910kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

Getty Images

Getty Images

Vale do Jordão. Porque é tão importante para Israel o território que Netanyahu quer anexar?

O primeiro-ministro israelita promete anexar o Vale do Jordão caso ganhe as eleições desta terça-feira. Porque é que o território é tão importante e qual o impacto no processo de paz com a Palestina?

A uma semana das eleições legislativas desta terça-feira, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu anunciou uma promessa sem precedentes: se ganhar a eleição, vai anexar definitivamente o Vale do Jordão, uma língua de território que compõe cerca de 30% da zona da Cisjordânia já totalmente controlada por Israel e que define a fronteira com a Jordânia.

A anexação formal é apresentada como uma medida de segurança essencial para a soberania israelita — o país já sofreu invasões da Jordânia e o reforço daquela fronteira é considerado fundamental pelos apoiantes da medida. Porém, a promessa de Netanyahu está a ser interpretada como uma medida eleitoral, o último recurso para tentar angariar votos entre os mais conservadores, incluindo entre os eleitores sionistas e judeus ultraortodoxos.

Ao mesmo tempo, a anexação formal do Vale do Jordão retiraria aos palestinianos uma região fundamental para a criação de um eventual futuro Estado da Palestina, aniquilando o processo de paz e acabando de vez com qualquer hipótese de chegar a uma solução de dois Estados.

O Vale do Jordão é a região no centro da ameaça eleitoral de Benjamin Netanyahu (Amir Levy/Getty Images)

Getty Images

Embora aquela região já esteja sob controlo efetivo israelita, a aplicação da soberania oficial sobre o território indicaria que o regime de Netanyahu não está interessado em qualquer processo negocial com os palestinianos que leve à independência da Palestina. Por isso, a intenção já foi duramente criticada pelos líderes árabes e está a ser vista com apreensão pela comunidade internacional.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Empatado nas sondagens com o principal adversário (o general Benny Gantz), Benjamin Netanyahu espera conseguir encontrar nos partidos à direita as coligações que lhe permitam formar o governo que não conseguiu formar em abril — arriscando, no meio da jogada política, arruinar o processo de negociação internacional mais complexo e longo da história recente.

Porque é que a promessa é importante para Netanyahu?

O primeiro-ministro israelita em funções, Benjamin Netanyahu, volta esta terça-feira a apresentar-se a eleições para tentar acabar com o impasse governativo que se instalou no país após as eleições inconclusivas de abril — e a promessa de anexação do Vale do Jordão tem um papel nada secundário na estratégia eleitoral do líder do Likud.

A 9 de abril deste ano, o Likud venceu as eleições legislativas com 26,46% dos votos, elegendo 35 deputados. Porém, a coligação centrista Azul e Branca, liderada pelo antigo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Benny Gantz, ficou imediatamente atrás: com 26,13% dos votos, Gantz elegeu igualmente 35 deputados para o Knesset (o parlamento israelita) e impediu a formação de uma maioria clara.

Apesar do igual número de deputados, o maior número de votos levou Benjamin Netanyahu a reclamar vitória. Na sequência do resultado eleitoral, o presidente israelita, Reuven Rivlin, encarregou o atual primeiro-ministro de formar governo — e deu-lhe 28 dias para o fazer. Esgotado o prazo, Netanyahu não conseguiu reunir os apoios necessários para formar o executivo e o parlamento votou maioritariamente pela dissolução da Assembleia de Deputados, evitando que Benny Gantz iniciasse negociações para formar um governo.

Benny Gantz é o principal adversário de Benjamin Netanyahu nas legislativas desta terça-feira (Gili Yaari/NurPhoto via Getty Images)

NurPhoto via Getty Images

Na eleição anterior, em março de 2015, Netanyahu tinha elegido ainda menos deputados — 30. Mas conseguiu formar uma coligação apontando a mira aos partidos de direita e judeus ultraconservadores, juntando o seu Likud ao Yahadut Hatorah (união judaica), ao Shas (religioso ultraortodoxo), ao Kulanu (de centro-direita), ao Lar Judaico (nacionalista e religioso) e à Nova Direita (dissidente do Lar Judaico).

Depois de não conseguir reunir uma coligação suficientemente forte em abril de 2019, Netanyahu, que liderou no último mandato o governo mais à direita de Israel, está agora a endurecer as suas posições de modo a simultaneamente atrair eleitores à direita e assegurar o apoio de partidos conservadores. Logo em julho, um grupo de partidos de direita juntou-se para concorrer em bloco às eleições desta terça-feira com o compromisso de apoiar Netanyahu.

Mas as sondagens atuais não são propriamente animadoras, dando a Netanyahu o mesmo número de deputados que a Benny Gantz (32). Por isso, o atual governante precisa de mais votos para assegurar uma maioria clara e espera fazê-lo com a promessa de anexar o Vale do Jordão, uma posição que agrada aos partidos conservadores, de direita e religiosos — que defendem a unidade do Estado de Israel e a necessidade de garantir defesas e preservar o território que acreditam ser historicamente e naturalmente deles.

O que significa para Israel a posse do Vale do Jordão?

Afinal, qual é a importância do Vale do Jordão para Israel e para os israelitas? Em primeiro lugar, é necessário compreender o que é o Vale do Jordão e como se enquadra no contexto histórico da formação do Estado de Israel e da ocupação dos territórios palestinianos.

O território onde hoje ficam Israel e a Palestina fez parte do Império Otomano até à I Guerra Mundial. Depois da Grande Guerra, nas partilhas feitas entre os Aliados, aquela região ficou sob controlo britânico — o chamado Mandato Britânico da Palestina. Este mandato britânico durou até 1947, ano em que a ONU adotou a resolução 181, na qual determinou a divisão do território em dois estados: um judeu e outro árabe.

"Hoje anuncio a minha intenção de aplicar, num futuro governo, a soberania de Israel sobre o vale do Jordão e a parte norte do mar Morto"
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro em exercício de Israel e candidato às legislativas

O mapa da divisão do território aprovado em 1947 nas Nações Unidas (que atribuía aos árabes a Cisjordânia, uma grande região da faixa de Gaza e ainda a região litoral da Galileia) nunca viria a ser verdadeiramente implementado. Começaria ali o longo conflito territorial entre Israel e os palestinianos, apoiados pelos países árabes vizinhos (sobretudo a Jordânia), que se prolonga até hoje e que teve como principal ponto de viragem a Guerra dos Seis Dias, em 1967.

Esse conflito armado, que decorreu em junho de 1967 e no qual Israel se opôs aos países árabes que apoiavam o povo palestiniano, foi o culminar de uma tensão crescente entre os dois territórios. Israel venceu a guerra, expandiu a área do seu território e tomou controlo da Faixa de Gaza, da Cisjordânia, dos montes Golã e da parte oriental de Jerusalém.

O conflito pelo controlo dos territórios palestinianos prolonga-se até hoje, com os palestinianos a reclamarem toda a Cisjordânia para um futuro Estado da Palestina e os israelitas a manterem o controlo sobre aquela região. Os acordos de paz de Oslo viriam a estabelecer a forma de convivência na região que ainda hoje se vai mantendo, ao implementarem a criação de três zonas. A zona A, controlada pela Autoridade Palestiniana e na qual os israelitas não podem entrar; a zona B, controlada de forma partilhada por Israel e pela Autoridade Palestiniana; e a zona C, controlada exclusivamente por Israel (embora a população árabe esteja sob jurisdição da Autoridade Palestiniana).

É nesta zona C — que corresponde a cerca de 60% da Cisjordânia — que se encontram os assentamentos israelitas, ou colonatos, considerados ilegais pela comunidade internacional, e também o Vale do Jordão.

Só na região do Vale do Jordão vivem cerca de nove mil colonos israelitas e 56 mil palestinianos. Com cerca de 2.400 quilómetros quadrados do lado palestiniano, o Vale do Jordão representa cerca de um terço do território da Cisjordânia. Estendendo-se ao longo das duas margens do rio Jordão, para norte do Mar Morto, a região é estratégica para Israel sob vários pontos de vista.

Benjamin Netanyahu apresentou a sua intenção de anexar o Vale do Jordão com recurso a um mapa durante um discurso transmitido pela televisão (Amir Levy/Getty Images)

Getty Images

Atualmente integrado na zona C da Cisjordânia, o vale é considerado um território ocupado por Israel e controlado militar e civilmente pelas autoridades israelitas. Se ganhar as eleições, Benjamin Netanyahu quer aplicar a soberania total na região.

Num discurso transmitido na televisão na semana passada, Netanyahu usou um mapa para anunciar a sua mais recente promessa, destinada a atrair o eleitorado mais conservador e ortodoxo. “Hoje anuncio a minha intenção de aplicar, num futuro governo, a soberania de Israel sobre o vale do Jordão e a parte norte do mar Morto”, disse o primeiro-ministro em exercício.

“Este plano será uma oportunidade histórica e única para aplicar a nossa soberania aos nossos colonatos na Judeia e Samaria [a designação usada por Israel para a Cisjordânia] e em outros lugares essenciais para a nossa segurança, o nosso património e o nosso futuro”, acrescentou Netanyahu.

O mapa apresentado por Benjamin Netanyahu relativamente aos planos para anexar o Vale do Jordão. A azul escuro está a zona que Netanyahu quer anexar; a laranja estão os corredores que permanecem sob jurisdição palestiniana

As intenções de Netanyahu foram rapidamente contestadas por líderes de todo o mundo árabe, que consideraram as declarações do primeiro-ministro em exercício como um “crime de guerra”, uma “agressão” e uma “violência” que destrói “todas as hipóteses de paz”. Já esta segunda-feira, Netanyahu foi mais longe e anunciou a sua intenção de anexar não apenas o Vale do Jordão e os colonatos a norte do Mar Morto, na fronteira com a Jordânia, mas todos os colonatos israelitas na Cisjordânia.

O Vale do Jordão tem uma importância económica significativa para Israel, logo a começar pela grande fertilidade dos terrenos banhados pelo rio Jordão, sendo o principal ativo de Israel em termos de agricultura e de recursos hídricos. Ao mesmo tempo, a exploração de minerais do Mar Morto também é uma das principais potencialidades do território. De acordo com um relatório do Banco Mundial, citado em 2013 pela BBC, a economia palestiniana podia crescer cerca de 918 milhões de dólares (834 milhões de euros) por ano se os palestinianos pudessem explorar estes minerais. A economia dos árabes poderia crescer mais 704 milhões de dólares (640 milhões de euros) anuais se os palestinianos tivessem acesso a mais terras de cultivo, atualmente controladas quase na totalidade por Israel.

Ou seja, o Vale do Jordão é para Israel um território com grande valor económico. Mas o principal argumento dos israelitas que apoiam a anexação é a defesa. “O Vale do Jordão é a cintura de segurança de Israel no leste”, escreveu o presidente do Instituto de Jerusalém para a Estratégia e Segurança, Efraim Inbar, num artigo de opinião no The Jerusalem Post.

“Muitos comentadores dizem que Israel já não precisa do Vale do Jordão como escudo contra agressões do oriente. Argumentam que o tratado de paz com a Jordânia transforma a ameaça da frente oriental e a sua proximidade com os centros populacionais e as infraestruturas económicas israelitas numa coisa do passado”, escreveu Efraim Inbar.

A região do Vale do Jordão é uma das zonas mais férteis da Palestina (Amir Levy/Getty Images)

Getty Images

“Porém, esta é uma perspetiva a curto prazo, motivada pelo desejo de convencer a opinião pública israelita de que o Vale do Jordão é militarmente dispensável. Esta perspetiva ignora o imenso potencial para uma revolta política no Médio Oriente, o cada vez maior papel político dos islamistas radicais e as pressões crescentes do regime hachemita [família real que governa a Jordânia]. A desestabilização da Jordânia hachemita e da Arábia Saudita e uma Síria motivada para o radicalismo — e pode seguir-se um reaparecimento da frente oriental”, argumenta o político e académico israelita.

Naturalmente, e tal como tudo no conflito israelo-palestiniano, o Vale do Jordão também tem uma importância religiosa significativa para os judeus e para os cristãos. Além de ter sido o local onde Jesus Cristo foi batizado, o rio Jordão é frequentemente citado no Antigo Testamento — nomeadamente tendo sido atravessado pelos sacerdotes que carregavam a Arca da Aliança (arca com as tábuas dos dez mandamentos) e por Elias e Eliseu antes de Elias ser elevado ao céu —, motivo pelo qual é considerado um lugar sagrado para os judeus.

Que implicações pode ter a anexação para o processo de paz?

O Vale do Jordão inclui, além de dezenas de colonatos israelitas, alguns centros populacionais palestinianos muito relevantes — o mais importante dos quais é a cidade de Jericó. Durante o discurso em que anunciou a intenção de anexar a região, Benjamin Netanyahu assegurou que não iria “anexar nenhum palestiniano”. A alternativa apresentada no mapa é deixar alguns enclaves palestinianos na região, nomeadamente a cidade de Jericó e outras povoações.

No mesmo discurso, Netanyahu falou do plano de paz negociado pelo genro e conselheiro de Donald Trump, Jared Kushner, que o presidente norte-americano já classificou como “o acordo do século” — embora tenha sido boicotado pelos responsáveis palestinianos devido à falta de imparcialidade dos EUA na questão. Netanyahu prometeu que o acordo será revelado depois das eleições e que irá fornecer uma oportunidade para alargar a soberania israelita na zona.

Com efeito, Israel tem beneficiado de um apoio incondicional da administração Trump, que reconheceu Jerusalém como capital do país, inflamando os ânimos entre israelitas e palestinianos.

Jerusalém capital de Israel. O gesto de Trump é simbólico ou um barril de pólvora?

Mas é pouco provável que a anexação de mais territórios (especialmente do Vale do Jordão) resulte no progresso das negociações de paz. Antes pelo contrário. O próprio mapa simples apresentado por Netanyahu revela uma questão fundamental: ao anexar o Vale do Jordão, toda a Cisjordânia ficaria rodeada por território israelita, tornando-se numa espécie de grande enclave dentro de Israel.

Além disso, os palestinianos têm reclamado para o futuro Estado da Palestina todo o território da Cisjordânia. Ao retirar-lhes a porção maior e mais valiosa — quer pelos recursos naturais quer pela localização estratégica —, Netanyahu acaba com a possibilidade de se alcançar uma solução de dois Estados, aquela que é atualmente a opção mais unânime na comunidade internacional para resolver o conflito.

"Netanyahu está a propor anexar, essencialmente, um terço da Cisjordânia. É muito difícil ver como é que alguém pode dizer que um Estado palestiniano ainda é possível se isso acontecer"
Raf Sanchez, correspondente do The Telegraph no Médio Oriente

Mesmo que a anexação não ocorra já, ou não ocorra de todo, a mera colocação da possibilidade em cima da mesa já é uma declaração de força enviada a todo o mundo. Mostra que Netanyahu não está interessado em negociar a possibilidade de um Estado palestiniano independente, como assinalam diversos observadores internacionais. “Netanyahu está a propor anexar, essencialmente, um terço da Cisjordânia. É muito difícil ver como é que alguém pode dizer que um Estado palestiniano ainda é possível se isso acontecer”, resumiu o correspondente do The Telegraph no Médio Oriente, Raf Sanchez.

Sem a possibilidade de uma solução de dois Estados, o conflito israelo-palestiniano pode caminhar para uma solução de Estado único — ou seja, a consolidação de um único país, Israel, com soberania sobre toda a região em que todos os habitantes, judeus ou árabes, tenham os mesmos direitos de cidadania (o que muitos analistas antecipam ser o primeiro passo para uma nova escalada de violência entre os dois povos); ou então um Estado em que os árabes sejam integrados com um estatuto diferente e sem todos os direitos dos israelitas — o que é visto como uma forma de segregação semelhante a um novo apartheid.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.