Faltavam poucos minutos para a meia-noite desta sexta-feira quando o ambiente num dos 92 pontos de acesso a Ovar, controlados pela Guarda Nacional Republicana (GNR), era um misto de curiosidade, mas de cautela. O movimento não era muito, mas houve quem quisesse saber se ia ser possível ir encher o depósito do automóvel a Santa Maria da Feira ou se já podia voltar a casa, um mês depois de ter decidido ir viver para outro local por causa da situação provocada pelo surto do novo coronavírus. Só que a regra era simples e para cumprir: enquanto a cerca sanitária não fosse levantada ninguém entrava ou saía do concelho sem uma declaração que o justificasse, como o trabalho de profissionais de saúde e de socorro ou o abastecimento de áreas essenciais.
No acesso que passava pela Rua da Murteira, dois elementos da GNR continuavam o trabalho de controlo até que novas ordens fossem emitidas, uma vez que foi anunciado, depois do Conselho de Ministros desta sexta-feira, a decisão de levantar a cerca sanitária em Ovar a partir da meia-noite e passar do estado de calamidade decretado há um mês para o estado de emergência, ainda que com algumas restrições específicas. Até lá, houve quem tivesse sido mandado para trás e quem tivesse esperado pela hora certa para saber como iria funcionar tudo.
Noutro ponto de acesso à cidade, e também a acompanhar as forças de segurança, o presidente da Câmara Municipal de Ovar disse estar satisfeito com o levantamento da cerca sanitária, mas alertava: a decisão não significa que se vai baixar a guarda. “Há um mês estivemos todos juntos em frente à Câmara com a notícia do decreto de estado de calamidade. Agora, volvidos 30 dias, temos este misto de felicidade, satisfação, mas também de enorme responsabilidade. Passamos para um estado de emergência nacional igual ao resto do país, mas com algumas limitações especiais para Ovar”, explicou Salvador Malheiro, em declarações aos jornalistas.
Logo após a meia-noite foi dada a ordem: a cerca sanitária era para ser levantada, ainda que com a garantia de que continuariam a existir postos móveis na estrada para manter algum controlo. Sem qualquer tipo de cerimónia ou curiosos para ver o gesto, os agentes começaram a retirar as grades e os cones que limitavam a circulação nos vários pontos de acesso. Demorou um mês a acontecer, mas em menos de cinco minutos as barreiras físicas foram levantadas. Um gesto que, avisa mais uma vez Salvador Malheiro, “é uma boa notícia, mas traz muita responsabilidade para todos”.
Dentro da cidade, e em boa parte pela hora tardia, o cenário não mudou muito com o levantamento da cerca sanitária. As ruas continuaram sem qualquer tipo de movimento, os estabelecimentos encerrados e a estação ferroviária de Ovar permanecia de portas fechadas. Nesta estação e nos restantes apeadeiros, os comboios retomam as paragens e voltam a receber passageiros a partir da meia-noite de segunda-feira, dia 20 de abril.
Com o levantamento da cerca sanitária, referiu o capitão Vítor Ribeiro, da GNR, o controlo passará a ser feito noutra vertente. “Neste momento deixa de haver um controlo propriamente dito do confinamento do município. Deixamos de ter cerca de 92 estradas condicionadas e passamos a ter um controlo condicionado, mas de forma aleatória e direcionado para locais facilmente frequentados por alguns cidadãos, nomeadamente na zona balnear. Teremos o cuidado de direcionar todo o policiamento para zonas onde facilmente se encontre um maior aglomerado de cidadãos”, explicou também em declarações aos jornalistas.
Na tarde desta sexta-feira, Salvador Malheiro também já tinha explicado que, apesar da mudança do estado de calamidade para o estado de emergência, continuariam a existir regras a cumprir para evitar o contágio. Ovar está agora “num estado de emergência especial, que não é igual ao resto do país”. O decreto de lei aprovado pelo Governo determina que está interdita a circulação e permanência de pessoas na via pública, “incluindo as deslocações com origem ou destino no concelho”. As exceções são as atividades urgentes e necessárias, como a aquisição de bens alimentares, de higiene ou farmacêuticos, o acesso a cuidados de saúde e as deslocações para o trabalho — com uma declaração da entidade empregadora.
Além disso, nenhum munícipe de Ovar que tenha mais de 60 anos ou seja um doente de risco vai poder trabalhar e é obrigatório o uso de máscaras por parte dos trabalhadores que se encontrem dentro de estabelecimentos com ligação ao público. O autarca vai mais longe e recomenda a todos: “Por favor, usem a máscara todos os dias. Que cada um se comporte como se fosse um infetado ou potencial infetado. E para isso tem de se proteger, tem que usar máscara de forma natural, como um adereço do seu vestuário”.
A grande preocupação — agora que as barreiras físicas foram levantadas — está em garantir que a população não vai encarar isto como “um relaxamento, um alívio”. Os domingos com bom tempo, acrescenta o autarca, “são propícios às praias urbanas: Esmoriz, Cortegaça e Furadouro”. O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, já tinha avisado em conferência de imprensa: “Não é possível ir passear a Ovar ou comprar pão de ló, por exemplo, ou não poderemos ir às zonas balneares que existem no concelho”.
Para evitar a possibilidade de grandes aglomerados de pessoas — que pode levar a um novo foco de contágio da Covid-19 no concelho — haverá elementos da PSP e da GNR no controlo, uma vez que a circulação nas ruas para fins de lazer ou turismo está interdita. “Tudo depende muito da consciência das pessoas. Cabe-nos agora cumprir e dar o exemplo”, sublinhou Salvador Malheiro.