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Quando lhe diziam que era louco, respondia que se ao Marquês de Pombal tivesse faltado ambição, em vez da Avenida da Liberdade, teríamos hoje outra Rua da Betesga. Fernando Martins, natural de Alenquer, nasceu um “homem pobre”, em “berço de palha”, mas com espírito empreendedor, visão aguçada para o negócio e uma boa dose de audácia. Pai de Raul e Maria Júlia, foi um self made man, responsável por construir a “escada que mais tarde viria a subir”, pode ler-se no livro comemorativo dos 100 anos, “Retratos de uma Vida”, lançado quatro anos após a sua morte (julho 2013). Aos 20 anos e apenas com a quarta classe, começou por comprar uma padaria na Labrugeira, acabando, décadas corridas, por fundar, na altura com capital próprio reduzido, aquela que acabaria por ser uma das marcas mais icónicas da hotelaria em Lisboa.
A primeira unidade abriu portas em 1973 e acaba de celebrar 50 anos. Começou por chamar-se Hotel Altis, mas hoje é Altis Grand Hotel. Foi o quarto cinco estrelas do país e o primeiro hotel projetado para receber eventos e congressos com centenas de pessoas. A sua história não se dissocia da política portuguesa: as suas salas ouviram os detalhes do golpe que faria cair o Estado Novo, os seus quartos receberam os que abandonavam as já ex-colónias, os seus salões seriam o palco de noites eleitorais, aquelas que declaram a vitória ou a derrota dos candidatos a secretário-geral, primeiro-ministro ou Presidente da República. Hoje é conhecido como o quartel general do Partido Socialista [PS] e é também estadia frequente do Futebol Clube do Porto, sempre que o plantel vem a Lisboa. Isto apesar de Fernando Martins ter presidido ao Sport Lisboa e Benfica, entre 1981 e 1987.
Mas esta história poderia ter sido diferente. Não tivesse sido a vontade de o governo da altura em atrair o turismo, o número 11 da Rua Castilho teria sido feito de escritórios. “Estava tudo projetado para construir os escritórios. Já com a demolição a andar, alguém disse ao meu pai que o governo estava a financiar a construção de hotéis, porque queria abrir o país ao turismo”, conta ao Observador Raul Martins, filho de Fernando Martins, o atual presidente do Conselho de Administração do Grupo Altis.
“Havia qualquer coisa como 90% do investimento financiado pelo Fundo do Turismo, com uma taxa de juro fixa de 7%”, acrescenta o antigo presidente da Associação de Turismo de Portugal, cargo que ocupou durante seis anos.
Nesta altura, Raul Martins estava a terminar o curso de Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico, profissão que o pai o incentivou a seguir. À data da construção do Altis, cumpria o serviço militar na Direção de Serviços de Fortificações e Obras Militares, na zona de Santa Clara. Nada que o impedisse de, em simultâneo, ir acompanhando de perto as obras, intervindo, sobretudo e mais tarde, nos interiores junto de Daciano da Costa. A presença da figura incontornável do design português do século XX — responsável pela Aula Magna, Biblioteca Nacional de Lisboa, edifício-sede e museu da Fundação Calouste Gulbenkian ou ainda o Centro Cultural de Belém — mantém-se até hoje bem presente nos interiores do hotel.
De luz dourada, tecidos aveludados, cores quentes, zonas amplas e um toque a que muitos apelidaram de “vintage”, esta herança será, possivelmente, um dos fatores, a par dos valores que resultam numa gestão familiar, que mais contribuem para o sucesso da unidade. Mesmo com cinco décadas, e sem alterações dramáticas na sua estrutura, passa agora por uma segunda fase de remodelação (a primeira, a partir de 2011, incidiu sobretudo nos quartos), intervenção de cariz pragmático, que em nada pretende roubar uma identidade bem enraizada.
E ainda que a fundação do primeiro hotel do grupo seja da exclusiva responsabilidade de Fernando Martins, é ao filho Raul que cabem os louros do nome. “É uma história que tem a sua graça”, começa por lembrar. “Pediu-se à agência de publicidade nomes de hotéis e esta deu várias sugestões. O meu pai entregou-me a lista e disse-me para escolher um.” Raul Martins não viu potencial em nenhuma das opções, demonstrando ao pai o seu desagrado — considerava-as bastante vulgares. Só que Fernando Martins não gostava de problemas sem soluções: “Então resolve tu”, ter-lhe-á dito. E assim foi.
“Peguei na enciclopédia luso-francesa e comecei a percorrer as letras. Comecei pelo A e encontrei Altis.” Tinha vantagens: começava por “A”, portanto seria dos primeiros a aparecer nas listas; era fácil de pronunciar e lia-se da mesma forma em vários idiomas. Mas o que significava, afinal? É referente a “um local, um bosque, junto a Atenas, onde se fazia adoração a Zeus”, explica. “E pensei: ‘É mesmo isto. A gente precisa de uma ajuda divina para fazer este hotel. E é Zeus quem nos vai ajudar’”.
Um incêndio, uma revolução e o retorno dos que nunca tinham cá estado
Há sempre um ou vários fatores que atrasam uma obra. No caso do então Hotel Altis, a mais grave não foi a chegada tardia dos materiais, as imprevisibilidades ligadas à engenharia dos edifícios ou a falta de recursos humanos. Numa manhã de 73, Raul Martins decidiu dar um salto à rua Castilho, para espreitar as obras da futura unidade hoteleira, planeando seguir depois para Santa Clara onde cumpria o tal serviço militar.
“Quando estou a chegar, vejo as pessoas, os trabalhadores, a saírem pelas janelas. O que é que se passava”, lembra. Havia um incêndio no edifício do futuro Altis. O que é que aconteceu? “Os hotéis têm coretes, aberturas verticais por onde passa a canalização, distribuída, então, pelos vários pisos. Numa das caves, tinha-se produzido um incêndio, que tinha apanhado uma dessas coretes e que se propagou.”
Já com o alerta dado aos bombeiros, o engenheiro tomou as rédeas da situação: ordenou a abertura das torneiras dos pisos técnicos e, juntamente com “dois ou três homens”, agarrou em extintores, seguindo para os pisos superiores do hotel para apagar o fogo. Como resultado, “quando os bombeiros chegaram, o incêndio já estava extinto”, conta. “Este foi um dos fatores que fez atrasar a obra.”
A abertura estava prevista para o verão de 1973, mas só em novembro daquele ano é que passava a funcionar em Lisboa o seu mais recente cinco estrelas. A obra não estava completa — apenas cinco pisos é que estavam em funcionamento — mas já havia reservas e os outros hotéis não conseguiam dar resposta.
Fernando Martins gostava muito do feriado do Santo António, portanto a data da inauguração estava marcada para 13 de junho. Nesta altura, o Grill D. Fernando, restaurante no 12.º andar do hotel, com uma belíssima vista panorâmica sobre Lisboa, já estaria em funcionamento (abriu em março daquele ano). O grande evento contaria com a presença do então Presidente da República, o Almirante Américo Tomás. “Claro que depois não aconteceu”, lembra Raul Martins. A festa acabaria por ser muito discreta, sem convidados políticos.
Viviam-se, afinal, tempos conturbados em Portugal, entre a contestação ao Estado Novo e a instabilidade criada pela Guerra Colonial; em Angola e Moçambique estavam prestes a rebentar as guerras civis que resultariam na chegada apressada, raramente desejada, de dezenas de milhares de pessoas; alguns regressavam, muitos nunca tinham pisado Portugal — e, ignorando-se o rigor, ficaram para a História como os “retornados”, como se pertencessem a um sítio onde nunca tinham estado.
Todos estes momentos entraram no Altis Grande Hotel. As histórias ligadas à política nacional começam mesmo antes de Abril virar o país ao contrário. A primeira que recordamos é das vésperas da Revolução do 25 de Abril: como o Observador contou noutro artigo, os quartos e as salas do recém-inaugurado hotel foram locais escolhidos para as reuniões secretas entre Spínola e Costa Gomes.
Depois, vieram outros. “Com a Revolução dos Cravos, os turistas deixaram de vir. Começámos a ter aqui muitas reuniões de todos os partidos políticos.” Porquê? “Porque os partidos entendiam que todos os outros hotéis já estavam ligados ao Estado Novo. O Tivoli estava com certeza, o Ritz ainda mais e o Sheraton era americano, portanto fora da rota”, lembra. Além disso, acrescenta, “o hotel foi concebido já com salas de reuniões, que os outros hotéis não tinham — ou tinham poucas”.
O tornedó, o crepe Suzette e o chefe de sala Artur: o Grill D. Fernando faz 45 anos
Apesar dos registos que indicam que a debandada arrancou logo em 1974, foi no ano seguinte que nasceu a ponte aérea que traria dezenas de milhares vindos de África, muitos deles fugidos das guerras civis que em Angola e Moçambique rebentavam. Os que podiam, juntavam-se a amigos e familiares; outros, absolutamente desenraizados, nem tinham onde ficar.
Os hotéis, então com tesourarias debilitadas, muito prejudicadas pela perda turística provocada pela conjuntura do país, viram a luz ao fundo do túnel com a situação dos que fugiam de África. Isto porque o Governo criou o Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais (I.A.R.N), organismo público que pretendia apoiar as pessoas que vinham das antigas colónias. No caso daqueles que não tinham onde ficar, o apoio incluía estadia com pensão completa em hotéis — aqueles que estavam em casas de amigos ou familiares, vinham aqui fazer as suas refeições.
O Altis viu, desta forma, a sua lotação esgotada, servindo ainda o dobro dos almoços e jantares face a uma época normal. E quem pagava, à semana, era o Estado. Com os lucros do I.A.R.N, a unidade conseguiu, a curto e médio prazo, cumprir as suas obrigações financeiras, “ajudando a consolidar uma estabilidade financeira” que veio a permitir a sua expansão, explica a revista Altis Hotel Magazine. “Os ‘retornados’, que foram um mal necessário, também nos ajudaram muito, em termos económicos”, diz Raul Martins.
Mas ao fim de um ano, o fluxo turístico regressava ao país e os hóspedes vindos de África não queriam partir, recorda Raul Martins. Um dia, espalhados no hall do hotel, foram surpreendidos pela polícia de intervenção, que entrou a partir de uma entrada de serviço. “Tivemos de pedir à polícia para os retirar daqui porque já estavam a ser prejudiciais”, recorda o administrador. Começaram a fugir. “Alguns até se atiraram aqui para baixo”, detalha, referindo-se à mezzanine acima, logo na entrada.
O debate de Soares e Cunhal, o fim da vida política de Sá Carneiro e o talismã da sorte do PS
A reação ficou para a história. “Olhe que não, olhe que não”, respondia Álvaro Cunhal a Mário Soares, naquele que foi o célebre debate eleitoral, transmitido pela RTP1, a 6 de novembro de 75. Expondo duas visões do mundo opostas, os líderes políticos e grandes rivais do PS e do PCP sentavam-se para esse momento numa das salas do então Hotel Altis.
Ainda que conhecido como Quartel-General do PS — tradição que começou, precisamente, com Mário Soares — a verdade é que, da esquerda à direita, a unidade recebeu protagonistas de todos os espectros políticos. O Altis não fecha as portas e não toma partidos: “Estamos aqui para receber os clientes e, como costumo dizer, é desde que pague”, nota Raul Martins.
Depois de em novembro de 1977 romper com o Partido Social Democrata (PSD), é a partir do Altis que Francisco Sá Carneiro começa a conceber a Aliança Democrática (AD). O novo partido da Direita, o primeiro a nascer num Portugal em democracia, saiu vitorioso nas eleições legislativas de 79 e 80. A vitória, foi, claro, recebida e celebrada no Altis.
O hotel ficaria, mais uma vez, para a história: foi no número 11 da Castilho que o líder da AD viveu o seu último momento na vida política do país. Em rutura com o Presidente Ramalho Eanes, declarou que se Soares Carneiro não vencesse as eleições presidenciais, se demitira da liderança do partido. A 4 de dezembro de 1980, dá uma conferência conjunta com o candidato e com Freitas do Amaral, a partir do Altis. Dali seguiu para o aeroporto, acabando por morrer horas depois no trágico e conhecido acidente de Camarate.
“Saiu da sala Luanda, que na altura era a sala Alvorada, que era a dos pequenos-almoços. Foi de lá que fez a conferência de imprensa final”, recorda Raul Martins. “Foi um desgosto enorme receber a notícia. Para Portugal foi uma perda enorme”.
“Estou em estado de choque”. É mais uma das célebres frases proferidas no Altis. Estamos em 1991 e António Guterres mostrava-se incrédulo perante o fracasso do PS, então liderado por Jorge Sampaio, que deu a vitória ao PSD de Cavaco Silva. Um “estado de choque” que deu frutos prolongados: o atual secretário-geral da ONU ganhou a liderança socialista; e quatro anos anos depois, do Largo do Rato mudou-se para São Bento.
Ao longo de décadas, foram muitas as histórias que tiveram como pano de fundo as salas do Altis. Depois de Guterres, a sorte do PS, gravemente prejudicada pelo desastre de Entre-os-Rios, ficou em suspenso. Apenas dez anos depois, as celebrações regressariam, com a vitória de José Sócrates, em 2005, que venceu as eleições com 80% dos votos. Quando em 2011, ano em que anunciou ao país o resgate financeiro, saiu derrotado das eleições, a confusão no hotel era de tal ordem, que uma porta envidraçada se partiu, por não aguentar a pressão que jornalistas nela exerceram.
Em 2014, António Costa, saído da Câmara Municipal de Lisboa, venceu as eleições internas do Partido Socialista. Em 2015, tornou-se primeiro-ministro dos XXI e XXII Governos Constitucionais. A 30 de janeiro de 2022 ganhou novamente, formando desta vez um governo de maioria absoluta. Todos os momentos celebrados, claro, no sítio de sempre.
Os presidentes amigos de dois clubes rivais
É rigorosa a dieta dos atletas do Futebol Clube do Porto (FCP). Os hidratos, as proteínas e as gorduras têm de ser bem calculados, sobretudo nas vésperas de grandes jogos. E, para que tudo corra conforme o planeado nas frequentes estadias no Altis Grand Hotel, o briefing bem detalhado deve chegar a tempo e horas. E se for antes disso, melhor ainda.
“Temos de ter o plano alimentar do FCP com algum tempo de antecedência para prepararmos. Há pedidos muito específicos — há produtos que eles querem, que o hotel não tem e que temos de comprar, por exemplo”, conta Susana Maurício, responsável pelo departamento de grupos e eventos do Altis Grand Hotel. Dá como exemplo iogurtes proteicos ou a marca de água do patrocinador oficial do clube.
A trabalhar na unidade de cinco estrelas há 13 anos, é pelo seu departamento que passam todos os eventos que têm lugar no hotel. Pelas suas mãos, passam todos os orçamentos, todas as aprovações, todas as marcações de visitas de inspeções por parte dos clientes. É por si que passam todas as exigências, cumpridas ao pormenor à data da sua chegada.
De regresso ao FCP, Susana detalha que “quando vêm, são cerca de 30 jogadores”, num total de 45 pessoas. Como cliente habitual, já lhes conhece as preferências: o presidente e o treinador, por exemplo, querem sempre ficar nos mesmos quartos.
Rui Ribeiro está há 23 anos no Altis Grand Hotel. Com 19 anos, tinha chegado há pouco tempo a Lisboa, vindo de uma aldeia na Beira Baixa, quando foi entrevistado por Fernando Martins: “Fiz a tropa em Lisboa, fiquei por cá e conheci o senhor Fernando Martins quando me fez a entrevista. Não tenho vergonha de o dizer: comecei a limpar os caixotes do lixo no hotel.”
Enérgico, foi a vontade de aprender mais que rapidamente o levou a outras posições, sempre aprovadas pelo fundador, descrito como um homem “muito rigoroso”. Da limpeza dos caixotes do lixo, seguiu para o reabastecimento dos mini-bares, passou pelo restaurante Grill D. Fernando e mantém-se hoje entre o room service e os pequenos-almoços na Sala Rio de Janeiro. Também é possível vê-lo aos almoços, no Rendez Vous Bistro.
É nestas refeições que contacta com o plantel do FCP. “São muito exigentes. Têm de estar tudo pronto. Tem de ser meia hora a almoçar, meia hora para jantar e vão à vida deles. É muito rápido, temos de ser muito eficazes”, conta. “O mister [o treinador Sérgio Conceição] é mais rigoroso. Está sempre em cima, não se pode pisar o risco”, detalha. Ninguém entra na sala antes dele: “E só se levantam quando o mister sai. Se ele não se levanta, é o capitão que pede autorização para poderem sair”
Mas como é que o plantel da equipa do norte se instala naquela que é a unidade hoteleira fundada por um antigo presidente do Benfica? A resposta é simples: “O Pinto da Costa era amigo do meu pai, do tempo de estarem no futebol. Começou a vir para cá, mesmo depois de o meu pai ter deixado ser presidente”.
Esta é outra etapa importante na vida de Fernando Martins. Durante sete anos, esteve à frente da presidência dos encarnados, não coincidisse a sua data de nascimento com a de Eusébio da Silva Ferreira.
Grill D. Fernando e os crepes Suzette do chef Caldas
“No dia 18 de fevereiro de 1978 às 6h30 da manhã, iniciei a minha caminhada laboral. Cheguei a Lisboa um dia antes e era para ir trabalhar numa oficina”. Foi sem querer que Artur Caldas se tornou num verdadeiro mestre na arte do bem servir. Chegou a Lisboa para ser mecânico, mas no dia em que se apresentou ao serviço, deu com os portões fechados. Só no dia seguinte é que soube: o antigo dono daquela garagem tinha cometido suicídio. “Tive de crescer depressa”, reflete a figura que esteve durante décadas na direção da revista Escanção.
Entra na restauração e vem a tornar-se no carismático chef Caldas, raríssimo maître, daqueles em vias de extinção. É ele que nos dá as boas-vindas assim que entramos no Grill D. Fernando, restaurante do Altis Grand Hotel (o nome pretende ser uma discreta homenagem ao fundador) também com cinco décadas de existência. Um espaço que sentou celebridades e estrelas da vida política, que acolhe reuniões à mesa, que recebe aqueles que procuram uma requintada experiência focada na gastronomia portuguesa. De janelas panorâmicas e cadeirões confortáveis, é um perfeito exemplar da estética que transpira Daciano da Costa.
Voltando ao nosso chefe de sala. “Estou cá há 21 anos, já aprendi algumas coisas”, brinca. Nada que ainda não tivéssemos percebido. Depois da deliciosa sopa de peixe embrulhada em crosta folhada do chef de cozinha Alexandre Gomes, Artur Caldas chega com outra raridade: uma cozinha de sala, onde prepara as “gambas Altis”, versão semelhante às conhecidas “gambas ao alhinho”, flamejadas em conhaque e acompanhadas por arroz árabe. Um prato “muito saboroso, mas com alguma complexidade dos condimentos”, explica o maître.
Apreciador da etiqueta e das boas maneiras, Artur Caldas lamenta que alguns hábitos se tenham perdido. “O cliente hoje é mais exigente, mas não tem tanto conhecimento da etiqueta. Vou dar um exemplo: talvez pelas mudanças de mentalidade, quando entra um casal, já não há aquela delicadeza em dar primeiro a cadeira à senhora, sempre do lado direito”, diz. Ramalho Eanes, lembra, é um verdadeiro conhecedor das boas maneiras.
A refeição continua com uma posta de vitela e migas à transmontana. Especulamos ansiosamente acerca do momento seguinte. Serão os crepes Suzette? Acertamos. “É considerada sobremesa do amor”, conta, já a dominar o fogão que se move pela sala. “Isto é também um prato com história”.
Na frigideira, já começou a colocar o açúcar, a manteiga e o sumo de laranja. “A receita original é com sumo de tangerina, mas é muito difícil encontrá-la em certas alturas do ano”, conta. “Primeira coisa a fazer é o caramelo, sem deixar queimar”. Missão cumprida, não acumulasse já 35 anos de experiência em matéria Suzette. De seguida, chega-nos no prato, envolvendo os crepes, dobrados em triângulo.
A oferta gastronómica do hotel complementa-se com o Bistro Rendez-Vous e com o bar S. Jorge. E já que é de comida que se fala, é importante referir os famosos pasteis de nata Altis, produzidos pelo hotel e que configuram frequentemente os populares rankings dos “melhores”. Provámos e recomendamos.
A expansão, as remodelações e bem-vindos ao Porto
Fernando Martins tem um bom par de histórias no Benfica. As tais visão e ambição levou-as mais consolidadas para o clube. Foi ele o responsável por uma série de medidas que ecoam até aos dias de hoje. Foi dele, por exemplo, que partiu a ideia de vender o espaço publicitário mantido até hoje nas camisolas dos jogadores. Ficou também para sempre conhecido como o homem que fechou o terceiro anel (deu lugar a mais 120 mil espectadores), transformando a Luz no maior estádio da Europa e no terceiro maior do mundo.
Fundador de um hotel e presidente de um clube, tinha dois trabalhos a tempo inteiro. “Ser presidente do Benfica era um full time job, o que teve impacto no crescimento do Altis”, recorda Raul Martins. Presidente de coração, depois de três mandatos — em que o Benfica se sagrou bicampeão português de futebol, venceu três taças de Portugal e uma supertaça — ficou “muito desanimado” com a derrota nas eleições. Diz-se que, após a demolição do antigo Estádio da Luz, nunca mais passou pela segunda circular.
De rédeas na mão, é Raul Martins um dos grandes responsáveis pelo crescimento do grupo. Inaugurado, em 1994, o Altis Park Hotel, quatro estrelas na Encosta das Olaias (entretanto já foi vendido), e em 1998, o Altis Suites, começa a terceira fase de expansão. Daí nascem o Altis Belém Hotel & Spa, em 2009, o Hotel Altis Avenida e os Apartamentos Altis Prime, ambos em 2010.
“Quando foi feito o contrato do [Altis] Belém, mostrei ao meu pai e ele respondeu ‘ah isto é bom’”, recorda. “Negociei a compra do [Altis] Avenida, tratei de tudo e o meu pai perguntou-me. ‘E, então, em quantos anos é que a gente paga isso?’ Em 10 anos, respondi. ‘Ah, então compra, porque ainda estou cá.”
Todas as unidades têm personalidades distintas e respondem, assim, a públicos diferentes: “O de Belém é um design hotel, uma espécie de “resort dentro da cidade”. O Avenida é um boutique hotel, que fica num “edifício emblemático”. O Prime é um hotel de apartamentos, moderno, para famílias e pensado para estadias mais longas. Este [o Grand Hotel] também tem um caráter diferente, mais “corporate”, mais “hotel de congressos”, diferencia.
Rumando agora a norte, a família vai continuar a crescer. A data prevista para a abertura do Altis Porto Hotel está marcada para janeiro de 2024. Será uma espécie de Grand Hotel, unidade pioneira, mas em ponto pequeno. Estará preparado para os que viajam em trabalho, mas também para o turista que quer passear: “Está perto do centro de congressos, mas depois tem uma vista sobre o Douro, sem construção à frente”, conta Raul Martins, que acrescenta que existe o interesse em continuar a nova fase de expansão para zonas rurais, considerando que, desde a pandemia, o mercado mudou, com o aumento da procura por zonas descentralizadas, face às grandes cidades, numa preferência por espaços abertos e em contacto com a natureza.
Quanto ao que cumpre meio século, depois da fase de remodelações que, a partir de 2011, tratou de modernizar os quartos e suites da unidade, num trabalho comandado pelas arquitetas Cristina Santos e Silva e Ana Menezes Cardoso, com design de interiores de Daciano Costa, seguiu-se agora para a segunda fase, com uma intervenção do lobby do hotel. Nada que tire o prazer de atravessar as portas que dão acesso ao mundo das luzes douradas, dos veludos confortáveis e do cheiro a lavanda.