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FRED DUFOUR/AFP/Getty Images

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Vai um suplemento de memória para ajudar nos exames?

Se está convencido que para passar nos exames basta tomar umas ampolas para a memória, é melhor pensar duas vezes. Até os cafés, as pastilhas elásticas ou as sardinhas podem dar melhor resultado.

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Quando somos crianças sonhamos com um truque de magia que nos faça acabar os trabalhos de casa rapidamente e nos deixe livres para brincar. Quando crescemos apercebemo-nos que existem uns comprimidos ou ampolas que nos prometem “magia” equivalente: melhorar a memória e concentração. Muitos alunos (e os pais) pensam que estes produtos permitem estudar sem parar e conseguir boas notas. Mas parece que não é bem assim.

“Há vários tipos de suplementos com várias finalidades, mas na realidade não fazem nada”, diz ao Observador Nuno Borges, professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto. “Uma alimentação correta é a melhor maneira de garantir que a função cognitiva é maximizada.”

Como se prova que funciona?

Estes suplementos prometem aumentar as capacidades cognitivas, mas também resolver problemas de cansaço, melhorar o sistema imunitário, resolver estados depressivos, aumentar o apetite (ou reduzir, consoante o público-alvo a que se destinem), prevenir o cancro, a osteoporose e os problemas cardiovasculares. O problema é que não existem ensaios clínicos (como os que são obrigatórios para os medicamentos) que confirmem que estes suplementos são eficazes naquilo a que se propõem.

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O conjunto de vitaminas, sais minerais e outros componentes não-farmacológicos destes produtos fazem com que sejam considerados suplementos alimentares e não medicamentos. É por isso que não são obrigados a cumprir os ensaios clínicos para demonstrar eficácia e segurança a que os medicamentos estão sujeitos. O facto de serem vendidos na farmácia não lhes traz mais validade, pois os mesmos podem igualmente ser comercializados num supermercado, na televisão ou na internet.

“Há vários tipos de suplementos com várias finalidades, mas na realidade não fazem nada. Uma alimentação correta é a maneira de garantir que a função cognitiva é maximizada.”
Nuno Borges, Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto

Bernardo Barahona Côrrea, médico na Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud, considera que “não há nenhuma evidência” de que os suplementos cumpram os fins que apregoam. “A pouca evidência que existe é nas pessoas com demência e mesmo assim é muito fraca”, diz ao Observador. No entanto, o neuropsiquiatra acrescenta: “Estou convencido que existe um efeito placebo importante”. Ou seja, quando se acredita que um determinado produto tem um certo efeito, este efeito pode mesmo manifestar-se.

Um suplemento alimentar, ou qualquer medicamento, que tenha eficácia em algum aspeto da saúde tem de ser fundamentado por uma investigação experimental com um método científico válido. Bernardo Barahona Côrrea explica que o estudo “deve sempre incluir um grupo de controlo que recebe um placebo, de forma a poder controlar os efeitos da sugestão – o doente, porque sabe que está a tomar uma droga nova que pode melhorar um aspeto relevante do seu funcionamento, tenderá naturalmente a sentir-se melhor”. Idealmente, nem o investigador, nem o sujeito da experiência devem saber quem vai tomar o placebo – ensaio duplamente cego -, e a escolha dos indivíduos que integram cada um dos grupos de teste deve ser feita de forma aleatória.

Existem outros dois pontos-chave apontados pelo médico. Por um lado, os dados devem ser comparáveis – o antes e o depois da toma de alguma substância -, como tal devem ser objetivos e quantitativos. A título de exemplo, a opinião de uma pessoa sobre como se sente é uma medida subjetiva. Por outro lado, qualquer ensaio que envolva humanos terá de ter a aprovação de um comité de ética que avalia “se estão a ser respeitados princípios básicos de segurança e se estão a ser devidamente acautelados os interesses dos doentes, incluindo a confidencialidade e a possibilidade de controlar o consentimento informado”.

Quem controla os suplementos alimentares que aparecem no mercado?

Se se tratassem de medicamentos, os suplementos alimentares só poderiam ser comercializados em Portugal mediante aprovação do Infarmed, a autoridade nacional do medicamento. Mas enquanto suplementos alimentares seguem, em grande parte, a legislação dos restantes produtos alimentares. “Estes produtos são géneros alimentícios com algumas especificidades, nomeadamente o facto de serem comercializados em forma doseada e constituírem fontes concentradas de nutrientes ou outras substâncias com efeito nutricional ou fisiológico”, diz ao Observador Marta Borges, chefe da Divisão de Alimentação Humana, Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), referindo-se ao Decreto-Lei nº 136/2003.

Uma empresa (ou o respetivo distribuidor) que coloque um suplemento alimentar à venda em Portugal só tem de notificar a entidade reguladora responsável pelo controlo oficial, a DGAV, que não tem o dever ou o poder para fiscalizar. À DGAV cumpre fazer uma amostra aleatória de alguns de todos os géneros alimentícios, e não exclusivamente os suplementos, que fazem esta notificação. É este controlo por amostragem que permite à DGAV verificar, por exemplo, se os ingredientes constantes no rótulo têm autorização de venda. Só os produtos selecionados aleatoriamente serão controlados, portanto existirão outros que estão a ser comercializados sem nunca terem sido sujeitos a este controlo. Podem até existir produtos no mercado que não fizera a devia notificação à DGAV.

“Esta notificação é apenas uma comunicação, não emitindo a DGAV qualquer autorização. A responsabilidade por garantir a qualidade e segurança é do operador económico.”
Marta Borges, Divisão de Alimentação Humana, Direção-Geral de Alimentação e Veterinária

A DGAV alerta para a falsa crença de que os suplementos alimentares são produtos naturais e, como tal, inócuos. “A maioria dos efeitos benéficos alegados não tem qualquer fundamento científico, ou decorrem de ensaios muito limitados que não respondem às exigências da comunidade científica.” Portanto, ainda que estes produtos tenham uma ação benéfica, se não houver prova científica “não podem alegar propriedades de tratamento ou cura de doenças e dos seus sintomas”. Sem falar que não existem estudos suficientes sobre a interação destes suplementos com os medicamentos e tratamentos convencionais, nem tão pouco da interação dos vários ingredientes de um mesmo suplemento.

O Ministério da Economia relembra que o Regulamento CE nº 1924/2006 estabelece as normas em relação às afirmações que as empresas podem fazer. “Entende-se por alegação de saúde qualquer alegação que declare, sugira ou implique a existência de uma relação entre categorias de alimentos, um alimento ou um dos seus constituintes e a saúde”, esclarece. “De acordo com o estabelecido neste regulamento são proibidas nos géneros alimentícios (incluindo os suplementos alimentares) as alegações de saúde que não estejam autorizadas em conformidade com o mesmo.”

“A Directiva 2000/13/CE proíbe, de forma geral, a utilização de informações que induzam em erro o comprador ou que atribuam propriedades medicinais aos alimentos.”
Rectificação ao Regulamento (CE) nº 1924/2006

Ainda que os suplementos alimentares sejam considerados alimentos e regulados pela legislação que vigora para estes, as vitaminas e sais minerais, usados como ingredientes dos suplementos, têm uma legislação própria definida pela União Europeia (Diretiva 2002/46/EC). A diretiva estabelece os máximos e mínimos considerando que “um consumo excessivo de vitaminas e minerais pode ter efeitos nocivos”, lê-se no site da Autoridade Europeia da Segurança Alimentar.

Um dos produtos disponíveis no mercado, apontado como específico para pessoas com mais de 50 anos, afirma ter “eficácia comprovada” e apresenta um artigo publicado no Jornal de Informação Biomédica e Biofarmacêutica, como fundamento da alegação. Mas, pelo que o Observador conseguiu apurar, esta publicação não aparece nas principais bases de referência.

“Embora esta escala tenha itens considerados representativos das queixas de memória comuns, os resultados podem não ser necessariamente generalizados a outros instrumentos de avaliação de queixas de memória”, referem os autores na conclusão do estudo que utiliza uma escala subjetiva de medição da memória. “Devido ao pequeno número de indivíduos, este estudo deverá ser repetido com uma população maior, ser duplamente cego e controlado com placebo”, acrescentam.

“As alegações de saúde devem assentar em provas científicas, para que não subsistam dúvidas quanto à sua veracidade e para proteção dos consumidores. O argumento ‘eficácia comprovada’ só pode ser utilizado se existir comprovação científica dos efeitos alegados”, esclarece ao Observador o Ministério da Economia que tutela a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), responsável por fiscalizar a comercialização destes produtos. “No que respeita à prova científica dos efeitos anunciados, esclarece-se que as alegações de saúde são aprovadas pela Comissão Europeia, na sequência da consulta à Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA), a quem cabe emitir parecer científico sobre esta matéria.”

“Na época de exames precisa de mais vitaminas? Não!”

“Na época de exames precisa de mais vitaminas? Não!”, afirma Nuno Borges sem dúvidas. “É incrivelmente improvável que seja necessário recorrer a suplementos durante a época de exames.” Se uma pessoa já tiver uma alimentação saudável, não vale a pena “tentar forçar” com suplementos de vitaminas.

O nutricionista prefere deixar outras recomendações, não só aos alunos, mas às futuras mães. “Se a mãe não se alimentar bem [durante a gravidez e amamentação] os filhos podem ter problemas a nível do desenvolvimento intelectual”. Nesse sentido, Nuno Borges aconselha as grávidas e lactantes a ingerir duas porções por semana de peixes gordos – salmão, sardinha ou cavala -, ricos em ómega 3 (um ácido gordo). “[O ómega 3] parece ajudar no desenvolvimento do sistema nervoso central e retina [do embrião].” Mas esta recomendação pode ser estendida a crianças e jovens, em especial na época de exames.

Outros alimentos com “gorduras interessantes”, segundo Nuno Borges, são os frutos secos. Têm vitamina E, outros micronutrientes e fibras. E dão uma sensação de saciedade, mesmo quando se ingere uma pequena quantidade. No entanto, o nutricionista lembra que as famílias não precisam de optar por soluções caras. Iogurte, leite, torrada ou uma peça de fruta, são algumas das possibilidades. O importante é ir comendo de vez em quando enquanto se estuda, adaptando sempre a quantidade de comida e de calorias ingeridas à atividade física. Que para os alunos que passam o dia a estudar é muito reduzida. Daí que Bernardo Barahona Côrrea aconselhe a prática de exercício físico aeróbio. Além disso, “melhora a oxigenação do cérebro, memória e atenção”, refere o médico.

Absolutamente proibidas estão as bolachas e batatas fritas. Além de estarem demasiado disponíveis – só se para de comer quando se vê o fundo do pacote -, têm excesso de gorduras saturadas, açúcar e sal. O nutricionista Nuno Borges lembra ainda que “quem consome muito fast-food apresenta menores desempenhos cognitivos”. “Muito açúcar, muita gordura, mas pouco nutrientes.”

“Não há coisas milagrosas que possam ser feitas nesta altura. Nem mesmo em termos farmacológicos.”
Bernardo Barahona Côrrea, Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud

Descartando as substâncias tóxicas, como o álcool, Nuno Borges sugere outras substâncias que podem aumentar, ainda que temporariamente, o rendimento intelectual. Mascar uma pastilha ou beber um café. “A cafeína tem um efeito positivo sobre alguns aspetos intelectuais. De uma forma aguda dá a capacidade de fazer as coisas mais rapidamente.” Embora não o recomende antes da puberdade, não vê qualquer problema que um adolescente tome dois ou três cafés por dia durante a época de exames. Até recomenda um café antes do exame.

Como alternativa ao café, pode tomar-se chá preto ou chá verde, que também têm cafeína. Com efeitos mais moderados, aparecem as bebidas energéticas, o guaraná, o refrigerante cola ou o chocolate. Mas como em tudo, nada de excessos. E mais, não esquecer de beber água. “A desidratação perturba o discernimento cognitivo.”

Acima de tudo, o que Nuno Borges recomenda é que os alunos não encarem a época de exames como uma situação diferente. O médico Bernardo Barahona Côrrea lembra que os alunos precisam de dormir bem e o tempo suficiente. “O estudo deve ser feito ao longo do ano”, refere o neuropsiquiatra. Mas planear bem o estudo nesta época também ajuda. Um plano de estudo ideal deve contabilizar as pausas, que devem acontecer a cada duas horas, e os momentos de lazer. E deve ser realista. E não termina sem dizer que: “Não há coisas milagrosas que possam ser feitas nesta altura. Nem mesmo em termos farmacológicos.”

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