2013 e 2014: Paula e Vítor entraram em Engenharia Civil na Universidade de Coimbra. Foram dois de uma lista de 12 selecionados na primeira fase (sete no ano passado, cinco este ano). 2009: Luís Coimbra foi um dos 125 que encheram as vagas deste curso. Passaram-se apenas cinco anos. Um exemplo do declínio das formações em Engenharia Civil, em que a crise financeira não explica tudo. Um processo irreversível ou cíclico? Preocupante ou natural?
Primeira semana de aulas. Vestida com capa e batina, Paula Faria acompanha os novos alunos. Não é bem uma atividade de praxe, mas uma visita guiada pela alta universitária. Sem surpresas, o número de caloiros é reduzido. “No final do ano letivo passado fui a várias escolas secundárias e não encontrei uma única pessoa que quisesse ir para civil”, desabafa Paula. Quando descobriu gente com gosto pela área, os argumentos foram quase sempre os mesmos: “É um curso muito difícil e não tem saída”.
“Não era preciso ser vidente para perceber que, este ano, o número ia ser muito baixo novamente”. A ideia é a mesma, mas estas palavras têm outro peso e outra responsabilidade. São do diretor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Coimbra (DEC), Luís Simões da Silva. Não revelam conformismo, mas um grande sentido crítico. Em várias direções.
Com a crise financeira, a construção e o mercado imobiliário foram abalados. Consequentemente, diminuíram as saídas profissionais para engenheiros civis. Mas Simões da Silva considera que não é a única razão que justifica a descida abrupta do número de candidatos. Um dos motivos diz respeito ao desinteresse pela Física no Ensino Secundário, uma disciplina necessária para a entrada em Engenharia Civil. Os outros têm alvos concretos.
Em termos políticos, o diretor do DEC não poupa os dois últimos governos. “Esta queda está também associada à imagem de certos políticos que, com formação na área, tiveram percursos muito negativos para o país”. A referência ao antigo primeiro-ministro José Sócrates é clara e assumida. Mas as críticas estendem-se também à atual maioria, “que só se preocupa com o imediato, não percebendo que a diminuição do número de alunos nas áreas tecnológicas é um problema que vai demorar muito tempo a resolver”.
Finalmente, e em maior escala, o discurso dirige-se para outra direção. “Olhamos para a atuação da Ordem dos Engenheiros para inverter estes números e vemos que ela é muito negativa. Para não dizer nula”, aponta com determinação, sugerindo, por exemplo, a produção de anúncios publicitários na comunicação social. Para o bastonário do sector, Carlos Matias Ramos, estas acusações são muito injustas. “A Ordem não é responsável pela agenda mediática”, afirma, ao mesmo tempo que elogia o trabalho que tem sido feito pela estrutura na promoção das engenharias nas escolas secundárias. E devolve as críticas na forma de uma pergunta: “O que estão a fazer as universidades e politécnicos para se adaptarem a esta situação, que já se arrasta desde 2011 ou 2012?”
Com a ausência de saídas profissionais, muitos são os engenheiros que emigram, com destinos tão vastos como o Brasil, Angola ou a Noruega. Uma situação que não preocupa Simões da Silva: “É um processo natural, pois o mercado e os projectos são globais. O que realmente nos importa é formar bons profissionais”. Seja como for, o director do DEC considera que tudo vai ser diferente daqui a uns tempos. “Com a falta de engenheiros que vai haver, quem entra agora vai ter emprego fácil e bem pago daqui a uns anos”, prevê.
Entre os possíveis felizardos, estão Raquel Batista e Vítor Graveto. São dois dos cinco candidatos que, na primeira fase, entraram no Mestrado Integrado em Engenharia Civil. Ela pondera trabalhar na empresa do pai. Ele ainda não sabe se quer ficar cá ou emigrar. Mas olham para o futuro como um plano distante. São cinco, mas não são os únicos novos alunos. Aliás, dado curioso: a nacionalidade portuguesa não é predominante…
Ana, José e Tito são três dos 12 brasileiros que, ao abrigo do estatuto de estudante internacional, acabam de entrar em Engenharia Civil em Coimbra. Pagam de propinas muito mais do que os portugueses e do que pagariam no Brasil, onde as principais universidades são gratuitas. Mas há dois motivos claros para a escolha. “É a oportunidade de estudar fora, numa universidade reconhecida no mundo”, aponta Ana Serva. “É difícil chegar às universidades brasileiras, onde entra um por cada 50 candidatos (ou mais)”, complementa José Soares.
O contraste entre a escolha dos portugueses e dos brasileiros é claro. “Lá fora querem muito vir para cá, mas os de cá não querem vir”, resume o aluno veterano Luís Oliveira. Ao mesmo tempo que encontra uma explicação óbvia: “Os brasileiros na Universidade de Coimbra têm muita fama lá e o mercado de construção no Brasil está em altas”.
Seja em atividades estudantis coletivas ou nas tarefas académicas, muita coisa mudou em poucos anos. Luís Oliveira recorda os tempos de caloiro, com o departamento cheio, várias turmas práticas por disciplina e uma praxe repleta de gente. Hoje, é apenas uma turma e, entre “doutores” e novos alunos, não são mais do que umas três dezenas na visita à alta. Tudo mudará em breve?
Há exemplos na área da construção com situações completamente distintas. Vagas ocupadas, médias elevadas e… desemprego altíssimo. É o que acontece nos cursos de arquitetura. “É um erro de perceção da sociedade, que prefere apostar nas formações mais cool, com mais sex appeal”, afirma o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Matias Ramos. Enquanto, por sua vez, “a Engenharia Civil é muito conotada com a falta de emprego na construção civil, quando é muito mais abrangente”.
A médio prazo, há uma convergência na ideia de que tudo vai ser diferente. “Não tenho dúvida nenhuma. Havendo maior oferta que procura, a atratividade pelas engenharias vai aumentar”, destaca o bastonário. Opinião idêntica tem o director do DEC, Luís Simões da Silva, que lamenta que isso só aconteça depois da falta de engenheiros “gerar perda de competitividade e de qualidade dos profissionais e deslocalização das empresas para outros países”. Finalmente, as perspetivas de mudança são também apresentadas pelo aluno Luís Oliveira, “até pela necessidade de manutenção das infraestruturas envelhecidas”. A confirmarem-se estas preces, a extinção dos cursos de engenharia civil não passará de uma miragem.