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SOPA Images/LightRocket via Gett

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Um ano depois, Israel cortou "a cabeça da serpente". A morte de Sinwar pode libertar os reféns e pôr fim à guerra em Gaza?

Líder do Hamas foi morto pelas IDF um ano depois do 7 de Outubro. Famílias dos reféns e EUA querem um acordo agora; mas a "cabeça da serpente" para o governo de Telavive afinal pode ser outra: o Irão.

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Tinham passado dois meses desde o ataque do Hamas a Israel, a 7 de outubro de 2023, quando o primeiro-ministro israelita fez um anúncio: “Disse na noite passada que as nossas forças conseguiam chegar a qualquer sítio da Faixa de Gaza. Neste momento, estão a cercar a casa de Sinwar. A casa dele não é a sua fortaleza e, embora ele possa fugir, é apenas uma questão de tempo até o apanharmos.”

Yahya Sinwar era à altura um dos principais alvos das Forças de Defesa de Israel (IDF na sigla original), pelo seu papel dentro da liderança do Hamas e ajuda na preparação do ataque de 7 de Outubro. À altura, muitos em Telavive repetiam constantemente a expressão de que, para derrotar o Hamas, era necessário “cortar a cabeça da serpente”. Sinwar representava isso. Mas, ao longo dos meses seguintes, o dirigente palestiniano conseguiu sempre iludir os soldados israelitas. Fugia pelos túneis do Hamas, desaparecendo sem deixar rasto debaixo de terra, enquanto à superfície Gaza continuava a ser bombardeada.

Em agosto, Israel voltou a estar perto. “Estivemos na sua base subterrânea. Encontrámos lá muito dinheiro. O café ainda estava quente, havia armas espalhadas”, resumiu o brigadeiro-general Dan Goldfus ao Canal 12. E, uma vez mais, Sinwar desapareceu.

O homem a quem não faltam alcunhas tenebrosas — desde “A Face do Mal” até “O Carniceiro de Khan Younis” — conseguiu sobreviver durante mais de um ano desde o 7 de Outubro. “Se me dissessem quando a guerra começou que, 11 meses depois, ele ainda estaria vivo, teria achado impressionante”, comentava com o The Guardian em setembro Michael Milshtein, antigo agente das secretas militares de Israel (a Aman).

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O cérebro do ataque de 7 de outubro e um dos prisioneiros trocado por Gilad Shalit. Quem é Yahya Sinwar, o novo líder do Hamas?

Até que, esta quinta-feira 17 de outubro, foi morto na sequência de uma troca de fogo entre militantes do Hamas e soldados israelitas num edifício em Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Depois de algumas horas de dúvida, enquanto se aguardavam a os resultados dos testes de ADN, impressões digitais e registos dentários, chegou a confirmação: “O homicida em massa Yahya Sinwar, responsável pelo massacre e atrocidades de 7 de outubro, foi hoje morto por soldados das IDF”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros de Telavive, Israel Katz.

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Sinwar acabou por ser morto numa operação num edifício em Rafah, no sul de Gaza

dpa/picture alliance via Getty I

A “cabeça da serpente” do Hamas foi assim cortada. Mas o que significa isso para um conflito que se arrasta há um ano? Um conflito onde ainda há dezenas de reféns israelitas sequestrados em Gaza, dezenas de milhares de palestinianos mortos e um rastilho que se alastra ao Líbano e, potencialmente, a todo o Médio Oriente. Pode a morte de um homem colocar um travão à guerra?

O “Carniceiro de Khan Younis” que perseguia os palestinianos que colaboravam com Israel

A demora de Israel em apanhar Sinwar explica-se, em parte, por uma razão: a de que o líder do Hamas tem estado quase sempre por perto dos reféns israelitas em Gaza, usando-os como uma forma de escudo. “Tiveram oportunidades [de o matar]? Sim. Mas quem ia dar a ordem? Não sei de nenhum líder israelita que aprovasse bombardear Sinwar quando este estava rodeado de reféns”, resumiu ao The Times Ehud Yaari, jornalista israelita que entrevistou Sinwar no passado e que garante que manteve contacto indireto com ele ao longo deste ano.

[Já saiu o terceiro episódio de “A Grande Provocadora”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de Vera Lagoa, a mulher que afrontou Salazar, desafiou os militares de Abril e ridicularizou os que se achavam donos do país. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube. E pode ouvir aqui o primeiro episódio e aqui o segundo.]

Uma das reféns entretanto libertadas num dos acordos de cessar-fogo temporários, Yocheved Lifshitz, confirmou isto mesmo quando contou, já em Israel, como esteve frente a frente com Sinwar num dos túneis de Gaza: “Ele esteve connosco três ou quatro dias depois de termos chegado”, disse a refém de 85 anos ao jornal israelita Davar. “Perguntei-lhe como é que não tinha vergonha de fazer isto a pessoas que há anos apoiam a paz. Ele não me respondeu, ficou em silêncio.”

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Sinwar com o antecessor Ismail Haniya numa visita à família do fundador do Hamas, Ahmed Yassin (na moldura), de quem Sinwar era próximo

NurPhoto via Getty Images

O líder do Hamas teve um percurso de vida que sublinha a sua dedicação ao grupo, bem como a sua argúcia e à vontade com a violência. Nasceu no campo de refugiados de Khan Younis, em 1962, e foi ali que cresceu, numa das cidades de Gaza onde a Irmandade Muçulmana (grupo xiita pan-islâmico de onde emergiria mais tarde o Hamas) tinha mais força e ao qual Sinwar se juntou rapidamente. Não tardou a que se tornasse próximo do Xeque Ahmed Yassin, que viria a fundar o Hamas em 1987. Essa proximidade, notou à BBC o investigador israelita Kobi Michael, deu a Sinwar um “efeito de auréola” dentro do movimento — se tinha a bênção do fundador, certamente estava destinado a voos mais altos.

Por volta dessa altura, no final da década de 80, Sinwar, com apenas 25 anos à altura, fundou com outros membros a Al-Majd, uma espécie de milícia popular que, por um lado, procurava encontrar espiões israelitas entre o movimento palestiniano e, por outro, atuava como uma espécie de “polícia da moralidade”. Na prática, o grupo perseguia tanto palestinianos que tivessem comportamentos sexuais vistos como “impróprios” — como a homossexualidade, a infidelidade ou a visualização de pornografia —, como aqueles que fossem suspeitos de colaborar com Israel.

Foi pela morte de vários palestinianos e pelo planeamento de um ataque a soldados israelitas que Yahya Sinwar foi condenado e preso por Israel, tendo admitido o homicídio de pelo menos 12 “traidores” palestinianos. Foi nessa altura que a alcunha de “Carniceiro de Khan Younis” se colou à sua pele, associada aos relatos de tortura com azeite a ferver, por exemplo. Como assinala David Remnick num extenso perfil de Sinwar na revista New Yorker, é impossível provar se estes crimes ocorreram de facto assim ou se fazem parte de uma “lenda” alimentada quer pelo Hamas, quer por Israel.

"Descreveu-me muito detalhadamente como matou pessoas. Ele usava uma catana para cortar as cabeças deles. Pôs um suspeito de colaborar [com Israel] numa cova e enterrou-o vivo.”
Michael Koubi, antigo agente das secretas israelitas que interrogou Sinwar na prisão

Mas, nota o jornalista, um relatório de 2009 da Amnistia Internacional comprovou que muitos palestinianos suspeitos de trabalhar como informadores de Israel em Gaza foram “raptados, torturados, executados e [os seus corpos] largados em áreas remotas ou encontrados na morgue de um dos hospitais de Gaza”. Em Israel, Sinwar acabou por ser condenado a quatro penas de prisão perpétuas.

Aqueles que se cruzaram com ele na prisão traçam um retrato de um homem brutal, mas inteligente. “Descreveu-me muito detalhadamente como matou pessoas”, contou à New Yorker Michael Koubi, antigo agente das secretas israelitas. “Ele usava uma catana para cortar as cabeças deles. Pôs um suspeito de colaborar [com Israel] numa cova e enterrou-o vivo.”

O jornalista Ehud Yaari, que o entrevistou várias vezes na prisão, afirmou à BBC que o considera um “um psicopata”. “Mas dizer que Sinwar ‘é um psicopata e ponto’ é um erro”, acrescentou. Há muito mais camadas naquele operativo do Hamas, disse: “É extremamente astuto, com manha, um tipo que sabe ligar e desligar uma espécie de charme pessoal.” No seu tempo na prisão em Israel, Sinwar aproveitou para absorver tudo sobre o inimigo: aprendeu a falar hebraico, leu livros sobre o sionismo, ouviu discursos dos líderes israelitas.

O caso Shilat e a “lição” da importância dos reféns para o líder do Hamas. “Só se fazem manchetes com sangue”

A maior lição chegou, precisamente, através da sua experiência pessoal. Em 2011, o Hamas e Israel chegaram a um acordo para trocar o soldado Gilad Shalit, que tinha sido feito refém cinco anos antes, por mil prisioneiros palestinianos. Sinwar foi incluído no grupo. “O Hamas percebeu que, historicamente, os israelitas estão dispostos a libertar muitos prisioneiros em troca de um único dos seus”, notava em agosto David Remnick numa entrevista. Quando o caso de Shilat aconteceu, acrescenta, “isso foi um enorme indicador para Sinwar”.

Um indicador tão relevante que ajuda a explicar parte do arrastar das negociações entre o Hamas e Israel ao longo dos últimos meses. “No final do dia, só há duas pessoas na negociação”, resumiu Gershon Baskin, ativista de paz israelita envolvido nas conversações da troca de Shalit pelos mil prisioneiros de 2011. “Um é Yahya Sinwar, do lado do Hamas, o outro é Benjamin Netanyahu, do lado de Israel.”

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Yahya Sinwar esteve mais de dez anos preso em Israel, onde aprendeu hebraico

Anadolu via Getty Images

O envolvimento do líder do grupo era tal que, segundo o New York Times, as negociações chegaram a estar suspensas enquanto a delegação do Hamas esperava por respostas do próprio Sinwar a partir dos túneis de Gaza. Sem recurso a telemóveis — para evitar ser apanhado através de comunicações — o contacto fazia-se por uma rede de mensageiros.

Se do lado de Israel se registava resistência por parte do governo de Netanyahu a algumas das exigências do Hamas, como os EUA fizeram saber várias vezes em público, do lado do Hamas Sinwar também mantinha firme a decisão de não ceder em vários pontos, por contar com a vantagem de ainda ter reféns do seu lado — e esperar assim fazer Telavive ceder à pressão da opinião pública. “Temos os israelitas exatamente onde os queremos”, chegou a dizer o líder palestiniano em comunicações internas a que o Wall Street Journal teve acesso, onde também notava que o elevado número de mortes de civis jogava a favor do grupo.

Quando as bombas pararem, que Gaza vai emergir dos escombros? Biden e Netanyahu divergem nos planos para “o dia seguinte”

Nada de novo no modus operandi de Sinwar. Em 2018, ao ser entrevistado pela jornalista italiana Francesca Borri, o dirigente do Hamas já dizia que o recurso ao disparo de rockets sobre Israel era necessário por ser eficaz: “Só se fazem manchetes com sangue. Não só aqui. Sem sangue, não há notícias”, decretou.

Sinwar era “o escalpe de que Israel mais precisa”. Mas isso pode não chegar para por fim à guerra em Gaza

Com o arrastar das conversações sobre Gaza, há muito que a administração de Joe Biden depositava esperanças na eliminação de Sinwar como um desbloqueador da negociação. “Responsáveis norte-americanos olhavam para Sinwar, de forma clara, como o escalpe de que Israel mais precisa para poder declarar que não quer mais a guerra em Gaza”, resumia a CNN esta tarde.

Mas agora que Telavive conseguiu o escalpe de Yahya Sinwar, não é assim tão líquido que a guerra termine rapidamente. “Ainda não sabemos o que isto significa”, dizia ao mesmo canal uma fonte de Washington. Pode haver um movimento “rápido” em direção a um cessar-fogo e a uma troca de reféns e prisioneiros, dizia, ou “pode ainda haver um longo caminho pela frente”.

Em julho, em entrevista ao Observador, o escritor Joshua Cohen, que vive em Israel, descrevia como para “o imaginário popular” dos israelitas, a ideia de “Sinwar num túnel, rodeado dos reféns que restam” é a imagem forte que colou à “psique” dos israelitas “e que, de certa forma, se tornou no objetivo”.

O Fórum das Famílias dos Reféns, principal grupo dos familiares dos sequestrados em Gaza, reagiu de imediato às notícias dizendo que este “sucesso militar” deve ser usado como vantagem para “conseguir um acordo imediato”. Em julho, em entrevista ao Observador, o escritor Joshua Cohen, que vive em Israel, descrevia como para “o imaginário popular” dos israelitas, a ideia de “Sinwar num túnel, rodeado dos reféns que restam” é a imagem forte que se colou à “psique” dos israelitas “e que, de certa forma, se tornou no objetivo”.

Joshua Cohen, autor de “A Família Netanyahu”: “Bibi quer a cabeça de Sinwar [líder militar do Hamas] numa bandeja”

O ministro dos Negócios Estrangeiros Katz, ao anunciar a confirmação da morte de Sinwar, falou nesse sentido, dizendo que a morte do líder do Hamas “cria uma possibilidade” para conseguir um acordo para os reféns. Mas nada é assim tão simples dentro do próprio governo de Benjamin Netanyahu. Pouco depois das declarações de Katz, os ministros do executivo que pertencem a partidos de extrema-direita falavam em sentido contrário: Bezalel Smotrich apelou a que as IDF “aumentem a pressão militar sobre a Faixa”, enquanto Itamar Ben Gvir pediu que o país continue “até à vitória absoluta”.

"[Sinwar] seria substituído e há estruturas montadas para isso. Isto não é como matar Bin Laden; há outros líderes políticos e militares de relevo dentro do Hamas.”
Hugh Lovatt, especialista em Médio Oriente do Conselho Europeu para as Relações Internacionais

Por um lado, os especialistas sempre alertaram que matar as lideranças do Hamas não se traduz no desaparecimento do grupo — o próprio Sinwar subiu a líder efetivo depois da eliminação do comandante militar Mohammed Deif e do líder político Ismail Haniyeh por Israel ao longo do último ano. “Seria um golpe”, especulava nas primeiras horas de dúvida o analista Hugh Lovatt, do think tank Conselho Europeu para as Relações Internacionais, à BBC. “Mas [Sinwar] seria substituído e há estruturas montadas para isso. Isto não é como matar Bin Laden; há outros líderes políticos e militares de relevo dentro do Hamas.”

A que se somam os objetivos do atual governo de Israel, que sempre justificou a invasão a Gaza como uma resposta ao 7 de Outubro, mas que, ao longo do tempo, tem maximizado os seus objetivos. Há uma semana, o ministro da Economia Nir Barkat, do Likud (partido de centro-direita de Netanyahu) dava uma entrevista à France24 onde voltou a falar na necessidade de se matar “a serpente”. Mas, desta vez, não considerava que a sua cabeça fosse Yahya Sinwar; dizia sim ser “o Irão”.

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Itamar Ben-Gvir, ministro de Segurança de Israel, quer que operação em Gaza continue "até à vitória absoluta"

Bloomberg via Getty Images

Esta terça-feira, 48 horas antes de um grupo de soldados israelitas matar “O Carniceiro de Khan Younis”, Itamar Ben-Gvir reforçava a mesma ideia, deixando um apelo ao seu primeiro-ministro: “Temos uma oportunidade para cortar a cabeça da serpente”, disse em declarações à rádio das IDF. Não se referia a Yahyan Sinwar — falava, uma vez mais, da República Islâmica do Irão.

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