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Era o que faltava para receber a quinta tranche, de cerca de três mil milhões de euros, do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR): a chamada “reforma da administração pública” é necessária para que Portugal possa pedir o pagamento e, com a sua publicação em Diário da República, na noite de terça-feira, abre caminho ao Governo. Embora mantenha muitas das ideias — incluindo a nível de reforço dos serviços de avaliação de políticas públicas e jurídicos ou a ideia de nomear um secretário-geral do Governo —, a equipa de Luís Montenegro mudou várias partes do plano que lhe foi passado pelo anterior governo.
Desde logo, deixa claro que o novo secretário-geral é nomeado diretamente pelo primeiro-ministro (e por este exonerado). À semelhança do que previa o plano do governo de António Costa, o salário será superior a seis mil euros brutos (com despesas de representação incluídas), mas caem os cargos de secretários-gerais coordenadores e, em alternativa, de dois passam para seis os secretários-gerais adjuntos. Os dirigentes de 16 entidades vão cessar funções até janeiro de 2026, com o Governo a estimar que, em termos líquidos, haja uma redução de 80 cargos dirigentes. Já os funcionários públicos, garante, não têm de se “preocupar”.
A separar um e outro governo está também a ideia de criar um Centro dos Serviços Comuns, que cai, sendo que as atribuições e serviços comuns a vários organismos serão transferidos para a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP), para que haja apenas uma entidade de serviços partilhados.
Governo estima poupar 23 milhões com primeira fase de reforma da Administração Pública
Secretário-geral do Governo: da Cresap à escolha do primeiro-ministro
Uma das grandes novidades da reforma agora publicada é a criação da figura do secretário-geral do Governo, um cargo que já estava previsto na proposta formulada pelo anterior Executivo, embora com contornos diferentes.
O secretário-geral vai dirigir a nova Secretaria-Geral do Governo, criada para prestar apoio técnico, administrativo e logístico ao Executivo e que resultará da fusão do Centro de Gestão da Rede Informática do Governo (o CEGER) e de oito secretarias-gerais (à exceção das secretarias-gerais dos ministérios dos Negócios Estrangeiros, Defesa e Administração Interna, que se mantêm como tal, embora com tarefas e competências comuns partilhadas com a secretaria-geral ou a ESPAP, a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública).
É na lista de entidades alvo de fusão que reside uma das diferenças — um dos aspetos, aliás, salientados pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro, na conferência de imprensa da semana passada, em que apresentou o plano: a reforma “abrange todos os ministérios”, enquanto “os projetos anteriores deixavam entidades de fora [na fusão]”. “Esta reforma envolve mais entidades, incluindo não secretarias-gerais como o CEGER”.
A diferença, pelo menos em termos quantitativos, não é grande: a proposta de António Costa era para a fusão de 10 entidades, a do atual Governo é de nove entidades. Na lista do anterior Executivo constavam nove das 11 secretarias-gerais e a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas. Na lista atual estão oito secretarias-gerais (a diferença é que não consta a do Ministério da Administração Interna) e o CEGER.
Na conferência de imprensa da semana passada, António Leitão Amaro explicou que três secretarias-gerais vão manter-se como tal (a Administração Interna, os Negócios Estrangeiros e a Defesa), mas com “tarefas e competências comuns partilhadas com a secretaria-geral e outras, relativas à sua entidade da área governativa, transferidas para a ESPAP”. Os termos da “reestruturação” destas entidades serão definidos em diploma próprio. Alvo de reestruturação serão também a Inspeção-Geral de Finanças (que vai assegurar as funções de auditoria e controlo das secretarias-gerais da Presidência do Conselho de Ministros e da Economia), o PlanApp, responsável pela avaliação de políticas públicas, e o JurisApp, que muda de nome e é reforçado.
Outra diferença é o modo de escolha do secretário-geral do Governo. O atual decreto-lei, publicado esta terça-feira à noite, é claro ao estabelecer que “o secretário-geral é nomeado e exonerado livremente pelo primeiro-ministro“, logo, não passará pelo crivo da Cresap (pelo qual passam os dirigentes superiores). Em entrevista ao Negócios, Leitão Amaro disse que se trata de um cargo com um “nível de responsabilização política relevante” pelo que “é legítimo haver um vínculo de confiança política adicional”. Na proposta do anterior Executivo esta referência não era feita, remetendo-se para o estatuto do pessoal dirigente (que é escolhido por concurso).
O ministro salientou outra diferença face à proposta do anterior governo: as competências da secretaria-geral são diferentes. Para Leitão Amaro, o antigo desenho criava “uma espécie de um sub-governo, em que se transferia não apenas o trabalho administrativo, mas também o trabalho de coordenação orçamental e de desempenho”. Essas competências, entende o Governo, “devem ficar debaixo dos ministros”. O decreto publicado prevê como uma das competências da secretaria-geral “exercer as funções de coordenação em matéria orçamental, avaliação de desempenho e, em articulação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, apoio às relações internacionais setoriais, promovendo o alinhamento e a articulação dos instrumentos de gestão, financeiros e não financeiros, incluindo fundos autónomos e fundos europeus, dos serviços e organismos das áreas governativas, quando tais competências não sejam igualmente cometidas, por diploma próprio, a um outro serviço com responsabilidades de direção-geral ou em matéria de estudos e planeamento”.
A proposta de António Costa também previa, além de um secretário-geral e de dois secretários-gerais adjuntos (o decreto de Montenegro prevê seis), as figuras de secretários-gerais coordenadores e coordenadores adjuntos (seriam 8, respetivamente), que não estão previstos no decreto agora em vigor. Quanto a diretores de serviços, o anterior previa 16 cargos e o atual menciona 9.
A estrutura remuneratória do secretário-geral do Governo é igual nos dois decretos: como salário base, o equivalente ao nível 80 da tabela remuneratória única — que atualmente é de 4.884,45 euros brutos. A que acresce como despesas de representação 25% deste valor (1.221,11 euros). Ou seja, pode chegar a ganhar 6.105,56 euros.
A remuneração dos seis secretários gerais adjuntos, dos diretores de serviço e dos dirigentes intermédios de segundo grau fica indexada ao salário do secretário-geral do Governo, da seguinte forma:
- Secretário-geral adjunto (6): 85% da remuneração do SGG e 20% em despesas de representação
- Diretor de serviços (9): 75% da remuneração e 15% em despesas de representação
- Dirigente intermédio : 70% da remuneração e 10% em despesas de remuneração
A anterior proposta também criava seis novos serviços (como a Direção-Geral da Administração Interna,o Instituto de Infraestrutura Tecnológica da Administração Interna, e a Direção-Geral dos Livros e das Bibliotecas, entre outros), mas não há referência a estas entidades no decreto em vigor.
O ministro António Leitão Amaro resumiu, na semana passada: Nas estruturas de topo “onde tínhamos 14 entidades passamos a ter seis“.
Outra lista de dirigentes que cessam funções
Tendo em conta que diferem as listas de fusões e a de reestruturações entre a proposta do governo de António Costa e o decreto em vigor, da equipa de Montenegro, a lista de dirigentes que cessam funções em breve também é diferente.
O texto do anterior Executivo já previa que “as comissões de serviços dos titulares dos cargos de direção superior e intermédia” das secretarias-gerais “cessam automaticamente com a produção de efeitos do presente decreto-lei” e de acordo com um faseamento. Esta ideia é mantida no decreto publicado, que faz cair os dirigentes além das secretarias-gerais em causa (como previa o antigo plano), do CEGER, da ESPAP, do PlanApp e da Inspeção-Geral das Finanças, de acordo com o seguinte calendário:
- 1 de novembro de 2024: Centro de Gestão da Rede Informática do Governo
- 1 de novembro de 2024: Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros
- 1 de novembro de 2024: Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P.
- 1 de novembro de 2024: Inspeção-Geral de Finanças
- 1 de novembro de 2024: Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública
- 1 de novembro de 2024: Centro de Competências Jurídicas do Estado
- 1 de janeiro de 2025: Secretaria-Geral da Economia
- 1 de janeiro de 2025: Secretaria-Geral do Ambiente e Energia
- 1 de junho de 2025: Secretaria-Geral do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
- 1 de junho de 2025: Secretaria-Geral da Finanças
- 1 de janeiro de 2026: Secretaria-Geral da Educação, Ciência e Inovação
- 1 de janeiro de 2026: Secretaria-Geral da Saúde
- 1 de janeiro de 2026: Secretaria-Geral da Justiça
- 1 de janeiro de 2026: Secretaria-Geral da Administração Interna
- 1 de janeiro de 2026: Secretaria-Geral da Defesa
- 1 de janeiro de 2026: Secretaria-Geral dos Negócios Estrangeiros
Os titulares dos cargos dirigentes “mantêm-se em funções até à conclusão dos respetivos processos de fusão ou reestruturação”.
António Leitão Amaro explicou, na conferência de imprensa, que haverá uma redução de 25% dos cargos dirigentes, de 315 para 236 (só na “cúpula” da administração pública), em termos líquidos, e que os gastos com vencimentos vão reduzir-se em quatro milhões de euros.
Leitão Amaro assegurou que “os funcionários públicos podem estar tranquilos” e que não haverá redução nem a antiga requalificação, isto porque se há umas entidades que são extintas, outras são reforçadas (como a secretaria-geral, que é criada, a ESPAP ou os serviços de estudo ou apoio jurídico). O decreto aponta nesse sentido: não existe “qualquer intenção de dispensar ou prescindir de trabalhadores abrangidos pelos processos de reorganização a desenvolver, uma vez que são essenciais para o sucesso do processo de mudança e atingimento dos objetivos expressos”. O que há são “objetivos de redução relativamente aos cargos dirigentes, à despesa com frotas automóveis do governo, serviços de segurança, limpeza, com gastos administrativos, com licenças informáticas, eletricidade, gás, água”, disse Leitão Amaro.
Serviços partilhados. Cai a ideia do Centro dos Serviços Comuns e existente ESPAP é reforçada
O anterior governo previa a criação de um “Centro dos Serviços Comuns”, que teria como missão assegurar a prestação centralizada de serviços comuns, incluindo a nível de recursos humanos, apoio jurídico, financeiro e orçamental, aquisição de bens e serviços e contratação, logística e patrimonial, documentação e informação, comunicação e relações públicas, inovação e modernização, política de qualidade e tecnologias de informação e comunicação aos órgãos, serviços e organismos da administração direta e indireta do Estado. Este Centro iria articular-se com a ESPAP e seria dirigido por um diretor-geral, com dois subdiretores-gerais.
Esta ideia cai por terra no plano da equipa de Luís Montenegro. Haverá, em vez disso, a transferência de várias atribuições e serviços comuns a variados organismos para a ESPAP, que permitirá “racionalizar e consolidar a prestação de serviços horizontais numa única entidade”.
PlanApp vai coordenar serviços de avaliação das políticas públicas
O projeto do anterior governo já previa o “reforço dos serviços com funções estratégicas de estudo, planeamento e avaliação”, como o chamado PlanApp. O decreto agora em vigor prevê que esta entidade vai coordenar as entidades de estudos, planeamento e avaliação de políticas públicas no Estado, como o Gabinete de Estratégia e Estudos (Economia), o Gabinete de Estratégia e Planeamento (Ministério do Trabalho) ou o Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (Agricultura).
O objetivo será uma melhor avaliação das políticas públicas, segundo António Leitão Amaro. Este PlanApp vai coordenar-se com uma nova direção-geral (ou gabinete de estudos, planeamento e avaliação, a DGEPA/GEPA), que vai “apoiar tecnicamente a definição das respetivas prioridades estratégicas e das políticas que as suportam”, assim como promover o “acompanhamento e avaliação da sua implementação e dos resultados obtidos. As duas entidades vão partilhar informação, recursos e projetos.
Centro jurídico do Estado: de CEJUR para CEJURE
Também ao nível da assessoria em matéria jurídica haverá alterações. António Leitão Amaro já tinha explicado que o objetivo era melhorar a eficiência e reduzir o recurso a consultoria externa na área. O novo decreto estabelece que a orgânica do Centro de Competências Jurídicas do Estado (antes CEJUR e agora JurisApp) será revista, no prazo de 60 dias, de forma a concentrar e fortalecer a capacidade, alargar o âmbito de atividade, os serviços e intervenção. O nome mudará para CEJURE: Centro Jurídico do Estado. A proposta anterior também previa uma reestruturação do JurisApp.
A ida para a CGD
Na pasta de transição entre governos, o anterior Executivo indicou que estavam em obras os pisos 7 e 8 do edifício, “sendo necessário” lançar os concursos de arquitetura e construção civil dos restantes pisos, prevendo-se que o investimento, de 40 milhões de euros, fique concluído em setembro de 2027. Na semana passada, o ministro António Leitão Amaro disse aos jornalistas que o edifício “não estava preparado” e que o Governo tem “colocado intensidade”.
Fotogaleria. O primeiro dia do Governo na nova casa, o Campus XXI
As mudanças para a antiga sede da Caixa Geral de Depósitos já começaram e esta segunda-feira mudaram-se 23 membros do Governo. A ideia é que nos próximos anos se mudem os restantes, assim como 70 entidades da administração pública, indicou António Leitão Amaro. Essa concentração num mesmo local, que vai permitir poupar 23 milhões de euros por ano na “estrutura cimeira” da administração pública, deixará livres 27 edifícios, o que significa que 377 milhões de euros poderão vir a ser “rentabilizados”, eventualmente para habitação acessível.
Um “conselho de coordenação” ou um “fórum” da administração pública?
O plano do governo de António Costa chamava-lhe um “conselho de coordenação da administração pública”, a equipa de Luís Montenegro fala num “fórum da administração pública”. Em comum, têm a intenção de difundir informação ou partilhar experiências dentro do setor público.
O “conselho de coordenação” seria composto pelo secretário-geral do Governo, secretários-gerais coordenadores, os secretários-gerais dos ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, o diretor-geral do Centro de Serviços Comuns (que, como vimos, não avança) e os dirigentes máximos dos centros de competência do Estado e de outras entidades, e iria apoiar a secretaria-geral “na coordenação da atividade das áreas setoriais do governo”, ou difundir informação e partilhar experiências, de forma articulada, entre os ministérios. Este conselho de coordenação não aparece no novo decreto.
A referência agora é para um “fórum da administração pública”, que será um órgão de apoio ao Executivo e à administração pública no geral, que visa “melhorar a coordenação da execução de políticas públicas transversais, através de uma maior integração e articulação interdepartamental”. É presidido pelo secretário-geral do governo, o presidente da ESPAP e os dirigentes máximos de vários entidades. Leitão Amaro resume: será um espaço de “partilha de boas práticas”.