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Conferência de imprensa do Ministro das Finanças, Fernando Medina, após a entrega do Orçamento do Estado para 2022 ao Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, no Ministério das Finanças com Sofia Batalha (Secretário de Estado do Orçamento), António Mendonça Mendes (Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais) e João Nuno Mendes (Secretário de Estado do Tesouro). Lisboa, 13 de Abril de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR
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Fernando Medina apresentou o Orçamento do Estado para 2022 a 13 de Abril.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Fernando Medina apresentou o Orçamento do Estado para 2022 a 13 de Abril.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Um Orçamento com a prudência do medo

Ir para além das regras exigidas por Bruxelas e assim garantir que Portugal está preparado para tempos difíceis. Esta é a orientação do primeiro Orçamento de Fernando Medina. Ensaio de Helena Garrido.

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A linguagem mudou e, com “as contas certas”, agora também já se pode dizer “consolidação orçamental”, referir a importância da imagem externa para manter a confiança dos investidores e alertar para a margem que é preciso ter para enfrentar tempos difíceis. As “contas certas”, disse o ministro das Finanças Fernando Medina, “é um activo que beneficia o país nos custos de financiamento, com impacto real na vida das famílias e empresas, e na adaptação do Orçamento a situações difíceis”. O primeiro-ministro é o mesmo, a política de redução do défice mantém-se, mas agora já se pode falar de política orçamental rigorosa sem metáforas. Estamos a ir “para além das regras europeias”, como no passado fomos “para além da troika”, exatamente pelos motivos. Por medo de não ter dinheiro para o Estado pagar as suas contas e apoiar as famílias e as empresas nestes tempos de pandemia e guerra que podem trazer tempestades económicas e financeiras.

Outra marca deste Orçamento é a ausência das noitadas dos últimos anos. O novo ministro das Finanças entregou a proposta de Orçamento do Estado de 2022 ao também novo presidente da Assembleia da República passavam poucos minutos da uma da tarde de 13 de Abril. E a conferência de imprensa começou no salão Nobre do Ministério das Finanças passavam poucos minutos das 14h30. Uma agenda cumprida como já poucos se recordavam que era possível, mas que beneficiou do facto de o Orçamento estar já praticamente feito.

A prova de fogo de Fernando Medina será a 10 de Outubro, quando tiver de apresentar as contas para 2023. E o desafio irá para além da agenda, já que as contas do próximo ano prometem ser mais difíceis do que as que teve de fazer agora, para meio ano. Embora o Orçamento tenha sido construído num ambiente de denso nevoeiro e tempestade, sem que ninguém arrisque previsões, qualquer má notícia, que não seja uma ruptura como aquela a que assistimos com a invasão da Rússia pela Ucrânia, tem margem para ser acomodada pelas contas públicas.

Uma previsão de investimento público muita acima do que alguma vez foi concretizado pelos governos liderados por António Costa, apoios no domínio da pandemia que se podem revelar sobrestimados, a herança das contas de João Leão e o habitual uso das cativações dão ao novo ministro das Finanças espaço para ter confiança que atingirá o défice de 1,9% do PIB projectados.

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As “contas certas” são obtidas fundamentalmente através da redução de despesas, que o quase fim da pandemia tornou desnecessárias, sem que os apoios associados à guerra exigissem um esforço tão grande, em matérias de gastos, como os de 2021. Apesar disso, quer as prestações sociais quer as despesas com o pessoal ainda têm um peso superior ao que se registava na pré-pandemia, revelando que é preciso ir ainda mais longe na redução da despesa.

Austeridade foi uma das acusações feitas ao Orçamento por parte nomeadamente do PSD. “Em nenhum dicionário de política económica do mundo esta é uma política de austeridade”, respondeu Fernando Medina, quando questionado sobre esse tema na conferência de imprensa. Mas, ao mesmo tempo, também afirmou que uma política orçamental expansionista não seria adequada ao tipo de crise que estamos a enfrentar, um choque de oferta. O que se está a fazer, defendeu, tem como objectivo ganhar margem para se poder reagir caso seja necessário.

Quando se olha para os grandes números que os economistas usam para avaliar a orientação da política orçamental conclui-se que o Orçamento está entre o neutro e o ligeiramente contraccionista. Sem as medidas temporárias de apoio às duas crises que vivemos, e que enquadram políticas de suporte ou redistributivas, teria sem dúvida o sentido de moderar a procura, para que os preços não subam ainda mais por falta de oferta. Desse ponto de vista pode ser considerado um Orçamento “austeritário”.

Mas aquilo que este Orçamento reflecte, nas suas diversas vertentes, é a preocupação de manter as contas públicas num espaço financeiro suficientemente seguro para a eventualidade de o futuro próximo ser marcado por uma crise económica mais profunda – que reduza as receitas e aumente as despesas – ou por uma tempestade financeira – que leve os investidores a fugirem de países com uma dívida elevada, como já aconteceu em 2011.

Como se reduz o défice?

A herança de João Leão, o fim dos apoios à pandemia e a inflação conjugam-se para mais um ano de uma redução do défice para além do que seria de esperar face à conjuntura. Não sendo um “adereço” como o ministro das Finanças Fernando Medina afirmou, esta proposta de Orçamento para um semestre – deverá entrar em vigor em Julho – prevê um défice público de 1,9% do PIB que seria apenas de 0,5% sem as medidas que ainda existem por causa da pandemia e sem os apoios agora criados por causa da guerra na Ucrânia.

As mãos agarradas ao cofre do Tesouro, característica do ex-ministro das Finanças, oferecem a Fernando Medina uma herança financeira que, é de longe, melhor do que aquela que se conseguia perceber em Outubro de 2021. As contas do ano passado acabaram com um défice público de 2,8% em vez dos 4,3% preconizados quando a proposta entrou no Parlamento para a seguir ser chumbada. João Leão acabou por gastar menos quase 2,3 mil milhões de euros (quase 1,1% do PIB desse ano) e garantir mais quase mil milhões de euros em receita (911 milhões ou 0,4% do PIB).

Nas contas de Fernando Medina, a despesa total é até ligeiramente superior à que estava prevista no Orçamento de João Leão, mas consegue que o seu peso no PIB seja uma décima inferior à do seu antecessor, graças um PIB que sobe com a inflação. Em nada alteram as despesas com o pessoal e as de investimento, registando-se apenas uma subida nas prestações sociais que, apesar disso, crescem abaixo da inflação prevista (4%). A dinâmica da receita faz o resto. É aqui que estão as grandes diferenças com o que apontava João Leão para 2022, com a receita fiscal, por exemplo, a pesar 24,8% do PIB, quando se previa que ficasse nos 24%. O comportamento do emprego por um lado e os ganhos obtidos no IVA que a subida dos preços garantem são a explicação.

Quando se compara aquela que foi a realidade de 2021, agora já conhecida, com a proposta de Orçamento, é das despesas que chegam os contributos para a redução do desequilíbrio orçamental. A receita total do Estado diminui o seu peso no PIB (em 0,6 pontos percentuais) mas a despesa global diminui mais do dobro (menos 1,5 pontos percentuais), graças fundamentalmente aos gastos correntes e, dentro destes, às prestações sociais e despesas com o pessoal.

O aperto na despesa – que como veremos é, em parte, explicada pelo fim dos apoios à pandemia – dá um contributo fundamental para que o ano de 2022 seja já marcado por um excedente primário – caso se retire as despesas com juros, já se consegue obter um superavite orçamental.

Quando se olha ao detalhe para cada uma das rubricas das contas públicas consegue ver-se de onde vem o “aperto” na despesa. Os subsídios e prestações sociais participam com 1,8 pontos percentuais para a redução do défice de 2,8% em 2021, a que se somam 0,4 pontos das despesas com pessoal. A contribuir para agravar o desequilíbrio das contas públicas está o investimento e as outras despesas de capital.

Tanto as prestações sociais como os subsídios reduzem o seu peso no PIB por via da eliminação de algumas das medidas adoptadas para enfrentar a pandemia. É o próprio Governo que o afirma. “A evolução da despesa é justificada, essencialmente, pelo menor impacto das medidas de emergência implementadas para mitigar os efeitos decorrentes da pandemia reflectidas sobretudo na despesa com subsídios e prestações sociais”, lê-se no relatório da proposta de Orçamento do Estado (pg. 56). E as políticas adoptadas para apoiar as famílias e as empresas por causa da guerra na Ucrânia custam bastante menos.

A redução do peso das despesas com pessoal não é referida, mas dá igualmente um contributo para a descida do défice público (0,4 pontos percentuais). O aumento da tabela salarial em 0,9% e todas as outras medidas associadas à progressão das carreiras e ao aumento do número de funcionários públicos traduzem-se numa subida de 3,9% face ao que se gastou em 2021, gerando assim uma nova redução do seu peso relativo e contribuindo para a redução do défice.

O contributo dos encargos com juros da dívida pública também diminui o défice, como tem acontecido até agora, mas de forma mais limitada. O Governo espera aliás que o peso dos juros continue a diminuir, mesmo que marginalmente, como se pode ver no Programa de Estabilidade 22-26 elaborado em finais de Março.

Vamos pagar mais impostos?

Em termos globais a receita fiscal reduz o seu peso no PIB já que aumenta 6,7% em 2022 para um crescimento nominal da economia de 7,4%. E mesmo quando chegarmos ao fim deste ano com uma produção em termos reais igual à de 2019, como se prevê, o peso dos impostos será inferior. Mas este valor agregado esconde uma redistribuição do peso dos impostos, com o IRS e o IVA a crescerem a um ritmo mais rápido.

Em 2022, a receita de IVA não só ultrapassa o que o Estado arrecadava antes da pandemia (2019) como regista um aumento de 8,3% face a 2021, reforçando o seu peso no PIB. Este é um dos reflexos da subida dos preços: como o imposto incide sobre o preço, isto traduz-se num “ganho caído do céu” para os cofres do Estado.

Em contrapartida a evolução da receita de ISP (menos 1,6%) retrata as medidas adoptadas para moderar os efeitos da crise energética – como a redução virtual e temporária da taxa de IVA e a suspensão do aumento da taxa de carbono – e, de acordo com o Governo, “o aumento previsto da procura”.

Uma das medidas emblemáticas neste Orçamento está associada ao IRS. São elas, nomeadamente, o aumento do número de escalões de IRS de sete para nove, a subida do mínimo de existência, as deduções a partir do segundo dependente e o alargamento dos benefícios para jovens e do programa “Regressar”. O desdobramento ocorre no terceiro e sexto escalão, o que, de acordo com o Governo, permitirá reduzir a tributação dos que tiverem rendimentos anuais acima de 15 mil euros, o correspondente a cerca de 10 mil euros de rendimento colectável.

Apesar de todas estas medidas, e de o Governo estimar que perde 210 milhões de euros de receita com elas, a receita de IRS aumenta 4,5% relativamente a 2021 e 15,4% face a 2019. “Esta evolução” em relação a 2021, diz o Governo no relatório do Orçamento do Estado, “reflete o crescimento da massa salarial, para o qual contribuem a continuação da redução da taxa de desemprego e o aumento do salário mínimo”.

Com excepção do IRC e do ISV todas as receitas ultrapassarão em 2022 os valores registados antes da pandemia, em 2019, ainda que se preveja que apenas no fim deste ano se tenha atingido a produção em termos reais desse ano. Dos impostos que garantem a maior receita do Estado, o IRS era o único que em 2021 já garantia mais receita que em 2019.

Na comparação da evolução da receita com o crescimento do PIB, o IVA é o imposto que vai pesar mais nos bolsos dos contribuintes, neste caso, dos consumidores. Um retrato do que ganha o Estado com a subida da inflação. E que poderá igualmente ocorrer no IRS se existirem aumentos salariais, uma vez que o Governo não actualizou os escalões tendo em conta a inflação, argumentando que a maioria reduz a sua carga fiscal com os desdobramentos.

Quanto custa a pandemia e a guerra?

Mesmo se o Governo nada fizesse, o saldo orçamental agravava-se em cerca de dois mil milhões de euros, o equivalente a 0,9% do PIB, por via da aplicação automática das regras em vigor ou pelos compromissos assumidos no passado. No designado efeito orçamental de “políticas invariantes” têm maior peso as pensões, as despesas com pessoal por via das progressões e contratações e o investimento (ver pg. 59). E o seu impacto, em termos relativos, mantém-se, significando que, entre este ano e o anterior, o Governo não criou regras que agravam automaticamente o défice.

As medidas que são a bandeira do Governo e do PS, desde Outubro, não chegam a custar 600 milhões de euros (0,3% do PIB). Correspondem ao que é designado como “medidas de política orçamental” (pg 61). O seu custo é praticamente todo explicado por três medidas: a subida da massa salarial da administração pública por via do aumento de 0,9%; a reforma dos escalões de IRS e a actualização extraordinária em 10 euros das pensões de valor inferior a 1108 euros.

Os apoios relacionados com a pandemia e com a guerra na Ucrânia agravam o défice em 1,3% do PIB, mas envolvem substancialmente menos despesa do que, sozinhas, as medidas Covid 19 de 2021. É aqui, por isso, que se encontra o mais importante contributo para a redução do défice público de 2022 e que se reflectem fundamentalmente nas prestações sociais e nos subsídios. Como o próprio Governo refere no relatório da proposta de Orçamento do Estado, os gastos com as medidas agora adoptadas para enfrentar os efeitos da guerra na Ucrânia e o que resta da pandemia, no seu conjunto, ficam dois mil milhões de euros baixo do que foram os apoios em 2021.

As medidas de emergência Covid-19 ainda vão custar, nas contas do Governo, cerca de 1,7 mil milhões de euros. Se não tivesse existido a guerra na Ucrânia, a redução destes apoios em 1,5 pontos percentuais (de 2,3% para 0,8% do PIB) teria permitido que o défice diminuísse para 1,3% em vez dos 1,9% projectados. Mas esta descida é parcialmente anulada pelos apoios para moderar os efeitos da invasão da Ucrânia pela Rússia que têm um custo estimado de pouco mais de mil milhões de euros (0,5% do PIB).

No que diz respeito à pandemia (ver pg 63), o apoio à TAP explica 35% dos gastos, seguindo-se as despesas com a saúde e com as medidas para as famílias e empresas. No caso dos efeitos da guerra na Ucrânia, são a perda de receita nos combustíveis que pesam mais, o equivalente a 57% dos gastos com impacto orçamental.

Para as pespectivas das contas públicas, estas medidas temporárias constituem um importante seguro para o ministro das Finanças. Em 2023, Fernando Medina pode prever uma poupança da ordem dos 0,8% do PIB – a que correspondem os apoios Covid. No pior cenário deixará pelo menos de gastar a ajuda à TAP que pesa 0,2% do PIB. No melhor cenário juntará a esta poupança alguns dos gastos que agora o Orçamento está a ter com a guerra na Ucrânia.

Ao todo e por junto estes gastos temporários correspondem a 1,3% do PIB. O Programa de Estabilidade prevê que o défice diminua de 1,9% para 0,7% em 2023, ou seja 1,2 pontos percentuais. Se a conjuntura não se degradar significativamente, tem aqui margem para continuar a diminuir o défice no próximo ano. O problema, claro, está no “se a conjuntura não se degradar”.

A despesa temporária está a diminuir?

Um dos aspectos críticos para a continuação do caminho daquilo que o Governo designa como “contas certas” é o regresso da despesa para os valores anteriores à pandemia. Em Outubro de 2021, nas vésperas da apresentação do Orçamento que acabou chumbado, o governador do Banco de Portugal Mário Centeno, recomendou, implicitamente, que se começasse a reduzir essa despesa. Na altura, Centeno avisou que as prestações sociais estariam um ponto percentual acima do valor pré-pandemia e as despesas com salários 0,8 pontos. Na realidade, o ano de 2021 acabou com 1,5 pontos percentuais acima nas prestações sociais e 0,6 pontos no caso dos salários.

Qual o esforço de descida da despesa estava previsto por João Leão e agora por Fernando Medina? Em matéria de despesas com o pessoal não há diferenças entre o que se previa em Outubro de 2021 e o que se projecta agora. Mas nas prestações sociais, João Leão previa uma descida mais acentuada – deveriam descer de 19,6% para 18,8% do PIB em 2022. Fernando Medina, apesar de contar com uma subida mais acentuada do PIB nominal – por causa da inflação – faz um esforço mais reduzido, gastando mais cerca de 400 milhões de euros. Esta diferença pode explicar-se em parte pelas medidas associadas à guerra na Ucrânia que alteram o Orçamento de João Leão.

No fim deste ano as prestações sociais e as despesas com pessoal representarão 30,5% do PIB, ou seja, 1,5 pontos percentuais acima do que pesava em 2019, antes da pandemia. As despesas com o pessoal ainda estarão 0,6 pontos percentuais acima e as prestações sociais 0,9 pontos.

O ambiente de inflação, garantindo ganhos no IVA, é um desafio para a redução desta despesa, com especial relevo para os gastos com pessoal. O ministro das Finanças, tal como o primeiro-ministro e a ministra da Presidência têm afirmado que não se pode alimentar, com factores internos, a inflação que está a chegar do exterior. “Temos um motor a gerar inflação — nos combustíveis e na componente externa –, seria um erro de grandes dimensões e que seria pago pelos mais vulneráveis se colocássemos ao lado o motor interno a fazer crescer a inflação”, defendeu Fernando Medina na apresentação da proposta de Orçamento do Estado dia 13 de Abril. Um argumento para contrariar uma subida intercalar dos salários.

Se a inflação é um desafio para controlar as despesas com salários, a instabilidade e incerteza em que se vive pode ser um desafio para fazer regressar as prestações sociais ao peso que tinham antes da pandemia. Embora o Governo olhe para estes apoios como temporários, na medida em que perpectiva como temporária a subida dos preços, é neste momento ainda incerto que assim seja. O Governo pode ser bem-sucedido naquilo que defende – não alimentar internamente a inflação – mas não controla o que se passa no exterior.

O ambiente de inflação, garantindo ganhos no IVA, é um desafio para a redução desta despesa, com especial relevo para os gastos com pessoal.

Quais as prioridades do Orçamento?

A principal prioridade do Orçamento do Estado é financeira: reduzir a dívida pública através, obviamente, da diminuição do défice público. Toda a política orçamental está condicionada a este objectivo, gastando-se e apoiando-se sempre, sem ameaçar a trajectória de redução da dívida pública. O Governo considera que esta é a política certa numa altura em que uma política orçamental expansionista apenas iria agravar ainda mais uma crise que tem origem num choque de oferta (redução da oferta, designadamente de bens energéticos, alimentares e matérias primas e minerais).

Nas suas primeiras declarações ainda antes de tomar posse como ministro das Finanças, à RTP e no Parlamento, Fernando Medina foi bastante claro ao definir a redução da dívida pública como uma das suas principais prioridades. A redução da dívida pública, disse, “é uma das prioridades fundamentais”.

A dívida pública deverá diminuir de 127,4% para 120,7% do PIB. Apesar do esforço orçamental, e como se pode ler no relatório da proposta de Orçamento, o principal contributo para esta descida vem do crescimento do PIB nominal (8,9 pontos percentuais) enquanto o saldo primário a reduz em 0,3 pontos. Os juros aumentam a dívida em 2,2 pontos percentuais. Um retrato que revela como a redução da dívida ganha com o aumento da inflação e como se pode perder esta conquista com uma recessão.

127,4 %

Dívida pública em 2021

120,7 %

Dívida pública projetada para 2022

A prioridade das “contas certas” foi repetida na conferência de imprensa de 13 de Abril, quando o ministro das Finanças apresentou a sua proposta de Orçamento. Respondendo a questões sobre a necessidade de reduzir o défice nesta dimensão, quando as regras europeias ainda permitem ultrapassar o limiar dos 3%, Fernando Medina defendeu que prosseguir “este caminho de consolidação” é recomendával para que, “num momento de dificuldade, de natureza diferente, termos mais margem para podermos reagir”. E acrescenta: “se estivermos encostados aos 3%”, no dia em que a excepção à regra deixe de existir, “não teríamos essa margem orçamental”.

Outra das prioridades subjacente ao Orçamento, mas que se alarga às outras políticas, designadamente de rendimentos, é moderar as pressões para a subida dos preços, de forma a evitar uma espiral inflacionista. As medidas que servem para mitigar os efeitos da guerra na Ucrânia, além de constituírem políticas de protecção social, contribuem igualmente para moderar a subida de preços. Mas, a mais importante é, sem dúvida, a que passa pela posição do Governo de não dar aos funcionários públicos um aumento salarial intercalar, para além dos 0,9%. Ceder a esta reivindicação seria “alimentar com factores internos” a inflação importada, de acordo com o que tem sido o raciocínio do Governo.

Além disso, Fernando Medina espera contribuir também através do Orçamento para aliviar a pressão da procura sobre uma oferta que se reduziu com a guerra e que está a fazer subir os preços. O ministro das Finanças diz implicitamente que elaborou um orçamento contraccionista, ao dizer na apresentação das suas contas que “adotar uma política expansionista é a resposta adequada quando confrontados com crises de procura, não é necessariamente a boa resposta para uma crise de oferta”.

A avaliação dos grandes números está em linha com o que afirma Fernando Medina já que o défice estrutural (ajustado do ciclo e de medidas temporárias) diminui de 1,4% para 1,2% do PIB. Mas o saldo ajustado do ciclo agrava-se, de um défice de 1% para 1,4%. Se admitirmos que as medidas temporárias, que explicam aquela diferença, têm um cariz fundamentalmente redistributivo e de moderação dos efeitos nos preços, podemos considerar que o Orçamento é, pelo menos, neutro ou ligeiramente contraccionista. Boa parte dos apoios estão desenhados em linha com o que têm sido as recomendações internacionais: ajudar as empresas e as famílias mais afectadas pelos efeitos da crise energética e alimentar.

Se admitirmos que as medidas temporárias, que explicam aquela diferença, têm um cariz fundamentalmente redistributivo e de moderação dos efeitos nos preços, podemos considerar que o Orçamento é, pelo menos, neutro ou ligeiramente contraccionista.

De acordo com o Governo, as prioridades deste Orçamento são o choque geopolítico, o rendimento das famílias, a recuperação das empresas, os serviços públicos e a transição digital e climática. Os apoios ligados à guerra, a redução do IRS para a classe média e o aumento extraordinário das pensões, os apoios às empresas e os investimentos na Saúde e, por via do Plano de Recuperação e Resiliência, na digitalização, constituem a concretização desses objectivos.

É o Orçamento arriscado?

A vigorar basicamente durante um semestre, a execução do Orçamento não dará este ano grandes dores de cabeça a Fernando Medina. Tal como aconteceu no passado, tem uma boa margem para cortar no investimento público, que promete ser o mais elevado desde 2012, representando 3,2% do PIB, e tem a almofada dos apoios da pandemia que podem estar sobre-estimados. Além disto, o próprio ministro, questionado sobre as cativações, afirma, em entrevista à Rádio Renascença, que não abdicará “de nenhum instrumento que esteja ao dispor do ministro das Finanças”.

Os maiores riscos estão no crescimento da economia, que poderá ser inferior, e da inflação, que poderá ser superior. Mas os efeitos de um e outro são de sinal contrário. Enquanto o abrandamento da economia, especialmente se vier por via do consumo privado, tenderá a reduzir a receita de IVA, a subida da inflação aumenta essa receita. E no prazo de seis meses, mesmo que a crise se agrave, não é de esperar um efeito orçamental visivelmente negativo já que os efeitos no desemprego têm um desfasamento temporal.

Enquanto o abrandamento da economia, especialmente se vier por via do consumo privado, tenderá a reduzir a receita de IVA, a subida da inflação aumenta essa receita. E no prazo de seis meses, mesmo que a crise se agrave, não é de esperar um efeito orçamental visivelmente negativo já que os efeitos no desemprego têm um desfasamento temporal.

A proposta de Orçamento está feita com um crescimento de 4,9%, igual ao de 2021, e um deflator do PIB de 2,5% traduzindo-se num crescimento nominal de 7,4% – sem alteração face ao Programa de Estabilidade. A taxa de inflação prevista é de 4%, a maior revisão em alta face ao Programa de Estabilidade (3,3%).

No Programa de Estabilidade, ainda elaborado por João Leão, é considerado um cenário adverso em que a economia cresce apenas 3,8% (em vez de 4,9%) e a inflação atinge os 4,2% (mas aqui ainda se previa uma inflação de 2,9% quando agora é de 4%). Estes valores são marginalmente mais optimistas que o cenário adverso do Banco de Portugal (3,6% para o crescimento e 5,9% para a inflação). Em nenhum dos casos é apresentado o efeito nas contas públicas.

Da análise feita na proposta do Orçamento (pg.12), é uma redução da procura externa que terá maior impacto sobre o crescimento: uma descida de 2 pontos percentuais levaria o crescimento a passar de 4,9% para 4,6%. Como o maior impacto seria através das exportações, não existiria praticamente efeitos nas receitas. E a subida do preço do petróleo em 20% traduzia-se num aumento da inflação, o que em si aumenta a receita via IVA. Obviamente que existem outros efeitos, designadamente na degradação da balança externa. E o impacto a prazo no emprego e no crescimento que se faria sentir, negativamente, nas contas públicas.

O cenário mais pessimista que se pode antecipar é o de uma recessão na Alemanha, na sequência do corte dos fornecimentos de gás e petróleo da Rússia, o que se traduziria igualmente por uma subida da inflação (colocando-se aqui de parte o cenário de envolvimento da NATO). Estaríamos num ambiente ainda mais grave de estagnaflação – recessão ou baixo crescimento com inflação. Uma situação destas podia exigir um alargamento dos apoios, mas não é previsível que tivesse efeitos imediatos na economia, deixando o desafio para 2023.

O Presidente da República, cerca de uma semana antes da divulgação do Orçamento, defendeu que o documento original de Outubro de 2021 tinha de ser alterado, nem que fosse por causa da inflação. Mas foi mais longe e antecipou que, no actual quadro, o Orçamento terá de “ir sendo apreciado e reapreciado à medida que a situação evoluir”. Fernando Medina, questionado sobre esta declaração de Marcelo Rebelo de Sousa, concordou no sentido de serem necessárias respostas rápidas, mas colocou de parte os orçamentos rectificativos. “Seria um pouco insólito” admitir na apresentação do Orçamento um rectificativo, “significaria que não tinha adesão à realidade”, disse. À realidade do momento em que foi elaborado pode estar, o problema de Fernando Medina é a mudança dessa realidade. António Costa queria apresentar exactamente o mesmo Orçamento, mas teve de fazer alterações e acomodar mais inflação e mais apoios para enfrentar a mudança do mundo a 24 de Fevereiro de 2022, com a guerra.

Se o Orçamento tivesse sido aprovado em Outubro de 2021, aí sim, faltaria adesão à realidade, mas nem isso nos garante que teria sido necessário um rectificativo dadas as almofadas da pandemia. A vantagem de Fernando Medina é ter feito o Orçamento já depois da guerra e para durar apenas um semestre. Só uma rutura, do género da de Fevereiro, pode ter efeitos que transformem o Orçamento num obra de ficção. Para já o novo ministro das Finanças tem condições para este ano continuar a fazer brilhar a estrela das contas certas que o Governo do PS adoptou. O próximo ano pode ser mais difícil. Mas nestas contas o Governo tem já como principal preocupação colocar as finanças públicas o mais próximo possível de um porto seguro, preparadas para uma possível tempestade.

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