes.
Da primeira vez que foi chamado a defender-se perante o CJ, o autor também desvalorizou a questão científica. “O livro em causa não é um livro de receitas e não é um tratado científico, visando o grande público”, disse no processo disciplinar. No próprio livro acrescenta que “não é mais um livro de dietas” e que “não é mais um livro de meditação”. Não considera, aliás, que seja um livro de meditação — chama-lhe um “livro de conceitos”, que ajuda a lidar com os desafios e o medo. Ao Observador, porém, deu uma resposta diferente: “Todos os meus livros são na área da nutrição”. Incluindo “A Dieta da Meditação”, que descreve como “um livro em que associa a arte de meditar à nutrição”.
Ainda na defesa apresentada ao CJ, Alexandre Fernandes argumenta que, além de nutricionista, “também possui formação noutras áreas do saber”. Essas áreas são referidas nos livros e no site onde publicita o seu trabalho — “Bemnutrir: o corpo, a mente e o espírito” –, como desprogramação biológica, banda gástrica imaginária, leitura da aura, astrologia ou anjos de Belvaspata. “O que se procura é uma abordagem abrangente e a utilização de técnicas multidisciplinares, nas situações em que fatores emocionais e psíquicos interferem com o tratamento nutricional”, escreve o nutricionista.
O Conselho Jurisdicional também defende a multidisciplinariedade, mas desde que seja baseada na ciência — e nenhuma das áreas de formação complementar indicadas por Alexandre Fernandes tem uma base científica.
Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, contactada pelo Observador, não quis comentar este caso específico. De forma genérica, diz que “um nutricionista pode usar outros conhecimentos, mas tem sempre de desempenhar a atividade profissional com base na evidência científica”. Mais que isso, um nutricionista não pode menorizar práticas e soluções, usadas por outros colegas, que estejam demonstradas cientificamente. No entanto, a bastonária deixa claro que a Ordem só “regula os nutricionistas quando estão no exercício da profissão”. Se um nutricionista decidir ter outra profissão — e fizer este tipo de alegações nessa outra condição –, a Ordem nada pode fazer.
Neste caso, o autor do livro foi alvo de um processo disciplinar porque se apresenta como nutricionista logo na capa. Agora, quando fala publicamente, Alexandre Fernandes prefere ser identificado como licenciado em Nutrição e Engenharia Alimentar, terapeuta ou autor — embora ainda esteja inscrito na Ordem. Assim, não corre o risco de um novo processo disciplinar.
É possível reiniciar o cérebro como um computador?
“Os problemas de excesso de peso e obesidade têm uma origem emocional e/ou psíquica, de conflitos que atuam de forma ativa e inconsciente no dia-a-dia.” (Excerto do livro “A Dieta da Meditação”)
Alexandre Fernandes apresenta-se como terapeuta de desprogramação biológica e dedica um capítulo do livro a este tema. “Trata-se de uma terapia inovadora através da qual se pode curar (‘desprogramar’) diversos tipos de doenças, conflitos e outras enfermidades que ‘atacam’ a nossa saúde física ou mental ou, simplesmente, que afetam o nosso bem-estar pessoal, familiar ou profissional”, escreve o autor do livro.
“Este método está relacionado com situações e experiências vividas a nível físico, mental ou emocional — sejam elas reais, imaginárias, virtuais ou simbólicas — da nossa vida (incluindo alguns meses antes da nossa conceção), ou com memórias que herdamos ou vamos buscar aos nossos antepassados e que levaram ao excesso de peso e à obesidade por vários mecanismos possíveis.” (Excerto do livro “A Dieta da Meditação”)
O conceito de desprogramação biológica está tão distante de qualquer ideia científica que o Conselho Jurisdicional o confundiu com programação metabólica, “um conceito da atualidade científica e médica”. Mais: afirmou que “não existem especializações em programação ou desprogramação [metabólica]”. Esta confusão de conceitos foi um dos argumentos usados pelo autor do livro para justificar o pedido de impugnação.
Para se conseguir a desprogramação biológica, diz Alexandre Fernandes, é preciso que a pessoa identifique as situações que deram origem ao aumento de peso, que reviva o processo emocional, ultrapasse os sentimentos e, “ao compreendê-los sem sentir qualquer culpa, liberta-se, ‘desprograma-se’… e emagrece”.
Da maneira como é apresentado, desprogramar assemelha-se a reiniciar o computador. O autor defende no livro que, “em determinadas histórias de vida, um número pode ficar profundamente marcado” e que, “para nos proteger, o nosso cérebro reage transformando esse número em quantidade de quilos mediante o processo de incorporação”. Para o autor, a acumulação de gordura em certas zonas do corpo é uma forma de proteção e usa exemplos de clientes para o demonstrar: uma cliente que acumula gordura na região abdominal para proteger os órgãos, porque o avô foi esfaqueado na barriga quando a mãe estava grávida dela, ou um cliente que tem uma barriga grande porque teve problemas de ereção. “O inconsciente do cliente pensa desta forma: ‘Como o meu órgão sexual me falhou, não o quero ver mais’”, conclui Alexandre Fernandes no livro.
Para o autor, o aumento de peso ou a acumulação de gordura podem resultar da sensação de abandono; ser uma estratégia de defesa ou de reconhecimento, porque o indivíduo está mais volumoso — e mais difícil de ignorar; ou uma estratégia de sobrevivência — quanto mais gordo, mais tempo se sobrevive. O terapeuta não apresenta no livro os argumentos científicos que validem estas teorias ou as justificações dos exemplos dos clientes. E também por isso encontra contestação, mesmo fora da Ordem dos Nutricionistas.
“Isto é completamente absurdo. A acumulação de reservas sob a forma de gordura não leva a viver mais tempo, muito pelo contrário”, diz Sara Carmo Silva, investigadora no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra. Até porque a acumulação de gordura, explica, está relacionada com o aumento do risco de doenças cardiovasculares, uma das principais causas de morte a nível mundial.
O abandono e os quilos a mais
“A pessoa tem a sensação de ter sido abandonada, seja de uma forma real, imaginária, simbólica ou virtual, porque a mente não consegue distinguir as diferenças.” (Excerto do livro “A Dieta da Meditação”)
O abandono real ou a sensação de ter sido abandonado estão entre as causas do aumento de peso que Alexandre Fernandes diz poder tratar com desprogramação biológica. No livro, explica que a sensação de abandono pode surgir quando a criança é deixada na creche ou na casa de um familiar ou quando os pais vão trabalhar, mesmo que isto não seja um abandono real. E é esta sensação de solidão que provoca não só uma acumulação de gordura como a retenção de líquidos.
Se se assumir que o abandono provoca stress e ansiedade, parte da argumentação do livro está correta, ainda que tenha sido apresentada de uma forma simplista. Num organismo em stress, o cérebro responde produzindo cortisol. O aumento desta hormona provoca o aumento de outras duas: a insulina, que é responsável pelo aumento do tecido adiposo (onde fica acumulada a gordura), e a leptina, que regula a sensação de saciedade. O problema são os casos de stress crónico, em que a produção de leptina pode ficar desregulada e deixa de haver controlo do apetite. O resultado final é que esta tensão e a produção de cortisol podem levar ao aumento de peso, “mas não são um fator único”, lembra Teresa Summavielle, investigadora no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S).
A ideia de que o abandono pode provocar stress e, consequentemente, produção de cortisol não é rejeitada por Sara Carmo Silva, que faz investigação na área da obesidade. Mas a investigadora considerou que afirmar que a retenção de líquidos é causada pelo abandono, é um “absurdo na forma como se diz”. A tensão em excesso pode provocar a desregulação dos mecanismos hormonais, incluindo os que regulam a atividade dos rins, e isso pode levar a uma acumulação de líquidos. O inchaço resultante não surge, no entanto, como resposta a um problema, mas antes porque o organismo está mais ocupado a resolver o stress — a fugir ou a lutar — do que a fazer a digestão ou a eliminar corretamente os líquidos na urina.
Para o autor, o organismo de uma pessoa que se sinta sozinha e abandonada pode ainda encontrar outra solução: “a acumulação de reservas sob a forma de gordura para aguentar e viver o maior tempo possível, tanto física como mentalmente (para que a pessoa suporte o sentimento de solidão, perigo e abandono)”. Teresa Summavielle não hesita na sua resposta: “Não há qualquer suporte científico para esta afirmação”.
Pode a meditação ajudar a emagrecer?
“Mentalize-se de que a gordura do corpo está a ser dissolvida. O seu corpo vai ficando cada vez mais magro e tonificado, aumentando a sensação de alegria e de descontração generalizada.” (Excerto do livro “A Dieta da Meditação”)
O autor do livro considera que a meditação em conjunto com a dieta que propõe — e ainda o exercício físico — vão fazer com que a pessoa emagreça. Carlos Fernandes da Silva, investigador no Cintesis (Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde), não tem dúvidas de que um pessoa que pratique mindfulness (uma prática meditativa centrada no presente e feita de olhos abertos) “está melhor preparado para seguir um plano nutricional”, porque está melhor preparado para resistir a um bolo ou a outras tentações alimentares. Mas recusa a afirmação de que meditar ajuda a emagrecer.
O psicólogo conta que os trabalhos científicos que analisaram a prática de mindfulness mostraram que o estado de serenidade pode levar à diminuição da quantidade de cortisol para níveis saudáveis (e já vimos como o cortisol interfere na acumulação de peso e regulação do apetite). “Mas emagrecer não depende só disso. Emagrecer depende do que se come, mas também do metabolismo e das hormonas”, afirma.
Alexandre Fernandes propõe no livro que a pessoa se imagine a emagrecer, mas também que se imagine a comer, tanto quanto deseje, os alimentos preferidos. A ideia é que, com esses pensamentos, evite, de facto, comer compulsivamente. Para Carlos Fernandes da Silva, esta técnica de visualização pode inibir o desejo por certos alimentos, mas não se pode simplesmente imaginar que se come, é preciso pensar que se está a comer corretamente e com calma. Teresa Summavielle confirma que começam a aparecer estudos sobre os efeitos positivos do mindfulness, mas que ainda não é possível tirar muitas conclusões. “A favor destes estudos está o facto de diminuírem os riscos associados às dietas e ao exercício físico mal acompanhado ou mal executado”, diz a investigadores do I3S ao Observador.
A obesidade e o excesso de peso não dependem exclusivamente da quantidade ou tipo de alimento ingerido, estão mais relacionados com a taxa metabólica de cada pessoa. Ora, uma vez que o metabolismo pode depender da função cerebral e que esta é influenciada por fatores externos, a meditação pode ter aqui algum papel, que ainda não está completamente definido.
Publicidade enganosa e falta de respeito pelos colegas
“Vinte e um dias a cumprir uma alimentação tipicamente vegetariana faz com que se perca entre seis e oito quilos — mas pode-se perder muito mais peso, só depende de si, da sua motivação, do cumprimentos da dieta e da prática de exercício físico.” (Excerto do livro “A Dieta da Meditação”)
O Conselho Jurisdicional da Ordem diz que, no livro “A Dieta da Meditação”, Alexandre Fernandes não cumpriu os deveres gerais de nutricionista: não dignificou a profissão, nem teve uma prática baseada na evidência científica. Mas, além disso, o processo disciplinar também concluiu que o nutricionista não tratou os colegas com respeito e denegriu o seu trabalho.
Em primeiro lugar, porque levantou dúvidas sobre a atuação de outros nutricionistas: “Quantas centenas de pessoas já passaram pelas minhas consultas de nutrição e alimentação referindo que desde que se conhecem (enquanto pessoas) fazem constantemente dietas? Já foram a médicos famosos, clínicas prestigiadas e de renome, a outros colegas nutricionistas e… nada”, lê-se no livro.
Depois porque, como alternativa, o nutricionista apresenta uma solução: em 21 dias, as pessoas passam por um processo de autoconhecimento e por um esquema alimentar vegetariano que lhes permite uma “perda de entre seis e oito quilos, e que ajudará a atingir estados de consciência superiores, logo à evolução espiritual”.
O problema aqui é que, ao prometer que os leitores podem perder seis a oito quilos (ou até mais) em três semanas, o autor pode estar a violar o regime das práticas de publicidade em saúde, que estipula que é proibida a publicidade que induza o utente em erro, como aquela que usa informação sem base científica ou em que se refiram falsamente garantias de resultados.
A verdade é que, em algumas situações, será possível perder os ditos oito quilos em três semanas, mas não quer dizer que isso corresponda a emagrecer. “Nestas dietas muito rápidas, parte do peso perdido é água, o que, na realidade, em nada contribui para o objetivo principal do emagrecimento, que é perder massa gorda”, disse Nuno Borges, professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto.
As dietas rápidas podem parecer apelativas, mas acarretam problemas. Além de não serem a estratégia mais saudável, têm associado um risco de a pessoa voltar a engordar logo a seguir. E de arriscar outra dieta depois disso. O que só quer dizer que a pessoa não modificou os hábitos alimentares e não aprendeu a comer de forma equilibrada.
Alexandre Fernandes garante, ainda assim, que o seu objetivo também é evitar que as pessoas estejam constantemente a fazer dietas e sofram do chamado efeito iô-iô (perder e aumentar peso), daí a sua abordagem multidisciplinar. Além disso, considera que o melhor é que a pessoa faça um plano nutricional individualizado numa consulta de nutrição — atividade que também exerce.
Mas a dieta que apresenta no livro tem outra particularidade: ao fim de cinco dias a ingerir os alimentos sugeridos, a pessoa deve passar três dias só a comer fruta ou a beber sumos naturais não açucarados, segundo um esquema pré-definido. Perante isto, Nuno Borges alerta que “não existe qualquer evidência científica de que este tipo de abordagem tenha alguma eficácia ou que esteja isenta de riscos”. Pelo contrário, os riscos são um consumo excessivo de açúcares (ainda que naturais) e a perda de tecido muscular, por falta de ingestão de proteínas. E a medida nem é muito favorável ao emagrecimento, porque é o trabalho dos músculos que acelera a queima de gorduras — e se há menos músculo, pode haver menos gordura eliminada.
Alexandre Fernandes desvaloriza a questão da ingestão de açúcares, porque se trata de frutose (o açúcar da fruta). “Está a falar como se fosse mau”, respondeu ao Observador. Pela experiência que tem de retiros espirituais em que se faz ingestão de líquidos à base de sumos de fruta, entende que são boas recomendações, “até porque é só um dia e meio”. Para evitar que as pessoas consumam sumos em excesso, recomenda que os sumos sejam feitos incluindo a casca, que é rica em fibra, dando uma maior sensação de saciedade.
O pedido para anular o processo
“Ao longo daquela peça [a acusação da Ordem] é desenvolvido um exercício sobretudo opinativo da obra [livro], que peca por superficial e lacunar”, lê-se no pedido de impugnação apresentado por Alexandre Fernandes no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL). Na argumentação, assinada pelo advogado Pedro Gil Mineiro, que o representa, acusa a Ordem dos Nutricionistas de só se basear em citações do livro e de fazer “um conjunto de juízos, avaliações e conclusões, sem a necessária discriminação de factos ou elementos materiais” — o que limita a possibilidade de defesa. Pede, por isso, que a sanção disciplinar e a multa sejam consideradas nulas “por insuficiente fundamentação” e “por total ausência de prática de infrações disciplinares”.
“Estou a ser alvo de uma perseguição pela Ordem dos Nutricionistas relativamente a este livro”, diz ao Observador, sobre a alegada falta de validação científica das alegações que faz. Alexandre Fernandes não concorda com essa acusação, embora admita que ainda há muita coisa para ser descoberta. “Levei para os tribunais [neste caso, o TACL] porque acho que não tenho de ser discriminado e não tenho de ser perseguido pela Ordem devido a esta temática”. A temática é a desprogramação biológica e a meditação.
O pedido de impugnação argumenta que a meditação, assim como outras técnicas e conhecimentos usados nas consultas deste profissional, tem de ser entendida numa perspetiva multidisciplinar. O Conselho Jurisdicional defende que os nutricionistas usem conhecimentos da biologia, química, fisiologia, ciências sociais e comportamentais, mas rejeita o uso das práticas alternativas apresentadas pelo autor, por não terem validação científica.
Nos documentos entregues em tribunal, Alexandre Fernandes acusa o Conselho Jurisdicional de desconhecimento de práticas, como as da desprogramação biológica ou da meditação, e de não apresentar “um único parecer científico que contrarie as suas posições”. Para impugnar a sanção, apresenta oito ligações para sites, na tentativa de demonstrar o benefício da meditação e os estudos feitos nesse sentido, mas nenhuma delas corresponde a um artigo científico que valide as afirmações do autor ou a argumentação apresentada.
O psicólogo Carlos Fernandes da Silva, ouvido pelo Observador, a propósito do livro, admite que é possível alterar comportamentos e que essas modificações podem provocar alterações nas redes neuronais, mas diz que, acima de tudo, “é preciso muita honestidade para dizer que não sabemos muito bem o que é isto”. Sobre a meditação, em particular a mindfulness, o investigador do Cintesis admite que têm sido observadas melhorias na saúde em algumas experiências, mas que ainda não se sabe como é que acontece e se é o mindfulness o responsável por essas alterações. Ou seja, as duas coisas — meditação e melhoria na saúde — acontecem em simultâneo, mas não se pode dizer que uma provoca a outra.
As críticas a outros colegas que deram origem a mais processos
Quando é acusado de desmerecimento dos colegas, por dizer que falharam no atendimento dos clientes, o autor defende-se dizendo que interpretar a ideia dessa forma era o mesmo que assumir “uma autocrítica, pois segue os mesmos protocolos na prática clínica”. Mas a alegação de que segue os mesmos protocolos que outros nutricionistas, quando dá consultas, parece entrar em conflito com uma abordagem multidisciplinar que usa como defesa no pedido de impugnação. Na conversa com o Observador, diz que só usa estas técnicas alternativas enquanto terapeuta e não enquanto nutricionista.
Alexandre Fernandes admite que à sanção que agora tenta travar junta-se ‘ene’ processos disciplinares ainda a decorrer na Ordem dos Nutricionistas — mas não quis dizer quantos. Alguns deles têm origem nos desabafos que deixa nas redes sociais quando sente que está a ser discriminado pela Ordem. Em duas dessas publicações no Facebook “acusou membros da então Associação Portuguesa dos Nutricionistas, a bastonária, a direção e os serviços da Ordem, de atuações que a direção da Ordem considerou difamatórias”, contou a bastonária ao Observador. Foi a própria direção que apresentou a queixa ao Conselho Jurisdicional. Mas Alexandra Bento sublinha que é ao Conselho Jurisdicional que “compete instruir e julgar os processos disciplinares contra os membros da Ordem”. Ou seja, enquanto órgãos independentes, a bastonária e a direção “não tiveram qualquer intervenção neste processo”.
Uma vez definida a pena, cabe à direção fazer cumprir as decisões que resultam de qualquer processo disciplinar. No caso das multas, estas devem ser pagas no prazo de 30 dias depois de o acusado ser notificado. Se não pagar a multa, o nutricionista pode ser suspenso da Ordem. Neste caso específico, Alexandra Bento acrescenta ainda que o processo que decorre no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa “não tem natureza suspensiva, pelo que a Ordem dos Nutricionistas poderá executar a decisão na pendência do processo”. Ou seja, pode cobrar a multa, mesmo antes do tribunal decidir se a sanção se mantém.
Processo tinha proposto suspensão do nutricionista
Por ter violado o Código Deontológico da Ordem dos Nutricionistas, o Estatuto da Ordem dos Nutricionistas e o Decreto-lei n.º 238/2015 que regula as práticas de publicidade em saúde, Alexandre Fernandes acabou condenado a uma multa — a máxima que podia ser aplicada –, mas as consequências do processo disciplinar poderiam ter sido mais graves. Inicialmente, a proposta era que fosse aplicada uma pena de suspensão por seis meses, que acabou por não ser aceite na decisão final do do CJ.
Porquê? A bastonária diz que não lhe cabe essa explicação: “Considerando que essa decisão foi tomada apenas pelo Conselho Jurisdicional no decurso do processo disciplinar, não me posso pronunciar sobre a mesma.” Qualquer posição que venha a ser tomada pela direção terá de ser feita em tribunal, concluiu Alexandra Bento.
As multas são um nível intermédio das sanções que, na altura em que o Conselho Jurisdicional avaliou o processo, podiam ir de 419,22 euros até 4.192,20 euros. Os casos mais graves podem levantar à suspensão do profissional por um prazo máximo de dois anos (quando afeta gravemente a dignidade e o prestígio da profissão) ou à expulsão da Ordem, sem possibilidade de se voltar a inscrever (quando a vida de uma pessoa é posta em causa). A Ordem dos Nutricionistas nunca aplicou sanções destes dois tipos.
Ordem dos Nutricionistas só investiga depois de denúncia
Um instrutor de ginásio que faz um plano nutricional para um dos alunos, um anúncio para uma consulta gratuita de nutrição que termina com a venda de suplementos alimentares ou o número cada vez maior de influenciadores a emitir recomendações sobre alimentação, na televisão ou internet, são algumas das preocupações da Ordem dos Nutricionistas. Foram, aliás, o mercado desregulado e a inexistência de regras da profissão de nutricionista que motivaram a criação desta ordem profissional.
Alexandra Bento, bastonária, diz que a maior preocupação é com aqueles que se fazem passar por nutricionistas e lembra que, para se ser nutricionista, não basta ter formação académica na área — é preciso estar inscrito na Ordem, ou seja, ser avaliado em termos técnicos, deontológicos e éticos.
Em 2017, a Ordem dos Nutricionistas recebeu 82 denúncias de exercício ilegal da profissão, que podem incluir tanto pessoas que mentem ao dizerem que são nutricionistas, como pessoas que assumem que não são nutricionistas, mas atuam como tal, por exemplo apresentando um plano nutricional ao cliente.
“O exercício ilegal da profissão de nutricionista é crime”, lembra Alexandra Bento, referindo-se à usurpação de atividade. Mas o difícil é prová-lo. Como não existe legislação que defina especificamente quais os atos próprios da profissão de nutricionista, torna-se difícil provar que alguém está a exercer uma atividade de forma ilegal.
Cerca de 80% das denúncias recebidas no ano passado foram arquivadas, mas os restantes 20% ainda se encontram em processo de averiguações ou foram encaminhados para o Ministério Público. Alexandra Bento admite a dificuldade que a Ordem tem em investigar certos casos, especialmente as publicações na internet e redes sociais, porque às vezes é difícil identificar o autor — o que acaba por determinar o arquivamento do processo. Outros dos casos arquivados dizem respeito a pessoas que terminaram a atividade ilegal ou a pessoas licenciadas em nutrição que acabaram por se inscrever na Ordem para poderem desempenhar a profissão.
Uma das práticas de exercício ilegal são os planos nutricionais feitos por profissionais não habilitados para o fazer. “É uma competência dos nutricionistas”, afirmou Alexandra Bento. No entanto, admite que podem ser feitos por outros profissionais de saúde, porque, como explicou a bastonária, não existe legislação que os impeça. O respeito entre profissionais de saúde está implícito: por regra, médicos e enfermeiros podem fazer aconselhamento sobre a alimentação, mas as consultas de nutrição são feitas por nutricionistas. As consultas podem mesmo ser feitas online, desde que sejam seguidas as recomendações da Ordem, nomeadamente que o diagnóstico nutricional seja feito presencialmente.
Sobre os conselhos ou promoções de dietas que algumas figuras públicas ou utilizadores das redes sociais dão, Alexandra Bento diz que “ninguém está proibido de aconselhar qualquer coisa” e, se não houver interesse comercial, não passa disso mesmo: só um conselho. A bastonária admite, contudo, que o que se passa online entra num terreno “mais pantanoso” e, por isso, mais difícil de avaliar e fiscalizar.