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A fotografia pode ser enganadora: Soraya Sáenz de Santamaría e Pablo Casado estão sentados à mesa, num jantar do Partido Popular. Foi a 10 de julho, no primeiro encontro entre os dois depois da primeira volta das eleições para a liderança do partido, de onde saíram como os candidatos mais votados. Os sorrisos largos da imagem poderiam fazer adivinhar uma boa relação entre ambos e, até, possíveis entendimentos no futuro, mas a segunda volta da campanha interna revelou que a colaboração de ambos, numa eventual lista única à presidência do PP, é muito difícil, senão impossível.
Santamaría y Casado exhiben sintonía en una cena del PP antes del duelo final https://t.co/K8PX2UGz4V pic.twitter.com/2nnYjp4enn
— Republica.com (@Republica_com) July 11, 2018
Nos últimos dias, sucederam-se os ataques, alguns muito duros, quase como se de candidatos de partidos opostos se tratassem. Acusações, vídeos anónimos, pedidos de investigação e considerações pessoais — tem valido de tudo. Pelo caminho, os dois ainda voltaram a sentar-se à mesma mesa, sozinhos, para tentarem um entendimento, mas do encontro sobraram pouco mais do que relatos de uma reunião cordial, que terminou em coisa nenhuma.
O partido, a Catalunha e a ambiguidade nos temas sensíveis
Nas grandes questões essenciais ou ideológicas, não haverá grandes diferenças entre María Soraya Sáenz de Santamaría Antón e Pablo Casado Blanco. Nem seria de esperar que houvesse: ela é ex-vice-presidente do Governo do seu mentor, Mariano Rajoy, que caiu às mãos de uma moção de censura em junho e abandonou a liderança do PP; ele, vice-secretário geral de Comunicação do partido, nascido na Juventude Popular da comunidade de Madrid, que liderou entre 2005 e 2013. A lista de temas que elegem como prioritários para o país é, por isso, muito semelhante. A diferença estará, talvez, na forma como se posicionam, na abordagem a cada um deles. “São ambos café, mas ele é um café mais forte e intenso, ela mais suave”, compara Enric Juliana, diretor-adjunto do jornal espanhol La Vanguardia. A metáfora serve para o posicionamento político, mais à direita ou mais ao centro, construído por carreiras muito distintas.
Antiga chefe de gabinete de Mariano Rajoy, Soraya Sáenz de Santamaría chegou a vice-presidente do Governo. “Diz-se que era a mulher com mais poder em Espanha, desde Isabel II [rainha no século 19]“, explica Enric Juliana. Foi “advogada do Estado” (um grupo de juristas de elite, encarregado de representar o Estado nas questões judiciais) e o trabalho que fez na construção jurídica das propostas do PP deu-lhe uma visão muito pragmática da sociedade, às vezes mais à direita, outras menos. “É uma alta funcionária do Estado, rodeada de uma corte de tecnocratas, pragmática e que vai adaptando o discurso consoante as circunstâncias”, explica o jornalista.
Essa ambiguidade foi muitas vezes alvo das críticas dos que dizem que o “nim” é o terreno que sempre lhe foi mais confortável. Enquanto vice-presidente do Governo, evitou assumir opiniões sobre os temas mais sensíveis, refugiada no resguardo dessas funções, e agora, como candidata, continua a fazer o mesmo. Sobre aborto e eutanásia, por exemplo, preferiu falar na defesa da vida, sem grandes detalhes, alegando que, no caso da interrupção voluntária da gravidez, “é um debate em que se misturam muitas coisas e muitas opiniões”. Soraya Sáenz de Santamaría sabe que posições mais moderadas e ao centro a poderiam fazer perder os setores mais à direita do partido, ainda que fuja, em termos pessoais, à figura de uma mulher conservadora. “Não casou pela igreja e é uma mulher não clerical, que se move na rede tecnocrata do PP, mais centrista, com uma visão mais prática e atenta ao funcionamento real da sociedade. Por isso, adapta o discurso segundo as circunstâncias”, justifica Enric Juliana.
É nesse sentido que o sabor do café de Pablo Casado é “muito mais intenso”. Homem nascido na direita de Madrid, combativo e com uma visão mais dura, foi sempre muito influenciado por José María Aznar (antigo líder do partido e primeiro-ministro) e vê no pragmatismo democrático da adversária um erro para o PP e para o país. “Ele acha importante que o PP tenha um perfil ideológico mais definido, mais marcado, e que haja um combate ideológico mais forte entre direita e esquerda, em Espanha”, diz o jornalista ao Observador. Casado culpa, aliás, Soraya Sáenz de Santamaría pelos danos deixados no partido por Mariano Rajoy. Acredita que o PP está desfigurado, sem uma linha definida, e teme que o flanco mais à direita esteja desprotegido. Está preocupado com a influência crescente do Ciudadanos, que ganhou força na questão da crise da Catalunha e pode roubar eleitores do PP, e teme que uma queda do Partido Popular permita a entrada no Parlamento de um novo partido, ainda sem representação parlamentar — o VOX — que passaria, assim, a ter uma tribuna privilegiada para o discurso extremista e poderia levar à fragmentação do espaço mais à direita.
O conservadorismo do candidato tem sido, aliás, a única forma de levar Soraya Sáenz de Santamaría a assumir posições mais duras, como no caso da Catalunha. Em busca dos votos dos militantes mais à direita, ambos têm endurecido o discurso quanto à questão da região autónoma, mas o terreno é mais delicado para a candidata que, como vice de Mariano Rajoy, fez parte da tentativa de diálogo com o Governo catalão, numa abordagem considerada “demasiadamente suave” do problema. Agora, atacou o atual primeiro-ministro, por dialogar com o presidente da Generalitat, Quim Torra. “Na Catalunha, praticam o apartheid e Pedro Sánchez deve defender primeiro os catalães que se sentem espanhóis”, disse, numa ação de campanha.
Pablo Casado não perdoa: diz que a forma como Sáenz de Santamaría lidou com a crise catalã foi muito branda e “um fracasso” e vai mais longe, sugerindo que os partidos independentistas devem ser considerados ilegais, por admitirem “romper a constituição e a lei”.
Campanha dura, mas com poucas propostas concretas
Problemas como a Catalunha vieram para a campanha nos últimos dias, mas, do mais, ambos os candidatos foram evitando falar de propostas ou questões mais concretas, limitando o debate a temas genéricos, como o apoio a vítimas de terrorismo ou a unidade do país, ou mantendo posições pouco definidas, que já eram conhecidas.
No problema da imigração ilegal, por exemplo, ambos elogiam a forma como Espanha tem lidado com a chegada de migrantes à costa espanhola, mas ambos falam na necessidade de traçar um plano conjunto. Casado defende que é precisa “uma política de cooperação”, para evitar que essas pessoas continuem a entregar a própria vida “às máfias que as exploram” e, na mesma linha, Sáenz de Santamaría diz que a Europa tem de fazer uma gestão solidária e ordenada. “Não podemos resolver um problema com um barco”, atirou, depois de o atual primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, do PSOE, (que sucedeu a Rajoy), ter decidido acolher os passageiros do navio Aquarius, resgatados do Atlântico.
E quanto às relações com outros partidos, estando na oposição ou no poder, o que se sabe do que pensam resume-se ao que foram dizendo ainda antes de serem candidatos. Depois da moção de censura que fez cair Rajoy, Casado recorreu ao Twitter para acusar o novo primeiro-ministro de “opacidade, incoerência e duas medidas”, por não explicar os escândalos dentro do próprio Governo, logo naqueles primeiros dias. Entendimentos com o PSOE poderão, por isso, ser mais fáceis caso seja eleita Sáenz de Santamaría que, em janeiro, na mesma rede social, agradeceu ao socialista pelo “compromisso de lealdade”. “Temos falado muito com o PSOE e temos trabalhado juntos para encontrar pontos de acordo”, dizia.
A falta de um confronto direto entre os dois, num debate televisivo, por exemplo, pode ajudar a explicar a superficialidade na abordagem dos temas, mas até isso foi calculado. Esse debate chegou a ser equacionado, mas, quando os candidatos começaram a dedicar ataques mais duros um ao outro, o PP não quis arriscar que um duelo feio pudesse afetar a imagem do partido e expor ainda mais as divisões internas que o fragilizam. A decisão não travou, ainda assim, a troca de galhardetes e alguns ataques mais ou menos inesperados. Acabaram ambos a discutir idade e género. Sim, leu bem: idade e género — ela critica-o por se gabar de ser um jovem; ele critica-a por sublinhar que é mulher.
“Vende que é jovem e isso passa com o tempo. Eu sou mulher e isso já não passa com o tempo”, disse Soraya Sáenz de Santamaria, esta quarta-feira, lembrando que, na primeira volta das eleições internas, 63% dos militantes escolheu ter uma líder mulher, somando os votos nela própria aos de uma outra opositora, María Dolores de Cospedal. Na resposta, Pablo Casado desvalorizou a questão de género: “O PP sempre teve muito orgulho de que a mulher, sem qualquer tipo de quotas, alcance as funções mais elevadas de responsabilidade, mas por méritos próprios, não por ser mulher”. E acrescentou que os 37 anos que tem (menos 10 que a adversária) são uma “idade estupenda” para liderar um partido com “entusiasmo, experiência e também ambição”, sublinhando que figuras como Felipe González (PSOE) e José María Azanar (PP) já lideravam os seus partidos com essa idade.
O vídeo anónimo, um “ataque intolerável”
A tensão subiria de tom entre os dois candidatos na semana passada, por causa de um vídeo anónimo que começou a circular nas redes sociais. É um típico vídeo de campanha suja, com ataques ferozes à candidatura de Sáenz de Santamaría, questionando a capacidade da candidata de renovar o partido, tendo em conta que é apoiada por figuras que estão na política há décadas, algumas com muitas derrotas e carreiras povoadas de polémicas, remetendo para a tal elite de que a candidata fará parte e que Casado pretende afastar.
Santamaría foi dura na resposta. Através de um porta-voz, falou num “ataque intolerável” com “as piores intenções”. Pediu uma investigação, feita pelo partido, e apontou o dedo ao adversário: “Aos meios de comunicação social chegou a informação de que era possível confirmar que o vídeo veio da esfera da candidatura de Pablo Casado“, lê-se numa carta enviada à Comissão Organizadora das eleições internas, citada depois pela imprensa espanhola. Casado respondeu de imediato: “A candidatura nega frontal e energicamente qualquer ação que suponha um ataque a qualquer companheiro do PP”.
Na mesma nota, o candidato fala em “união”, mas é mais um episódio que faz com que todos concordem que serão poucas as hipóteses de unidade, num partido tão dividido. Várias vozes do partido têm insistido na opção por uma lista conjunta para ir a votos, resultante de um entendimento entre os candidatos. O porta-voz do PP no Senado pediu mesmo “esforço de generosidade” a ambos, dizendo que a chave da unidade está nessa lista única.
A possibilidade é mais bem vista do lado da candidata. Soraya Sáenz de Santamaría chegou a insinuar que poderia oferecer o lugar de secretário geral do PP a Pablo Casado, caso chegassem a um entendimento, mas o candidato recusou a ideia. Respondeu que não concorre à presidência para conseguir um cargo, nem para “fazer o mesmo com os mesmos”.
Casado quer ir a votos, sozinho, e pediu também que a votação deste sábado seja feita com cabines de voto e envelopes para os boletins, de forma a garantir que o voto é, de facto, livre e secreto, suspeitando de eventuais tentativas de pressão sobre os congressistas no momento de escolher entre os candidatos. Também aqui, Sáenz de Santamaría quis distanciar-se do opositor: “Eu sou de confiança”, disse numa ação de campanha em Madrid, acrescentando que confia na liberdade do partido e na liberdade de escolha dos eleitores.
Sáenz de Santamaría venceu a primeira volta, mas pode perder a eleição
A 5 de julho, na primeira volta das eleições internas no PP, Soraya Sáenz de Santamaría assegurou o primeiro lugar, mas não por uma grande diferença de votos para o segundo, Pablo Casado. Foram 21.513 votos dos militantes, mais 1.546 do que os que recebeu o vice-secretário da Comunicação. Escolhidos os dois nomes que seguiam para a segunda volta, os militantes votaram, então, nos congressistas a quem caberá o voto no Congresso eletivo deste fim-de-semana. E logo aí, começou outro debate. Deverão os congressistas votar na segunda volta da mesma forma como a maioria dos militantes que os escolheram votou na primeira, assegurando assim a vitória de Soraya Sáenz de Santamaría? A resposta é não. O El Diario cita, aliás, um dirigente do Partido Popular de Madrid que explica isso mesmo: “Na minha sede eleitoral, ganhou Pablo Casado, com quase o triplo dos votos de Soraya Sáenz de Santamaría e, mesmo assim, na segunda volta [este sábado, dia 21 de julho], os três comissários eleitos vão votar na ex-vice-presidente do Governo“. O exemplo não é um bom augúrio para Casado, mas o candidato mantém que é assim que deve ser — uma segunda volta é uma segunda volta, não tem de ser igual à primeira: “Não chegámos aqui para que nada mude”, disse.
Assim sendo, quem está mais bem colocado para vencer? A pergunta é de resposta difícil porque as duas candidaturas apontam números muito diferentes — e, já se sabe, as sondagens servem sempre a toda a gente, depende só do ponto de vista. Esta, por exemplo, feita pelo El Mundo esta semana entre espanhóis que tipicamente votam no PP, mostra que Soraya Sáenz de Santamaría reúne a preferência de 60% e é vista como a melhor líder entre os dois, mas isso pode significar pouco, numa eleição interna. Sobretudo tendo em conta que Casado pode ser o principal beneficiário dos votos recebidos pelos 4 candidatos derrotados, na primeira volta. Um deles, particularmente decisivo: María Dolores de Cospedal, rival de longa data de Sáenz de Santamaría, terceira classificada na primeira ronda das eleições, com cerca de 15 mil votos. Depois de dias de indefinição, com Casado a dizer que teria o apoio de Cospedal e Santamaría a não dar isso como certo, a secretária-geral do PP não deixou dúvidas: Pablo Casado “pode ser uma magnífica opção”.