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Anadolu Agency via Getty Images

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Uma falha situada em terra e o efeito triggering. O que explica a destruição provocada pelo sismo na Turquia?

A falha que deu origem ao sismo registado esta madrugada está localizada em terra. Chama-se falha do leste da Anatólia e é precisamente a sua localização que pode explicar o nível de destruição.

A terra tremeu esta segunda-feira e perderam-se milhares de vidas na Turquia e na Síria. No epicentro do sismo de magnitude de 7,8, de acordo com a escala de Richter, registado esta madrugada em território turco, há um completo puzzle de placas tectónicas – que dividem a superfície terrestre.

Nesta  que é uma das zonas com mais atividade sísmica do mundo, encontram-se ali três grandes placas tectónicas — a da Eurásia, da Arábia e a do leste de África — e há um nome a ter em conta pelo perigo que representa: as falha da Anatólia. Nasceram precisamente da energia libertada pelas três outras grandes placas que passam naquele território. A do leste foi a que provocou a tragédia desta segunda-feira.

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“São estruturas de grande dimensão, capazes de gerar sismos como estes, ou até maiores”, explicou ao Observador Fernando Carrilho, chefe de divisão de geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). O primeiro sismo, de magnitude 7,8 foi registado por volta da uma da manhã, mas logo outros abalos se seguiram, como é habitual nestes casos e como regista o Centro Sismológico Euro-Mediterrâneo (EMSC, na sigla em inglês).

Mas aqui o cenário é ligeiramente diferente. É como se tivéssemos um pedaço de vidro partido e mexêssemos num dos pedaços. Uma das consequências é que outros pedaços de vidro também se mexem. Foi  precisamente o que aconteceu neste território. O sismo registado na falha do leste da Anatólia provocou sismos noutras falhas — a isto chama-se triggering“É um mecanismo desencadeador. O primeiro sismo pode ter desencadeado um segundo. Há uma falha que mexe, que vai desequilibrar os campos de tensão dessa zona e o outro sismo é desencadeado pelo primeiro, sendo comum que seja noutra falha”, explicou, também ao Observador, João Duarte, investigador do departamento de geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

"O primeiro sismo pode ter desencadeado um segundo. Há uma falha que mexe, que vai desequilibrar os campos de tensão dessa zona e o outro sismo é desencadeado pelo primeiro, sendo comum que seja noutra falha". 
João Duarte, investigador do departamento de geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

E a enorme dimensão quer do primeiro sismo, quer dos sismos que se registaram depois ao longo do dia, são consequência do facto de esta falha se situar em terra. Como evidenciou o coordenador do IPMA, Fernando Carrilho, “a falha, estando principalmente em terra, estará mais próximos das cidades, vilas e aldeias”. “Há uma maior proximidade dos pontos fracos, digamos assim. Obviamente, se o sismo tivesse ocorrido no mar, mais longe da costa, os efeitos em terra seriam, à partida, menores por causa do fator distância.”

Os vários movimentos das falhas ali existentes, todas já conhecidas da comunidade científica, terão um comprimento de rutura próximo dos 300 quilómetros de extensão, como é possível perceber através do mapa publicado pelo EMSC, em que os pontos vermelhos representam os sismos registados naquela região, que é considerada uma das mais perigosas (e mortais) em termos sísmicos na Europa. O movimento também é bastante rápido: a placa Arábica anda cerca de 1,5 cm por ano, muito mais que as placas que tornam Portugal também uma das zonas de risco.

A falha ao largo dos Açores-Gibraltar é igualmente perigosa?

Portugal também fica numa confluência de três placas, como a Turquia, mas que se movem muito mais lentamente. São a placa euroasiática e a norte-americana, que se estão a afastar uma na outra, num movimento de divergência que é responsável pela intensa atividade sísmica nos Açores; e a africana, que roça na euroasiática, porque há entre elas um limite transformante que não destrói nem cria nova crosta terrestre, mas acumula tanta energia nas rochas que cria sismos devastadores quando se liberta. E no meio delas, há também um outro nome a ter em conta: o nosso país situa-se ainda numa zona muito particular da placa euroasiática: a microplaca ibérica. Esta microplaca movimenta-se para leste e está a colar-se à placa asiática. Mas também é influenciada pela placa africana, que está a andar para noroeste. Ou seja, à medida que a placa africana se mexe, ela comprime a microplaca ibérica.

A cerca de 300 quilómetros da costa algarvia, existe também como na Turquia uma zona de falha que vem do largo dos Açores até Gibraltar. Traça o limite entre a placa africana e a placa ibérica. Como acontece na Turquia com a Anatólia. Esta zona já gerou sismos equivalentes ao registado esta segunda-feira. Quer o sismo de 1755, que teve uma magnitude bastante superior – ao que se pode calcular, já que não havia registos à época, poder ter andando entre os 8,7 e os 8,9 e ter sido um dos maiores de sempre a nível mundial — , quer o de 1969, de 7,9, tiveram o se epicentro no Banco de Gorringe, uma montanha ao largo do cabo de S. Vicente tão alta quase como os Alpes. Acontece que a destruição que se viu sobretudo na cidade de Lisboa em 1755 a começar pela zona ribeirinha, não foi provocada pelo sismo, mas sim pelo tsunami que lhe sucedeu. E que os 13 mortos de 69, não foram mais, por uma razão especial.

Ao contrário daquilo que aconteceu na Turquia, em que epicentro do sismo foi registado em terra e as falhas estão situadas precisamente por baixo das construções, em Portugal o caso será sempre diferente. Como explicou João Duarte, os sismos ocorrem a centenas de quilómetros da costa e, “portanto, apesar de gerar um sismo com grande magnitude, a intensidade que é sentida é muito menor”. “Quanto mais longe, menos sentimos. Podemos ter uma magnitude equivalente, mas as nossas estruturas estão afastadas, pelo menos das falhas capazes de gerar sismos destas magnitudes.”

“Quanto mais longe, menos sentimos. Podemos ter uma magnitude equivalente, mas as nossas estruturas estão afastadas, pelo menos das falhas capazes de gerar sismos destas magnitudes”.
João Duarte, investigador do departamento de geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

E aqui é importante estabelecer a diferença entre magnitude e intensidade, precisamente para perceber as diferenças que existem em sismos de magnitudes semelhantes. “A magnitude é a medida da energia do sismo e é medida no sítio da fonte. No caso do sismo da Turquia, a magnitude foi de 7,8. E a intensidade depende da distância do sismo. Ou seja, se estivermos em cima do epicentro, podemos ter uma intensidade de 9”, clarificou o investigador do departamento de geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Então, à medida que nos afastamos do epicentro, a intensidade vai diminuindo e basta olhar para os edifícios: “Quanto mais longe estamos, menos intenso será. As zonas de intensidade mais elevada são as zonas mais destruídas”, indicou.

É possível prever um sismo desta dimensão?

É verdade que a Turquia é um país em que os sismos são uma realidade bastante frequente – só este ano, foram registados mais de 20 mil abalos, todos de magnitude e intensidade bastante inferior ao da última madrugada. E, também por isso, os investigadores tinham noção de que a Turquia poderia ser palco de um nível de destruição semelhante ao que se viveu esta segunda-feira.

Isto, porque, os sismos são cíclicos e, neste caso específico, a frequência é elevada. Há pouco mais de 10 anos, em 2011, mais de 17 mil pessoas morreram na cidade de Izmit, por exemplo, com os sismógrafos a registar uma magnitude ligeiramente inferior à registada agora, de 7,4.

Mas para prever este tipo de acontecimentos, os geólogos precisariam de saber três informações, explicou João Duarte: “Onde é que vai ser o sismo, qual será a magnitude do sismo e quando é que vai ser”. Em relação aos primeiros dois pontos – o local e a magnitude –, é relativamente fácil antecipar. “O que é muito difícil dizer é exatamente quando”. “Estamos a falar de processos geológicos, que ocorrem em escalas de tempo muito grandes. Podemos dizer que existe uma grande probabilidade de existir um sismo de magnitude 8 nesta falha nos próximos 100 anos”, acrescentou.

“O Japão tem um enorme historial de acontecimentos sísmicos e foi desenvolvendo técnicas de construção anti-sísmica, que permitem que os edifícios suportem os movimentos fortes praticamente sem danos, pelo menos sem colapsos. Isto não acontece noutras partes do mundo. Geralmente, quanto mais pobres, mais difícil é assegurar esta resistência aos sismos”.
Fernando Carrilho, chefe de divisão de geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA)

Apesar de não ser possível dizer exatamente quando é que o sismo vai acontecer, as previsões a longo prazo podem servir para prevenir, sobretudo em relação aos edifícios. E aqui o Japão, o Chile, e os Estados Unidos servem de exemplo. No caso do Japão, é evidente a eficácia da prevenção, aliada ao facto de o epicentro dos sismos se localizar no mar e não em terra. Olhando para as últimas notícias sobre sismos registados naquele país, encontra-se, entre vários, o caso do sismo de magnitude 7,4, em março do ano passado, que provocou quatro mortos e mais de 100 feridos – um número consideravelmente baixo quando comparado com os milhares de vítimas mortais já confirmadas na Turquia.

Quatro mortos e mais de 100 feridos após sismo em Fukushima, no Japão

“O Japão tem um enorme historial de acontecimentos sísmicos e foi desenvolvendo técnicas de construção anti-sísmica, que permitem que os edifícios suportem os movimentos fortes praticamente sem danos, pelo menos sem colapsos. Isto não acontece noutras partes do mundo. Geralmente, quanto mais pobres, mais difícil é assegurar esta resistência aos sismos”, explicou Fernando Carrilho. E a Turquia é um exemplo desta falta de investimento nas infraestruturas.

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