Índice
Índice
A partir de agora, tudo se complica para Donald Trump. Depois de dois anos a governar com os três órgãos mais importantes para a vida política dos EUA, além da Casa Branca, do seu lado — a Câmara dos Representantes, o Senado e, noutro plano, o Supremo Tribunal —, o 45º Presidente dos EUA vai, a partir desta quinta-feira, governar sem um dos apoios deste tripé fundamental, numa arena política cada vez mais polarizada.
Ditaram as eleições intercalares de novembro de 2018 que o Senado irá manter-se republicano — e, por isso, genericamente do lado de Donald Trump — por mais dois anos. Mas as mesmas eleições também marcaram uma viragem na Câmara dos Representantes.
Pela primeira vez desde 2011, a partir de 3 de janeiro de 2019, a câmara mais baixa do Congresso vai voltar a ser controlada pelo Partido Democrata. No atual momento político, com o shutdown parcial do governo a servir de prova para aquilo que é um momento baixo da cooperação entre partidos, os democratas vão passar a ter apenas um alvo durante os próximos dois anos: atingir Donald Trump.
Teoricamente, o Partido Democrata pode começar um processo de impeachment do Presidente dos EUA a partir da Câmara dos Representantes — mas o mais provável seria que este viesse a esbarrar no muralha republicana do Senado. Isto não significa, porém, que os democratas na Câmara dos Representantes fiquem apenas no campo das intenções. Antes pelo contrário — agora têm uma forma para cumprirem o objetivo de atingir Donald Trump: investigá-lo e aos seus mais próximos em comissões de inquérito parlamentar.
Para tudo isto há já um termo a circular nos corredores de Washington D.C.: canhão de intimações. Deverá ser através de intimações judiciais, para as quais o Congresso está habilitado, que os democratas vão obrigar Donald Trump e os seus próximos a colaborar com as sessões de inquérito parlamentar que se seguem. Uma das intimações mais aguardadas será a que pedirá a Trump a sua declaração fiscal, que, à revelia do que é norma, o republicano não divulgou durante a campanha de 2016. Além disso, podem chamar para sessões de inquérito membros-chave da equipa do Presidente — entre os quais, os seus filhos e genro, que no verão de 2016 estiveram presentes numa reunião com uma advogada ligada ao Kremlin, que lhes prometeu informações privilegiadas sobre Hillary Clinton — por acharem que as sessões de inquérito feitas até agora, sob a orientação dos republicanos, não foram suficientes.
A partir dali, acreditam os democratas, poderão ser vislumbradas as pistas que podem pôr Donald Trump em xeque.
De acordo com o Axios, os democratas têm neste momento 85 focos de investigação de possíveis crimes cometidos por Donald Trump ou por pessoas à sua volta que terão agido para beneficiá-lo. Entre estes, há três que podem levar o Presidente dos EUA ao seu maior desafio, desde que chegou à Casa Branca.
“Rússia, se estiverem a ouvir…”
Ainda a palavra “conluio” não fazia parte do glossário básico da política norte-americana, Donald Trump já fazia um pedido público à Rússia: “Rússia, se estiverem a ouvir, espero que consigam encontrar os 30 mil emails que estão desaparecidos”.
Era 27 de julho de 2016 e Trump insistia naquela que era, à altura, a maior polémica de Hillary Clinton, a sua adversária nas eleições. Durante o seu tempo enquanto secretária de Estado, no primeiro mandato de Barack Obama na Casa Branca, Hillary Clinton usou uma conta de email pessoal, alojada num servidor com base na garagem da sua casa, quando as regras ditavam que utilizasse apenas a sua conta oficial, em teoria mais segura. O caso foi investigado por 150 inspetores do FBI e alvo de uma comissão de inquérito. Durante esse processo, Hillary Clinton divulgou alguns dos seus e-mails, mas escolheu não partilhar, e depois apagar, 30 mil que garantia dizerem respeito a assuntos pessoais e não profissionais.
O FBI, então liderado por James Comey, determinou que Clinton e os membros da sua equipa tinham sido “extremamente descuidados na maneira como lidaram com informação sensível e altamente classificada”. Ainda assim, Comey não recomendou à Procuradoria-Geral dos EUA que investigasse o caso.
Fora das autoridades norte-americanas, porém, havia quem andasse a fazê-lo. Nesse mesmo dia, poucas horas depois, ter-se-ão dado as primeiras tentativas de hackers russos de entrar na conta pessoal de Hillary Clinton. Foi pelo menos essa a conclusão do despacho de acusação elaborado pelo procurador especial Robert Mueller, o ex-diretor do FBI que, em maio de 2017, assumiu a liderança daquela que será, provavelmente, a investigação mais polémica da política norte-americana, desde o Watergate.
Até agora, a investigação do alegado conluio da campanha de Donald Trump com a Rússia para influenciar o resultado das eleições de 2016 não chegou a tocar diretamente no Presidente. É a esse lado da medalha que Donald Trump se agarra — mas o reverso é muito mais complicado.
Desde que Robert Mueller assumiu a investigação, já foram feitas 26 acusações, todas dirigidas à Rússia — mais especificamente, a 13 cidadãos e três entidades, por tentarem interferir com o sistema de votação nas eleições presidenciais, e a agentes dos serviços secretos militares de Moscovo, o GRU, por terem entrado de forma ilegal nas contas de e-mail de membros da campanha de Hillary Clinton (entre eles o diretor de campanha, John Podesta) e divulgado através da Wikileaks várias trocas de correspondência, entre elas algumas assinadas por Hillary Clinton.
Mas o dedo de Robert Mueller não chegou apenas a russos — também há norte-americanos na lista do procurador. O nome mais sonante foi também aquele que sofreu com as consequências legais mais pesadas: Paul Manafort, o veterano consultor político e diretor de campanha de Donald Trump entre junho e agosto de 2016, admitiu e foi condenado pelos crimes de evasão fiscal, fraude bancária e ocultação de conta bancária no estrangeiro. Os mais de 60 milhões de dólares que escondeu em contas no estrangeiro foram pagos por Viktor Yanukovitch, o ex-Presidente pró-Rússia da Ucrânia, para quem Paul Manafort trabalhou como consultor na eleições de 2010.
A reação de Donald Trump à condenação do seu segundo diretor de campanha foi a de negar responsabilidades e de referir que Paul Manafort existe muito para lá daqueles meses das eleições presidenciais de 2016.
“Ele trabalhou com muitas pessoas ao longo dos anos. Sinto-me muito triste por isto. Não me envolve em nada, mas ainda assim sinto-me… É muito triste o que aconteceu. Isto não tem nada a ver com o conluio com a Rússia. Isto começou como sendo do conluio com a Rússia, mas não tem absolutamente nada a ver — isto é uma caça às bruxas e é uma vergonha”, disse Donald Trump, antes de subir a bordo de um helicóptero, cujas hélices rodavam de forma ruidosa, quase abafando a reação a quente do Presidente dos EUA. “Isto não tem nada a ver com o que eles começaram a procurar sobre russos envolvidos com a nossa equipa de campanha. Não houve nenhuns! Sinto-me muito mal pelo Paulo Manafort. Mais uma vez, ele trabalhou para o Bob Dole, trabalhou para o Ronaldo Reagan, trabalhou para muita gente.”
Desde que Paul Manafort foi condenado, Donald Trump tem procurado desvincular-se do seu ex-diretor de campanha — mas há sinais que indicam que, da sua parte, o veterano consultor político está disposto a puxá-lo para mais perto de si. Em setembro, numa tentativa de reduzir a sua pena e também de conseguir uma postura mais benevolente junto de Robert Mueller nos casos que ainda estão por fechar, a defesa de Manafort anunciou que o seu cliente estava disposto a cooperar com a investigação sobre o alegado conluio com a Rússia.
E não seria apenas ele a admitir crimes que podem vir a manchar o Presidente dos EUA. Há ainda outros dois nomes que admitiram ter mentido no testemunho que inicialmente prestaram a Robert Mueller e que estão ligados a Paul Manafort: o seu sócio, Rick Gates, que foi o número dois da campanha de Donald Trump durante e também depois do consulado daquele consultor político; e o advogado holandês Alex van der Zwaan, que esteve ao lado de Paul Manafort enquanto este trabalhou para Viktor Yanukovitch.
A esses somam-se ainda outros nomes no círculo mais próximo de Donald Trump que entretanto caíram — e que, mais uma vez, podem levá-lo mais perto da própria queda. Um deles é Michael Flynn, o conselheiro de Donald Trump para a Segurança Nacional que não chegou a estar um mês no cargo. Por trás da sua demissão esteve uma reunião, em 2016, com o então embaixador da Rússia, Sergei Kislyak, e sobre a qual mentiu ao vice-Presidente — e, como mais tarde veio a admitir, também no depoimento ao procurador Robert Mueller.
Flynn também aceitou cooperar com o FBI na investigação ao alegado conluio com a Rússia, mas isso pode não lhe dar grandes atenuantes. A 18 de dezembro, a leitura da sentença no seu caso voltou a ser adiada, mas, ainda assim, as palavras que o juiz Emmet Sullivan lhe dirigiu não auguram uma postura branda. “Vou ser honesto consigo. Isto é um crime muito grave”, disse, em relação ao crime de falso depoimento ao FBI.
Depois, há também George Papadopoulos, ex-conselheiro de política internacional na campanha de Donald Trump, que atualmente cumpre pena de prisão em regime parcial, após ter admitido que também mentiu nos depoimentos que fez ao ser interrogado por Robert Mueller. Quando falou com o procurador especial, Papadopoulos mentiu sobre os contactos que fez para tentar agendar uma reunião entre Donald Trump e Vladimir Putin.
O ex-conselheiro admitiu ter sido contactado por um professor de Malta, Joseph Mifsud, de quem se pensa ter altos contactos com o Kremlin e cujo atual paradeiro é desconhecido. Mifsud terá acenado ao então conselheiro de Donald Trump com a possibilidade de uma reunião com Vladimir Putin. Além disso, Papadopoulos entrou em contacto com uma mulher russa, que o enganou dizendo que era sobrinha do Presidente russo, com a qual trocou correspondência sobre política internacional. Ainda assim, a correspondência mais relevante no arquivo do ex-conselheiro é o email alegadamente enviado em março de 2016 a algumas pessoas da cúpula da campanha de Donald Trump. Segundo a CNN, esse email vinha escrito com o assunto “Reunião com líderes russos — incluindo Putin”.
E há ainda outro nome na lista daqueles que admitiram ter agido contra a justiça enquanto desempenhavam funções por Donald Trump. É precisamente o homem que, durante anos a fio, tentou poupar o agora Presidente a todas as chatices legais e que, agora, é a maior dor de cabeça do inquilino da Casa Branca: o seu ex-advogado, Michael Cohen. E o seu nome entrou para esta lista quando, ao remexer nas alegadas provas do conluio entre a campanha de Donald Trump e a Rússia, Robert Mueller percebeu que havia dinheiro a sair da órbita do então candidato para as contas de ex-amantes.
Quem pagou a Stormy Daniels — e como?
Nunca uma atriz pornográfica significou tanto para a política dos EUA — e, provavelmente, para a política de qualquer outro país. A atriz de filmes para adultos Stormy Daniels (Stephanie Clifford, no bilhete de identidade), foi um dos nomes mais falados na teia de rumores e suspeitas em torno de Donald Trump, depois de ter vindo a público contar que, no mês anterior às eleições de 2016, tinha recebido 130 mil dólares do advogado de Trump, Michael Cohen, em troca do silêncio sobre a noite em que tiveram relações sexuais.
Tudo remonta a 2006, altura em que Donald Trump terá passado uma noite com Stormy Daniels. Ele era, à altura, um conhecido magnata do imobiliário e uma personalidade de reality-shows; ela já tinha carreira feita na indústria do cinema pornográfico. O encontro extraconjugal acabou por ser relatado num blogue, pelo qual Stormy Daniels foi entrevistada. Porém, pouco crédito foi dado a essa história, que acabou por cair no esquecimento.
Dez anos depois, porém, já em 2016, Trump era candidato a Presidente dos EUA. E, em outubro desse ano, as possibilidades de vir a vencer as eleições tornavam-se cada vez maiores. Como tal, o advogado Michael Cohen entrou em contacto com Stormy Daniels para assinar com ela um pacto de silêncio sobre o encontro sexual de uma década antes. Daniels aceitou — mais tarde, sublinhou que apenas o fez por temer pela segurança da filha — e recebeu 130 mil dólares.
Mais do que uma intriga digna de novela, os detratores de Donald Trump acreditam que aqui existe um crime eleitoral, por haver uma despesa não declarada, já que o pagamento foi feito em plena campanha e, alegadamente, com o propósito de não prejudicar a imagem do republicano.
Quando confrontado com o caso pela primeira vez, Trump disse: “Perguntem ao Michael Cohen”. E o advogado, chamado a responder sobre o sucedido, tem mudado a sua versão do relato, à medida que o tempo foi passando — e, sobretudo, à medida que a justiça o encurralou.
Ao início, Michael Cohen disse ter feito aquele pagamento por iniciativa própria e usando dinheiro seu — sendo que, mais tarde, Donald Trump veio dizer que o reembolsou por essa despesa.
Porém, à medida que Robert Mueller foi investigando o caso, Cohen admitiu o seu crime. Em declarações à ABC, o ex-advogado de Trump disse que o pagamento foi feito com o conhecimento do seu antigo cliente — e também com o propósito de não prejudicar a sua campanha. “Recorde-se da altura em que tudo isto surgiu — cerca de duas semanas antes das eleições. Foi depois dos comentários a Billy Bush”, disse Michael Cohen, referindo-se à gravação em que Donald Trump se gabava de aproveitar do seu estatuto de personalidade pública para agredir sexualmente mulheres. “Por isso, sim, ele estava muito preocupado sobre como isto poderia afetar as eleições.”
Duas semanas depois desta entrevista, Cohen confessou e foi condenado por crimes financeiros, violação de regras de financiamento de campanhas e também por ter mentido em declarações ao Congresso.
Perante a condenação, Donald Trump negou ter ordenado Michael Cohen a fazer aquele pagamento a Stormy daniels. “Nunca lhe disse para fazer nada de errado, o que quer que tenha sido que ele fez, fê-lo por sua iniciativa”, disse o Presidente dos EUA à Fox News. Agora, os democratas vão querer ter a certeza se foi mesmo assim.
Um mundo de influências para lá da Rússia
Além da Rússia, há quem acredite que outros países tentaram influenciar a vitória de Donald Trump em 2016 — e há mesmo um juiz de Nova Iorque que, segundo o Wall Street Journal, está a investigar a possibilidade de a campanha do atual Presidente dos EUA ter recebido dinheiro por parte da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos e do Qatar.
De acordo com o The New York Times, em causa estão donativos que foram feitos por indivíduos de cada um daqueles países para benefício do comité organizador da cerimónia da tomada de posse de Donald Trump, em janeiro de 2017. O mesmo jornal refere que o dinheiro terá sido transferido para dois fundos geridos pelo multimilionário Thomas J. Barrack Jr. e, mais à frente, transferidos de forma dissimulada para um comité político de apoio a Trump. O visado nega qualquer suspeita, com o seu porta-voz a dizer que ele “nunca falou com pessoas ou entidades estrangeiras com o propósito de angariar dinheiro ou receber donativos relacionados com a campanha, com a tomada de posse ou qualquer atividade política”.
Serão 107 milhões de dólares, que se suspeita terem partido de personalidades como o ex-primeiro-ministro do Qatar, Jassim bin Jaber Al Thani, e também do empresário Rashi Al Malik, dos Emirados Árabes Unidos. Apesar de não serem referidos nomes de personalidades da Arábia Saudita, o The New York Times diz que há suspeitas de que o dinheiro também tenha partido daquele país.
Paralelamente, há ainda o caso de Michael Flynn — o ex-conselheiro de Donald Trump é acusado de ter agido como um agente contratado pelo regime de Recep Tayyip Erdoğan, Presidente da Turquia, a troco de 530 mil dólares. De acordo com o jornal The Hill, no verão de 2016, enquanto fazia parte da equipa de campanha de Donald Trump, Michael Flynn celebrou, paralelamente, um contrato com uma empresa holandesa com ligações ao governo turco. Em troca de mais de meio milhão de dólares, Michael Flynn terá aceitado produzir um documentário favorável à Turquia e crítico do clérigo Fetullah Gulen, que o Presidente turco acusa de ter organizado a tentativa de golpe de Estado de julho de 2016.
Também em relação a estes factps continua à espera de sentença. E também sobre eles ouviu palavras duras do juiz que presidiu ao julgamento: “Você era um agente não registado de um país estrangeiro, enquanto servia como conselheiro presidencial para a Segurança Nacional. Pode dizer-se que isto põe em causa tudo o que esta bandeira [a dos EUA] representa. Pode dizer-se que você vendeu o seu país”, disse o juiz. E completou: “Não vou esconder o meu repúdio e o meu desdém”. A partir desta quinta-feira, os democratas na Câmara dos Representantes também não.