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Vacinação indevida no Cerco a jovens de 18 anos: o que aconteceu e como se chegou à demissão da diretora do centro?

A vacinação de jovens a partir dos 18 anos num centro do Porto levou à abertura de um inquérito. Diretora pediu a demissão, mas há profissionais que concordam com o que foi feito. PSP esteve no local.

Nas duas portas de acesso do centro de vacinação do Cerco, no Porto, – uma destinada às primeiras doses e uma outra para as segundas tomas — está afixado esta sexta-feira um papel onde se pode ler: “Hora aberta a partir dos 50 anos do nosso agrupamento (Bonfim, Campanhã e Paranhos)”. Há exatamente dois dias, esta não era a regra aplicada naquele centro pelos profissionais de saúde — na passada quarta-feira vários jovens a partir dos 18 anos foram vacinados no local, algo que só deveria acontecer a partir do dia 4 de julho. O caso já está a ser investigado pelas autoridades, mas há profissionais de saúde que defendem a solução adotada pela diretora executiva do ACES – Porto Oriental, que entretanto já pediu a demissão.

Tudo começou com um anúncio publicado no site e nas redes sociais da Junta de Freguesia de Campanhã, que dava conta de uma vacinação aberta, sem qualquer indicação de idades, nos dias 23 e 24 de junho, entre as 17h e as 19h30. “Celebre o S. João no centro de vacinação!”, lia-se no convite assinado pelo Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Porto Oriental. Ernesto Santos, presidente da Junta de Freguesia de Campanhã, esclareceu ao Expresso que “a única coisa que [fez] foi publicar no Facebook da Junta um post a pedido da diretora do ACES local a anunciar dois dias de vacinação ‘Porta Aberta’ ao final dos dias 23 e 24 de junho”, afirmou, acrescentando que “se foi um caso excedente de doses de vacina” até concorda com a opção de um regime de vacinação livre.

Rui Oliveira/Observador

Nos comentários a esta publicação nas redes sociais, muitos agradecem a iniciativa, outros reclamam que esperaram duas horas na fila e no final foram informados pelo enfermeiro chefe de serviço que não seriam vacinados menores de 50 anos. Uma enfermeira, contratada pela Administração Regional de Saúde do Norte em abril para reforçar a equipa neste centro de vacinação e que preferiu não ser identificada, explicou esta sexta-feira ao Observador como foi colocada em prática a estratégia adotada pelo ACES.

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“Entre as 13h e as 20h preparei cerca de 400 doses”

“Foi uma decisão superior que ninguém contestou. A nossa missão é vacinar”, começou por dizer a enfermeira, revelando que no passado dia 23 trabalhou durante o turno da tarde e foi alocada à sala de preparação das vacinas. “Trabalhei entre as 13h e as 20h e posso dizer que preparei cerca de 400 doses. No dia seguinte estava de folga e não sei o que se passou”, afirma, rematando que, depois de todas as notícias, esta sexta-feira “o assunto é um pouco tabu internamente”.

A mesma profissional diz, porém, concordar com o regime de vacinação livre aplicado nos dois dias, justificando que o centro “tem muitos faltosos” e que “se os mais velhos não querem ser vacinados, os mais novos são mais propícios às vacinas”, algo que, segundo esta enfermeira, “é positivo e poderá mesmo evitar uma quarta vaga”.

No passado dia 18, o Observador tinha visitado o centro de vacinação do Cerco e falou com Dulce Pinto, diretora executiva do ACES – Porto Oriental, que já dava conta da alegada “falta de adesão da população à vacinação”, o que, aparentemente justificou a decisão de abrir o centro a outros utentes, sem qualquer limite de idade ou sem agendamento prévio.

“Sabemos que do agendamento por SMS cerca de 35% das pessoas faltam, confirmam e não vêm ou não confirmam de todo. Isto acontece por infoexclusão ou porque recusam mesmo a toma da vacina (…) No último fim de semana esteve um tempo espetacular e tivemos apenas 25% da agenda preenchida. Temos muitos faltosos e as consequências são nossas porque temos meios, recursos, vacinas e enfermeiros, mas perdemos oportunidades de vacinação”, lamentava na última semana a então responsável.

As longas filas de espera e a intervenção da PSP para conter os mais jovens

E não foram só os profissionais de Saúde e os utentes a saberem da vacinação dos mais novos, até a polícia foi chamada ao local por queixas destes. Um dos elementos da equipa de segurança do centro do Cerco explicou ao Observador como nem sempre fora fácil trabalhar nos dias 23 e 24 de junho, com a opção de abrir a todos a vacinação.

“No dia 23 durante à tarde veio muita juventude, achei estranho. Depois ao fim da tarde, antes das 20h, muitos dos que estavam cá fora perceberam que não havia mais vacinas e começaram a revoltar-se com insultos. A PSP acabou por aparecer aqui para acalmar os ânimos, penso que foi a administração do próprio centro que os chamou. No dia 24 não verifiquei tantos jovens, acho que deixou de ser permitido vaciná-los.” O Observador contactou o Comando Metropolitano da PSP Porto para confirmar esta ação no Cerco, mas até à publicação deste artigo não obteve qualquer resposta.

Rui Oliveira/Observador

Uma das pessoas dessa fila foi a apresentadora portuense Maria Cerqueira Gomes, de 38 anos, que na passada quarta-feira foi vacinada juntamente com a sua filha Francisca, de 18. As duas registaram o momento e partilharam-no nas redes sociais, gerando várias críticas. Um dia depois, a apresentadora da TVI justificou-se, dizendo que “pessoas a partir dos 18 anos” podiam aparecer no centro de vacinação do Cerco. “Eu fui vacinada, a minha filha também… Como todos os outros que souberam e [es]tiveram horas como nós à espera de oportunidade”, escreveu, indicando que quinta-feira, dia 24, o centro iria “fazer igual”.

A apresentadora explicou esta sexta-feira à TVI como tomou conhecimento desta possibilidade: “Recebi uma mensagem de uma amiga que estava a ser vacinada no Cerco e que tinha acabado de receber informações no local de que iria ocorrer nas seguintes duas horas o chamado vacinação aberta a partir dos 18 anos.” Após saber desta informação, Maria Cerqueira Gomes dirigiu-se ao Cerco, recebeu uma senha e tentou perceber mais detalhes junto de uma enfermeira. “Ela disse que, de facto, estavam a considerar uma quarta vaga em que muito provavelmente o público mais atingido seria o público mais novo, tinham vacinas em excesso e que, portanto, decidiram abrir nesse dia e no dia seguinte.”

A enfermeira com quem o Observador falou e que preparou as doses de vacinas para serem administradas nesse dia conta que ouviu falar em filas enormes, mas não teve tempo para “respirar ou urinar”. Apesar da grande procura, assegura que “já houve dias muito piores”, em que foi obrigada a trabalhar horas extra. “O stock de vacinas esgotou nesse dia por volta da hora do fecho, pelas 20h, mas já houve dias em que sai daqui às 23h. Desta vez, não foi o caso.”

Esta sexta-feira, o Observador tentou contactar a enfermeira chefe de serviço, mas a mesma recusou prestar quaisquer declarações. Recorde-se que o centro de vacinação do Cerco conta com 12 enfermeiros a trabalhar a tempo inteiro, faz diariamente mil inoculações nos 10 postos de vacinação disponíveis e semanalmente recebe entre cinco a seis mil vacinadas para serem administradas.

Rui Oliveira/Observador

Daniel tem 21 anos, soube que os amigos foram vacinados, e tentou esta sexta-feira a sua sorte

Esta sexta-feira, o centro de vacinação do Cerco estava concorrido ao início da tarde. Se na porta para as primeiras doses, o ambiente era calmo e silencioso, na zona das segundas tomas o cenário era bem diferente. “Não posso ficar aqui ao sol”; “Não posso esperar mais, o meu patrão vai despedir-me”, “Já da primeira vez estive três horas à espera, isto é ridículo”, ouvia-se entre as dezenas de pessoas que esperavam pela sua vez debaixo dos 29 ºC que se faziam sentir. O segurança responsável por fazer as chamadas nesta porta ia dando a indicação de que algumas deveriam deslocar-se para o outro centro de vacinação do concelho, o que mareceu a indignação de muitos.

De saída, junto ao portão, está Daniel Azevedo, de 21 anos. “Ontem ligou-me um amigo meu a dizer que aqui estavam a vacinar pessoal da nossa idade e vim ver se conseguia, mas não tive sorte. Disseram-me que já dá e terei de esperar até dia 4 de julho”, disse ao Observador, visivelmente confuso. O jovem diz ter amigos com 19 e 20 anos que foram vacinados no Cerco com a vacina da Pfizer e queria ter pelo menos uma dose no braço antes de ir de férias. “Vou tentar agendar e ver se tenho mais sorte. O segurança disse-me para não confiar em tudo o que vejo na internet, mas expliquei-lhe que não li nada, disseram-me.”

Um inquérito, uma queixa à PJ e uma suspensão: as consequências do caso

Após a polémica instalada nas redes sociais, esta quinta-feira a ARS do Norte abriu um inquérito para apurar as circunstâncias da “vacinação, aparentemente indevida, de alguns utentes num centro de vacinação do ACES Porto Oriental”. “Iremos aguardar os resultados do inquérito que já esta em curso”, adiantou esta tarde fonte oficial ao Observador, não dando, porém, mais detalhes sobre o assunto, incluindo o número de jovens vacinados nos dois dias de “porta aberta”.

Já ao início da noite, o Ministério da Saúde confirmou que Dulce Pinto, diretora executiva do Agrupamento de Centros de Saúde do Grande Porto VI – Porto Oriental, havia pedido a demissão na sequência deste caso.

Esta é já a segunda vez que Dulce Pinto é afastada das suas funções no ACES Porto Oriental — em 2012 um currículo falso valeu-lhe o mesmo destino, numa polémica envolveu uma série de nomeações para estruturas na dependência direta da ARS do Norte.

Vacinação de jovens. É a segunda vez que Maria Dulce Pinto, diretora do ACES do Porto Oriental, é afastada de funções

Esta sexta-feira também o Vice Almirante Gouveia e Melo, coordenador da task force para a vacinação contra a Covid-19, se pronunciou sobre o caso, revelando que participou à Polícia Judiciária e à Inspeção-Geral de Atividades em Saúde um caso de alegada vacinação indevida de utentes no Porto. “Mal tivemos um mínimo de dados [sobre o caso] fizemos uma participação ao nosso contacto com a Polícia Judiciária e outra à IGAS”, afirmou, sublinhando que a situação “consagra uma desobediência clara ao plano de vacinação”.

Questionado sobre um possível aumento de vigilância, o coordenador para a task force garantiu que ela é “sempre apertada”, mas que “ninguém está livre, num meio de uma organização, de fazer uma coisa deste género”. “Eu não posso demitir as pessoas, pedi à estrutura para tirar as consequências. Tem de haver disciplina e num plano desta complexidade e desta urgência isto vai ter de acontecer de uma forma ou outra”, assegura Henrique Gouveia e Melo. Atualmente, segundo a task force, estão a ser vacinados por agendamento central maiores de 30 anos, enquanto o auto agendamento está reservado a pessoas com mais de 35 anos.

Polémica com jovens vacinados. ARS abre inquérito e task force participa à PJ imunização de filha da apresentadora Maria Cerqueira Gomes

Já o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, não quis pronunciar-se sobre o caso por ainda desconhecer o que aconteceu, mas admitiu que as coisas “possam correr menos bem”. “Não conheço o caso na sua especificidade”, afirmou, admitindo que por ser “um processo muito complexo do ponto de vista logístico e operacional, é natural que pontualmente e em determinadas circunstâncias possa correr menos bem“. “Estamos cá para ir corrigindo com serenidade, fazendo uma avaliação caso a caso, teremos de fazer essa avaliação num inquérito e aguardar pelas suas conclusões”, rematou Lacerda Sales.

O Ministério Público anunciou, também esta sexta-feira, que abriu 216 inquéritos crime relacionados com fraudes no processo de vacinação contra a Covid-19, dos quais 30 já foram concluídos, e constituiu até ao momento mais de 50 arguidos. “Na sequência das notícias vindas a público e persistindo factos que levantam suspeitas da continuação de eventuais desvios ou fraudes no processo de vacinação contra a Covid-19, comunica-se que foram, até ao momento, iniciados 216 inquéritos crime, de Norte a Sul do país, incluindo regiões autónomas, sobre esta matéria”, refere a Procuradoria-Geral da República (PGR), em comunicado.

A PGR adianta que, dos 216 inquéritos, há cerca de 30 cujas investigações desenvolvidas pela Polícia Judiciária foram já concluídas e remetidas aos respetivos titulares. O mesmo comunicado dá conta que, até ao momento, foram constituídos mais de 50 arguidos, estando em causa indícios da prática dos crimes, sobretudo, de recebimento indevido de vantagem, abuso de poder, peculato, apropriação ilegítima ou abuso de confiança.

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