Saiu da liderança do Governo Regional dos Açores nas últimas eleições, derrotado por um Governo de direita apoiado em cinco forças políticas. Isso dá algum alento a Vasco Cordeiro nesta travessia do deserto onde voltou às funções de líder Parlamentar do PS na Assembleia Legislativa Regional: foi derrotado, mas “foram preciso cinco partidos”. Agora está numa posição de ataque, insiste em passar à frente do processo de formação do atual Governo, que contestou e contesta, passando para as críticas a uma ação governativa “um bocadinho preocupantes” e “pouco transparente”.
Numa entrevista ao programa Vichyssoise, da rádio Observador, o líder do PS-Açores atira forte a Bolieiro e ao seu Governo que diz ser usado por André Ventura que “aborrece-se em Lisboa e vem para os Açores tirar satisfações e achar que é aqui que resolve as suas incongruências”. A conversa seguiu à distância — a pandemia oblige–, com Vasco Cordeiro divertido com certas “conversas de alcoviteira”, mas também atento ao futuro. O seu, em caso de legislativas antecipadas? “Cá estaremos”. E o do seu antecessor no Governo, o aposentado Carlos César? “Tem as condições para ser aquilo que quiser”. Mas a conversa começou mesmo pelo passado recente.
Em 2015, quando o PS subiu ao poder após o executivo de Passos Coelho ver chumbado o programa de Governo, concordou com a solução?
Em 2015 tive oportunidade de dizer na noite das eleições que quem ganha deveria governar. E depois também concretizei que não tendo apoio maioritário no Parlamento deveria procurar esse apoio. Foi essa a minha posição expressa na altura que mantenho agora.
Considerou a opção legítima, do segundo mais votado poder governar? É que em 2015 o mais votado teve a possibilidade de formar Governo. Preferia que isso tivesse acontecido nos Açores?
Claramente acho que era uma forma de dar cumprimento ao papel da Assembleia Legislativa na região. E Representante da República, com a configuração do cargo que tem e com a legitimidade que tem, não deve fazer o juízo que foi feito.
Mas se tivesse sido nomeado pelo Representante da República tinha tido condições para governar?
A minha questão é que essa deve ser uma decisão do Parlamento e não do Representante da República.
Mas ele conversou com o Presidente da República. Que avaliação faz desta decisão?
Eu não sei com quem ele falou o deixou de falar o Representante da República. E o facto de ele ter falado com o Presidente da Republica não invalida o juízo que faço sobre esta decisão e acho que se colocam as questões que referi: a configuração do cargo, o seu recorte constitucional das suas competências, na minha opinião, não lhe permitem fazer aquilo que fez. Mas para a frente é que é caminho.
Ainda assim, Marcelo Rebelo de Sousa conversou com o Representante e o Presidente tem não só as funções que a Constituição lhe atribui como a magistratura de influência e pode influenciar decisões. Marcelo quis uma solução de direita nos Açores?
Só temos as declarações do Presidente da República posteriormente a esta situação e são claras, falam por si. Tudo o resto será especulação. Essa questão está, da minha parte, ultrapassada e o que é preciso é olhar para a frente. Há muita coisa que é preciso ter em atenção, não só nos Açores mas também no país. A situação que vivemos, verbas e quadro comunitários que estão a chegar e interessa é olhar para a frente e não para o passado.
E quando seguiu, a seguir às eleições, sentiu que teve acompanhamento do PS ou foi abandonado por António Costa nesse período pós-eleições regionais?
Não, por amor de Deus. Essas questões não se veem dessa forma. O PS-Açores tem o seu papel e a sua função, tem um grande ativo que é o facto que convém nunca esquecer de ter tido uma vitória eleitoral. Foram necessários cinco partidos para afastar o PS do poder e essa confiança maioritária dos açorianos dão uma confiança muito grande. É preciso andar para a frente com o que é a nossa responsabilidade fazer e não estarmos aqui sentados à beira da estrada a lamuriar sobre o que já passou.
O PS nos Açores era poder, agora já não é. Isso tem implicações a nível nacional? É um ativo menor para o PS, tem menor influência?
Isso terá de perguntar ao PS nacional. Mas não me tenho apercebido isso. A questão nem sequer se coloca, o que o PS tem feito no Governo da República e enquanto partido na Assembleia da República, está muito acima e vai muito para além desta questão do “agora não são Governo”. Há um trabalho que é necessário fazer, o momento é de exceção, há muitos desafios e o que é preciso é estar comprometido a vencê-los.
Nas hostes do PS circula que tinha uma relação um pouco deteriorada com António Costa já antes das eleições. Não têm a relação que já tiveram?
Esta conversa das hostes do PS é conversa de alcoviteira. Cada um deve cumprir o seu papel com sentido de responsabilidade, de lealdade, desde logo institucional e não só, e para a frente é que é caminho.
Que balanço faz destes primeiros cem dias de Governo Regional dos Açores?
Um bocadinho preocupante, porque acho que se caracteriza por uma falta de palavra. Desde a constituição do Governo, o PSD disse que nunca faria uma aliança com o Chega e e atirou-se para os braços do Chega. O Chega disse que nunca chegaria a acolher no seu seio o PSD e ainda hoje estão abraçados. O PPM que disse “o que nem Maomé disse do toucinho” do líder do PSD, apoia esta situação. Isso é uma primeira nota de falta de palavra ou de contradição.
Mas tem-se notado no exercício da ação governativa? Em quê?
Também. Os partido que agora forma o Governo disseram que queria desgovernamentalizar, reduzir o peso da administração e hoje temos o maior Governo de sempre da história da autonomia e o mais caro. Os partidos também disseram que primavam pela transparência. Bom, é recente a notícia que o Governo decidiu acabar com as conferências de imprensa a seguir aos Conselhos do Governo. A forma de conhecer as decisões do Governo passa a ser só pela leitura do Jornal Oficial, o que é muito bom para o Jornal Oficial, mas talvez não seja muito bom para a transparência e o escrutínio.
É um Governo que não quer se escrutinado?
É um Governo pouco transparente.
Estava a criticar o tamanho deste Governo, mas aplica-o em todos os casos? É que o Governo nacional não é propriamente pequeno. Isso diz alguma coisa sobre a ação do Governo.
Bom, eu estou a falar sobre o Governo dos Açores. Acho que a questão depende do Governo.
A questão aqui é de princípio, não tem bem a ver com o Governo…
Exatamente.
A questão aqui é de princípio. Qual é o seu princípio afinal?
O meu princípio é que não se pode dizer que se é contra e que se vai reduzir o Governo e fazer exatamente o contrário. A questão de falta de coerência é que me parece preocupante. Porque se pura e simplesmente este Governo não tivesse tido a conversa que teve antes das eleições e constituíssem o Governo que quisessem desse tamanho, é o direito que lhes assiste e o importante é que o Governo seja eficaz.
Este Governo nos Açores é também suportado por um acordo com o Chega. Há alguma medida que tenha sido tomada que considere de extrema-direita?
O grande problema, além das questões das medidas, é o facto de o Chega dos Açores, e por virtude da dependência que o Governo regional tem em relação ao Chega dos Açores, também o Governo regional ser um brinquedo nas mãos de André Ventura. A história recente demonstra isso: André Ventura aborrece-se em Lisboa e vem para os Açores tirar satisfações e achar que é aqui que resolve as suas incongruências.
Mas na ação governativa não houve uma diferença grande por ser apoiado pelo Chega, é isso?
Há alguns comportamentos e algumas prestações, sobretudo parlamentares, que se aproximam bastante disso. Insultos a outros partidos, nomeadamente ao BE, e outras situações que não dignificam o Parlamento.
Mais de forma do que de conteúdo, é isso?
Não, também de conteúdo.
Ao Observador, na quarta-feira, José Manuel Bolieiro disse que o atual Governo teve de lidar com “a emergência de situações herdadas graves e não tratadas” em contexto da pandemia. O que é que deixou de tão grave?
Terá de lhe perguntar a ele, se é ele que acha que recebeu uma herança tão pesada. O que eu sei é que num conjunto de indicadores, dos sociais aos económicos, os Açores durante oito anos (e não só) fizeram um percurso bastante interessante. Por exemplo, na questão da taxa de pobreza, um tema tão caro nas eleições, os últimos dados do INE demonstram que os Açores deixaram de ser a região com taxa mais elevada do país. Não sei o que quem concorre a um Governo acha que vai encontrar.
Carlos César disse na última Comissão Nacional do PS que “este governo não pode ser confinado a uma estrutura de políticas de saúde”. O Governo tem falhado noutras áreas que não a pandemia? Concorda com César?
Concordo na perspetiva em que a vida da nossa sociedade não se resume apenas à pandemia. E acho que à medida que o tempo passa cada vez se nota mais essa necessidade de acudir e de atender a outras áreas. A luta positiva e meritória que este Governo tem travado em relação à pandemia não deve fazer esquecer o conjunto de outras áreas e acredito, independentemente da relevância mediática da pandemia, que esse outro trabalho esteja a ser desenvolvido.
Considera que Carlos César pode ser um bom candidato presidencial em 2026, até porque não temos tido candidatos oficiais do PS?
Acho que Carlos César tem as condições para ser aquilo que quiser e entender que tem vontade e determinação.
Enquadra-se mais como secretário-geral do PS ou como Presidente da República?
Não quero colocar o meu camarada Carlos César no lugar dos candidatos do PSD, que são candidatos a uma coisa e nem sabem que são. Para situações dessas já bastou esta semana… tem as condições políticas, pessoais, as qualificações para poder ambicionar qualquer cargo.
Continua a defender a extinção do cargo de representante da República? Queria ter feito mais nesse sentido?
Continuo a defender e acho que já foi feito muito. Na última legislatura houve, no Parlamento, a constituição de uma comissão que consensualizou matérias que julgo que nesta legislatura terão expressão prática. Não tem nada a ver com os titulares do cargo. Acho que já não se justifica e em termos comparados um conjunto de países que fizeram um percurso semelhante, já há muito tempo que deixaram cair esse tipo de figura.
Já lhe perguntámos pelo futuro de Carlos César, mas não lhe perguntámos pelo seu. Onde é que se vê nos próximos cinco anos?
Estou a ver-me deputado na Assembleia legislativa, que foi para isso que me recandidatei.
É isso que se vê a fazer nos próximos quatro anos. Não se vê, por exemplo, numas regionais antecipadas ou nas próximas regionais?
Bom, isso pode acontecer muita coisa. Agora, vejo-me a trabalhar para a minha região.
Essa é a resposta politicamente correta.
Não é a questão de ser politicamente correta. Politicamente correta seria sim, vão-me perdoar a expressão, mas ela é brasileira e penso que resulta bem nessa situação: é conversa para boi dormir. O que eu quero dizer é que vejo-me aqui nos Açores, trabalhar nos Açores, fazendo o meu melhor assumindo as responsabilidades às quais eu me candidatei e se houver eleições antecipadas, cá estaremos.
O continente está fora dos planos pelo que percebi.
Neste momento está porque obviamente não fazia sentido pensar numa coisa e depois ir para outro sítio.
Então deu-lhe jeito aquilo que criticava há pouco: Pedro Catarino não lhe ter dado posse porque se a seguir o seu Governo fosse travado na Assembleia Legislativa já não podia concorrer novamente. E agora pode.
Enfim, não diria que me deu jeito. Efetivamente, não me colocou na situação de esgotar as possibilidades de ser presidente do Governo. O que, salvo o devido respeito e melhor opinião, e sem falsas modéstias, não diminui o valor da minha oposição a essa decisão. Bem pelo contrário.
Avançamos agora para o segmento Carne ou Peixe em que tem de escolher uma de duas opções. Preferia ser secretário-regional num governo de Francisco César ou ministro, a nível nacional, num Governo liderado por Carlos César?
Preferia estar nos Açores.
Quem gostaria de levar a dar uma volta de bicicleta: Pedro Nuno Santos ou Fernando Medina?
Há bicicletas que levam os três. Levava os três. Íamos os os três em passeio.
Quem mais facilmente convidava para um almoço na Covoada (onde nasceu): José Manuel Bolieiro ou Robert Sherman?
José Manuel Bolieiro, sem sombra de dúvida.
No seu currículo profissional tem o cargo de professor de Filosofia no secundário..em regime de susbtituição…A quem preferia dar umas aulas: Sócrates, mas não o filósofo… ou Ana Gomes, que costuma filosofar no Twitter?
A opção de José Manuel Bolieiro era da pergunta anterior, não era? [Risos] Então pode ser a dra. Ana Gomes.