Discurso de André Ventura,
No último congresso, em 2021, prometi-vos que se continuasse a ser presidente do partido lutaríamos para nas eleições seguintes sermos a terceira força política (…) muitos do que aqui estão se calhar lembram-se do que nos fizeram quando chegámos ao Parlamento: ostracizaram-nos, humilharam-nos e espezinharam-nos, mas nunca desistimos, tínhamos a força da convicção connosco”
O presidente do Chega começou a intervenção com a memória de um momento passado e a promessa que fez antes das legislativas de pôr o partido como terceira força política. O último congresso, em novembro de 2021, aconteceu já em clima de pré-campanha, com o Parlamento dissolvido e as eleições apontadas para janeiro seguinte, e este é o momento de recolher os louros dessa votação que colocou 12 deputados do partido no Parlamento. André Ventura fez questão de fazer este claim no palco de Santarém, carregando na dramatização dos seus tempos como deputado único no Parlamento (entre 2019 e 2022). As lutas eleitorais que vangloria (para lá da conquista das legislativas), também acabam centradas em si mesmo, nomeadamente quando fala nas Presidenciais de 2021. Já vão lá atrás, mas Ventura ainda as traz a este palco, dois anos e dois congressos depois, para dizer que não ganhou mas a esquerda saiu “embaraçada”.
Se em 2019 tínhamos de estar preparados para nos afirmar, se em 2021 tínhamos de estar preparados para nos implantar, em 2023 para a frente, temos de estar preparados para governar, porque os números não mentem e eles são a expressão maior de um país que quer mudança”
Mesmo antes de disparar com esta frase, Ventura tinha referido a sondagem desta semana, divulgada pela TVI/CNN Portugal, que deu o Chega a conseguir 14,3% das intenções de voto. Um alento para esta reunião partidária que foi prontamente assinalado com um forte aplauso dos delegados sentados na sala do Centro de exposições de Santarém. E Ventura aproveitou o embalo para subir a fasquia do partido para a governação. De terceira força política a primeira, com olhos (e as críticas) postos no PSD e no lugar que ocupa. Ventura quer o Chega a ombrear com o PS.
O partido decidiu que ajustaríamos os órgãos do partido [depois do chumbo constitucional ao estatutos do Chega], mas não o fizemos na secretaria, abrimos novamente eleições para que todos pudessem participar. Abrimos o caminho à democracia neste partido, aos que andavam a pedir há meses, há anos, um novo caminho e que era preciso transformar. Então venham a jogo, venham e digam que projeto têm para o Chega”
Nesta fase do discurso, em que ia embalado na fasquia, interrompe a linha para uma bicada longa (foram largos os minutos dedicados) à oposição interna. No dia em que se soube da saída do partido de um dos fundadores, Nuno Afonso, o líder do Chega quis higienizar rapidamente e tapar essa ferida. Entrou na Convenção a dizer que “quem não está é porque não teve força política para ser eleito e para se fazer representar” e repetiu-o no palco, minutos depois, rejeitando que não exista alternativa à sua direção por regras de “burocracia ou de secretaria” — como os críticos apontam. Não referiu, no entanto, as alterações feitas no último Conselho Nacional, em que foi aprovada a proposta para que o processo que elege as listas de delegados à Convenção deixasse de ser baseado no método de Hondt e passasse a funcionar por maioria. Se as listas vencedoras fossem todas afetas ao líder — e foram — cada distrital só levaria — e levou — à reunião magna delegados dessa mesma lista. A oposição interna possível ficaria sempre pelo caminho.
Com quem decide sempre não participar na vida democrática do partido não vamos perder nem mais um segundo. O nosso foco é o país e neste congresso seja quem for que seja eleito e que órgão sejam eleitos, o caminho já não voltam para trás (…) Ninguém compreenderá que no momento difícil em que estamos estejamos voltados aqui para dentro entretidos em lutas de bastidores ou golpes palacianos para derrubar a direção”
A ordem está dada: não se olha para trás. Quem saiu do barco, saiu e assunto encerrado. Com uma saída importante do partido tão fresca, era imperativo estancar o assunto. Mas a sombra de Nuno Afonso continuou mais uns minutos na intervenção do líder do Chega, mesmo quando ia apontando a importância das eleições que aí vêm na Madeira — “vamos fazer tremer o governo da Madeira” — e a importância de manter aí, nos combates eleitorais, o foco do partido. Voltou a dizer que não é tempo de os militantes estarem “sempre, sempre preocupados” com o que se passa dentro do partido e a tentar convencer os delegados que o que “as pessoas lá fora” pretendem é ver o Chega a “continuar a malhar no António Costa”.
Vamos concentrar-nos em sermos a única oposição séria e deixá-los a eles entretidos com cordões sanitários e se farão ou não acordo. A decisão será sempre vossa, mas na minha perspetiva o nosso acordo é com o povo português que se sente enganado há anos. É o único acordo que temos de fazer”
Na narrativa de André Ventura e no caminho que ensaia de ocupar o lugar do PSD, há uma questão que o líder do Chega toca e que é apontada, até aqui, como a única hipótese de o seu partido chegar a um governo: acordos de governação. Mas toca para deixar de tocar logo de seguida. Por agora, Ventura quer afastar esse cálculo eleitoral do caminho — até porque retira fôlego ao objetivo aqui traçado.
Rompemos pela primeira vez os conceitos antigos de esquerda e direita nas lutas dos polícias à porta da Assembleia da República, nas lutas do professores, pelos que têm pensões e salários miseráveis. A direita dizia ‘isto não é para nós, é para a esquerda, nós só defendemos aqueles que andam de fato e gravata’. Fomos a primeira direita que não teve medo de quebrar essas barreiras”.
A luta contra o PSD e nessa diferenciação continua na intervenção de Ventura. E aqui reclama ter ocupado um espaço de onde diz que os sociais-democratas sempre se retiraram: a rua. Nesta fase da intervenção até recorda o CDS, acusando-o (sem o referir) de ter tido “medo de defender causas” em que acreditava e de ter pago por isso — “talvez por isso tenham desaparecido”. O Chega já tem dado esse sinal, sobretudo ao lado dos protestos de forças policiais, mas ocupar o espaço da rua é um objetivo assumido nesta fase.
Fomos repreendidos por Augusto Santos Silva? Fomos, é uma medalha igual à mesma repreensão de Ferro Rodrigues, é uma medalha. Porque é aquela esquerda bafienta que há anos nos quer enclausurar neste mundo paranóico em que um homem não é um homem e uma mulher não é uma mulher, ou em que um subsídio-dependente não é um subsídio-dependente ou que até um bandido não é um bandido e nós não temos medo de dizer que Lula da Silva é um bandido”
A sala levantou-se e gritou “Ven-tu-ra” quando ouviu esta palavras do líder, que, de um trago, tocou em várias frentes de batalha. Desde a questão da ideologia de género, à subsidiodependência, a sua bandeira de sempre, à querela parlamentar com os vários presidentes (socialistas) da Assembleia da República, culminando num dos episódios mais recentes deste conflito: o dia em que juntou “Lula” e “bandido” na mesma frase no plenário e levantou a esquerda num protesto que levou até ao reparo do topo da sala, do presidente da Assembleia da República.
Nenhum líder fica para sempre, eu não ficarei para sempre. Esta direção não ficará para sempre, esta Mesa não ficará para sempre mas eu fiz 40 anos há uma semana (…) ainda me sinto com energia e força para continuar a liderar este partido”
Quem critica Ventura internamente aponta-lhe o autoritarismo e também o culto da personalidade. Quem acha que existe uma aberta para a substituição no horizonte, saiu já desta primeira intervenção sem expectativas nesse sentido. André Ventura está para ficar e deixou-o claro, mais ainda com o partido a disparar nas sondagens. Aliás, assumiu isso mesmo quando disse que sair “agora a meio deste caminho incrível”, “na curva, quase quase a ver a terra prometida”, não seria “desprendimento”; “era cobardia política”.
Somos os únicos a quem reconhecem autoridade moral e essa luta [contra a corrupção] permanente no Parlamento (…) nenhum outro partido o fez e porquê? Porque as teias de cumplicidade entre eles não permitem. Vejam há quanto tempo o PSD anda com a comissão de inquérito à interferência no Banco de Portugal”.
Esta intervenção não deixa sombra de dúvida sobre quem é o mais recente inimigo do Chega, o alvo a abater: o PSD, que em nada difere do PS e que com ele se confunde numa “teia de cumplicidade”. Quando fala na luta contra a corrupção e tenta colocar o seu partido no centro desse tabuleiro a distribuir cartas em todas as frentes (fala do caso Alexandra Reis, do Hospital Militar de Belém, no Banco de Portugal e até mesmo quando o assunto tocou na Igreja Católica, com o altar-palco (“as convicções do partido estão à frente da crença pessoal”) –, André Ventura não se esquece de fazer a comparação com o PSD. Chegou mesmo a dizer que um deputado do Chega “vale por cada 20 do PSD”. De resto, a medição de forças foi sempre correndo todo o discurso inaugural marcando ritmo para a reunião que se segue em Santarém.
Não prometo que venceremos estas legislativas, mas se me derem esse mandato voltarei a lutar com tudo o que tenho para conseguir ultrapassar o PSD, liderar a oposição e conseguirmos governar Portugal (…) há quem diga que é impossível quebrar o bipartidarismo, mas este partido não nasceu para protestar mas a vocação é para governar Portugal”.
Termina a intervenção a vincar a meta que fixa em Santarém para o embate eleitoral, venha ele quando vier. E faz mais do que isso: Ventura não quer uma solução de governação em que o Chega se limite a “levantar e baixar o braço no Parlamento”, afastando a ideia de “entendimentos e coligações”. “O sonho é acreditar que é possível”, diz. E ainda que admita que “não pode prometer” chegar lá, Ventura vai fazendo contas de cabeça: hoje 14,3%, amanhã 15% e daí aos 20%. No final da intervenção, refere mesmo 30% — com a ajuda de “Deus”, da “sorte” e do “destino”.