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Escolher as melhores séries de um ano é tarefa cada vez mais turtuosa. E basta um argumento matemático para o justificar: há muitas, para muitos são de mais e deviam ser menos, o que transforma a atribuição de tal título absolutista numa progressão aritmética de impossibilidade. Mas o que não é impossível é confessarmos nós, de nossa justiça, quais os nossos títulos favoritos, os momentos televisivos (leia-se “episódios”) que marcaram o nosso ano, as personagens que desempenharam tal função no respetivo campeonato e — não menos importante — aquelas produções nas quais depositávamos esperanças e só nos deram tristezas.
Esta é a lista de 2024, com as escolhas dos jornalistas e dos colaboradores que habitualmente escrevem sobre a matéria no Observador. Trata-se do elenco que melhor protagonizou um ano em que a ficção repartida aos capítulos não encantou como fez noutros anos. Talvez porque ainda vivemos as sequelas de uma paragem nas produções ditada pela greve dos argumentistas em 2023. Talvez porque faltaram títulos unânimes como Succession foi nos balanços mais recentes. E talvez porque, de The Bear a House of the Dragon, os regressos não deslumbraram, longe disso. Tudo isto junto dá fôlego a quem argumenta que as séries estão a perder para os filmes (não necessariamente para as salas de cinema). Será? Provavelmente, teremos respostas em 2025. Até lá, recapitulemos.
Alexandre Borges
MELHOR SÉRIE: “Ripley” (Netflix)
Caro, leitor, aqui nos encontramos passado mais um ano de “aindanãoviste?!tensdever!”. Mas, de todas essas recomendações/intimações dos amigos, acredite: a maior parte é para esquecer. Não são “a coisa mais genial” que já apareceu, nem “absolutamente incríveis”, provavelmente até são repetições de fórmulas bastante banais, que é para onde toda a televisão da era do streaming anda a correr (os anos de ouro já passaram, lamento.
Neste momento, o que vivemos é apenas o tempo de travagem da grande máquina em que se investiu como nunca até à imobilização completa). Se quiser guardar qualquer coisa de 2024, veja Ripley, minissérie de oito episódios, genial adaptação da obra de Patricia Highsmith, maravilhosa e surpreendentemente filmada pelo mestre Steven Zaillian, que só conhecíamos do guionismo, e dentro da qual apetece, pura e simplesmente, morar. A ser justo, também elegeríamos o Tom Ripley de Andrew Scott melhor personagem do ano e os episódios tecnicamente identificáveis como “o do barco” e “o do gato”, ex aequo, os melhores do ano, mas, se a ideia é ajudá-lo a descobrir coisas que, eventualmente, não tenha visto, faremos o esforço de evitar a repetição.
MELHOR EPISÓDIO: “Bósnia”, episódio 2 de “Os Corredores do Poder” (Filmin)
Quase todos os anos temos trazido, deliberadamente, para esta seleção pelo menos uma série documental. Não só porque “as regras” não o proíbem, mas porque as linguagens de documentário, ficção e da chamada “reality TV”, dos “reality shows” aos “factual” e “true crime”, estarem cada vez mais próximas e esbatidas. Os Corredores do Poder é uma série fundamental para compreender o tempo geopolítico que vivemos.
Criado por Drod Moreh e narrado por Meryl Streep, com entrevistas a tudo quanto foi alto funcionário da Casa Branca nas administrações dos últimos 30 anos (só não falam com presidentes, mas está lá tudo quanto foi Secretary of State, Secretary of Defense e consultor, de Bush-pai a Obama), explica-nos, sem maniqueísmos, o papel da América no mundo pós-Guerra Fria, os erros, as dúvidas, a realpolitik, mas também a hipocrisia que, tantas vezes, esteve do outro lado e a indiferença ou precipitação no julgamento com que todos nós, opinião pública, várias vezes contribuímos para o desfecho trágico de muitos conflitos. Cada episódio acompanha uma guerra do nosso tempo – Iraque, Sudão, Ruanda, Líbia, Síria – e todos valem a pena, mas destaquemos aqui o segundo, dedicado à Bósnia e ao massacre de Srebrenica, onde a série mostra ao que vem e explica, para quem tivesse dúvidas, que não, a guerra não voltou à Europa só agora – esteve sempre aqui, debaixo do nosso nariz. A série é de 2022, mas só este ano chegou até nós via Filmin. Não é uma queixa; é mesmo daqueles casos em que mais vale tarde do que nunca.
MELHOR PERSONAGEM: Donny Dunn, “Baby Reindeer” (Netflix)
A história da via-sacra do comediante Donny Dunn no caminho para o sucesso e da sua stalker foi um dos temas do ano televisivo. Sobretudo quando Fiona Harvey, uma advogada escocesa, decidiu assumir-se como a inspiração da personagem Martha Scott, processar a Netflix e o criador da série Richard Gadd, e, assim, trazer a ficção para o lugar donde já todos tínhamos percebido que ela vinha: a vida real.
Baby Reindeer não é extraordinária, sofre do mesmo mal óbvio de muitas séries contemporâneas, feitas para se verem também no ecrã dum smartphone, e tornando-se, portanto, frequentemente óbvias, pobres e, a espaços, obscenas se vistas na superfície para a qual, deveriam, supostamente, ter sido pensadas: os cada vez maiores ecrãs LCD que temos na sala. Mas é preciso reconhecer quanto, num panorama de fórmulas e obras sem autor, criadas por encomenda e segundo receitas das plataformas, avulta o carácter verdadeiro e humano desta história, em particular na figura do seu protagonista, interpretada pelo autor da série, e na coragem com que expõe tamanhas vulnerabilidades e contradições.
DESILUSÃO DO ANO: “O Problema dos Três Corpos” (Netflix)
É o maior problema dos “aindanãoviste?!tensdever!”: a criação de expectativas. Haveria muitas candidatas a este lugar e talvez a última criação de David Benioff e DB Weiss, a partir da trilogia de Liu Cixin, não seja má por si só, mas paga pelo buzz.
Excessivamente grandiloquente, presunçosa, eternamente a prometer qualquer coisa de extraordinário que nunca chega, vive de conversas entre personagens sem alma, saídas dum casting para garantir as quotas de “inclusividade” (alguém se lembra, ao menos, do nome de uma delas? Sem ir ao Google), imagens de jogo de computador e dum fim do mundo iminente que só chega daqui a 400 anos. Acordem-nos quando acabar.
André Almeida Santos
Melhor Série: “Tires” (Netflix)
Melhor Episódio: o primeiro episódio de “Uzumaki” (Max)
Melhor Personagem: Yasmin (“Industry”)
Desilusão do Ano: Bad Sisters T2
Andreia Costa
MELHOR SÉRIE: “Shogun” (Netflix)
Como adaptar um livro épico sem estragar — lição em 10 episódios. Uma produção à escala de cinema, com efeitos visuais, guarda-roupa e fotografia que gritam “mega investimento”. Nem sempre isso é sinónimo de sucesso mas, neste caso, após seis anos em desenvolvimento, o resultado apresentado por Rachel Kondo e Justin Marks valeu todos os dias de espera.
Estamos no século XVII, um navegador inglês dá à costa do Japão e, para sobreviver, precisa de se adaptar a uma cultura, língua e conduta que não conhece e não entende. O elenco tem à cabeça uma espécie de versão jovem de Tom Hardy (Cosmo Jarvis não tem qualquer parentesco, mas engana bem). Porém, são os japoneses que brilham aqui. Hiroyuki Sanada é um exímio Yoshii Toranaga, abastado lorde que defende a honra e a seriedade até às últimas consequências, enquanto as personagens femininas são complexas, relevantes e resilientes — destaque para Anna Sawai, que interpreta Mariko, uma mulher contida mas sempre em conflito com ela própria — perante os jogos de poder e as pressões políticas e religiosas.
MELHOR EPISÓDIO: “Crimson Sky”, da série “Shogun” (Netflix)
Mariko chega a Osaka com uma missão que vai ditar o destino da história. Blackthorne (Cosmo Jarvis) e Yabushige (Tadanobu Asano) tentam arranjar forma de salvar as respetivas vidas. O ritmo, o texto, os planos e as assinaláveis interpretações fundem-se para criar um dos episódios mais impactantes dos últimos tempos. Tanto sabemos o que vai acontecer, como estamos perdidos; tanto queremos acreditar, como preferimos um culminar dramático.
Pesando todas as palavras para não estragar o episódio a quem ainda não viu, posso dizer que é uma hora de televisão extenuante, em que é possível que se respire pouco e se roam demasiadas unhas. A tensão e a antecipação crescem a uma velocidade estonteante para que o capítulo termine de forma estrondosa. De vez em quando aparecem episódios que nos deixam em choque, aturdidos, impressionados e maravilhados (tudo ao mesmo tempo) com a atenção dada aos pormenores, ao escalar de uma narrativa bem escrita, aos plot twists e à qualidade de um elenco bem escolhido. Este é um deles.
MELHOR PERSONAGEM: Martha Scott, da série “Baby Reindeer” (Netflix)
Foi uma escolha difícil, protelada até ao último minuto. Anna Sawai (Mariko em Shōgun) também merecia este título, porque conseguir que uma personagem transmita tanta dor, tristeza, dever e paixão mantendo um semblante controlado e composto deve ser das coisas mais difíceis para um ator. Porém, não é possível ignorar o trabalho de Jessica Gunning em Baby Reindeer. Ela é Martha Scott, uma mulher obcecada por um homem que persegue, vigia e ameaça — replicando na ficção uma histórica verídica vivida pelo criador da série, Richard Gadd.
Martha é uma bomba relógio que explode sem aviso, revelando uma raiva que Jessica Gunning consegue transmitir apenas com o olhar. A prestação é arrepiante e uma montanha russa que nos faz odiar esta mulher, mas também sentir empatia nos momentos em que demonstra as fragilidades. A atriz passa de um extremo ao outro em segundos, transmitindo a instabilidade frenética das emoções. Consegue que ela não seja apenas uma vilã e, tendo em conta todas as barbaridades cometidas por Martha, isso é um feito difícil que merece ser reconhecido.
DESILUSÃO DO ANO: “The Regime” (Max)
A escolha para protagonista é brilhante: Kate Winslet. A ideia de dar à atriz o papel cómico de uma ditadora lunática melhor ainda. A premissa tem tudo para funcionar: num país fictício da Europa Central, uma chanceler vigia e incute medo aos súbditos enquanto, ao mesmo tempo, se dirige a eles como “meus amores”.
Reclusa no próprio palácio, vive obcecada com um problema de bolor tóxico que acha que está a corroê-la internamente. O nonsense e as qualidades inegáveis de Winslet tinham tudo para fazer de The Regime uma das melhores séries do ano, mas a concretização nunca acontece e a narrativa vai ficando cada vez mais séria, caótica e tonta à medida que os seis episódios avançam. Nota para o futuro: Kate Winslet merece um papel cómico — mas, desta vez, a sério.
José Paiva Capucho
MELHOR SÉRIE: “Baby Reindeer” (Netflix)
Numa era em que a vítima de abuso e assédio sexual está no epicentro de muitas discussões públicas, é impossível não olhar para esta série que nos traz um humorista perseguido, humilhado, violentado e abusado por uma stalker.
A história do protagonista Donny é real e é aqui contada na primeira pessoa pelo autor, Richard Gaad. Toda a verdade contada e nada mais do que isso, sem pedir licença ou recorrer ao uso de filtros condescendentes que não choquem o público. Num ano em que as sequelas e novas temporadas parecem ter colhido boa parte da satisfação da crítica, Baby Reindeer leva a taça por fazer algo que é entendido como perigoso na fauna audiovisual: não ter medo.
MELHOR EPISÓDIO: “A Son for a Son”, episódio 1 de “House of the Dragon”, temporada 2 (Max)
Já ninguém se lembra porque Shogun, Disclaimer ou The Penguin roubaram todas as atenções, mas House of The Dragon teve uma segunda temporada este ano. Foi pena não terem voltado a passar por Portugal com a rodagem, mas destaquemos outras evidências: o primeiro episódio não só não desiludiu como se transformou num grandessíssimo episódio.
É bem mais cinematográfico no ritmo e na imagem do que aquilo que antecipávamos e agarra-nos até ao fim para percebemos que vingança será feita entre os Lannister. É claro que a temporada serviu para aquecer — e muito — a guerra final que está para vir, mas não se pode ignorar a intenção de tentar criar uma identidade nova que não soe a cópia de Guerra dos Tronos. E este arranque consegue-o em pleno.
MELHOR PERSONAGEM: Conan O’Brien, “Conan O’Brien Must Go” (Max)
É quase um prémio de carreira por representar o início do fim dos apresentadores de talk-shows. Mas a melhor personagem deste ano está longe de se reformar. Conan O’Brien já não se senta atrás de uma cadeira para entrevistar dezenas de artistas de Hollywood. O modelo está gasto.
Esta nova vida em que o comediante com raízes irlandeses passeia entre o seu podcast (Conan Needs a Friend) e viagens pela Europa (Conan Must Go, disponível na Max) é a que lhe assenta melhor. Divertido, cáustico, físico e, acima de tudo, curioso. O já confirmado apresentador dos Óscares de 2025 é a melhor personagem de 2024. Uma das últimas da sua “espécie” e que já percebeu o novo mundo no qual se insere. Que continue assim, por muitos bons anos.
DESILUSÃO DO ANO: a produção de séries portuguesas
O ano até começou bem com Matilha, mas só se salvou no fim. A segunda temporada de Rabo de Peixe nunca mais chega. A SIC e a TVI continuam tímidas. A fava da ficção nacional continua a estar do lado da RTP. Feito este reparo, é muito difícil destacar uma grande série nacional em 2024.
Alguns telefilmes, uma série competente mas pouco inventiva (Sempre), um policial mastigado (Irreversível), mais uns projetos da malta nova que conseguem conter algo de original (Astro Mano) são o que há para relevar. O serviço público salva a face com O Americano, lançado já na reta final, mas o menu deixa poucas saudades. O que aconteceu? O Natal traz uma prenda do RTP Lab, sabemos nós, mas tarda em abrir-se.
Pedro Silva
MELHOR SÉRIE: “The Penguin” (Max)
Baseado no seu razoável The Batman, pouco faria crer que o realizador Matt Reeves elevasse The Penguin para uma das melhores séries do ano. Lendas de mafiosos têm histórico rico no grande e no pequeno ecrã e este Penguin ombreia com magnânima concorrência.
Com uma interpretação soberba de Collin Farrel, a série brilha nas microscópicas análises das suas personagens mais do que nas grandes cenas de ação. Em total crescendo ao longo da temporada, os últimos dois episódios são simplesmente arrepiantes.
MELHOR EPISÓDIO: “Baby Reindeer”, Temporada 1 Episódio 4 (Netflix)
O maior soco no estômago transmitido na Netflix este ano não foi responsabilidade de Jake Paul nem Mike Tyson. Meses depois do lançamento do excelente Baby Reindeer, aquele episódio (aquele-que-quem-viu-nem-duvida-de-qual-me-refiro) continua a atormentar-me o sono.
Um desconforto que só ganha intensidade por sabermos que se baseia em factos verídicos e experienciados pelo próprio Richard Gadd, autor e ator que se auto-interpreta.
MELHOR PERSONAGEM: Vince McMahon, documentário “Mr McMahon” (Netflix)
Por vezes as personagens mais interessantes são as da vida real. No fascinante, ainda que imperfeito, documentário Mr McMahon da Netflix, ficamos a conhecer o mentor da WWE, os seus feitos e os seus muitos, muitos pecados.
Num plot twist até para os realizadores, as acusações graves contra Vince que vieram à tona durante a produção acrescentam mais uma camada de drama à história do responsável por um dos produtos de entretenimento de maior sucesso da história.
DESILUSÃO DO ANO: “The Boys”, Temporada 4 (Prime Video)
Depois de três temporadas justamente colocado no topo de muitas listas, a quarta temporada de The Boys foi de longe a menos interessante.
Habituada a mostrar ao espectador coisas que nunca antes vira em televisão, The Boys perde com o tempo o seu shock-value a que se junta uma falta de coragem narrativa em eliminar personagens que já lá não deviam estar. Esperemos que tenha sido apenas um infeliz encher de chouriço antes da anunciada última temporada em 2025.
Susana Romana
MELHOR SÉRIE: “Baby Reindeer” (Netflix)
Baby Reindeer fez o ciclo de vida normal de um grande fenómeno televisivo: de joia descoberta apenas por alguns e por isso uma série incrível; para série que toda a gente estava a ver, e por isso começaram as críticas; a alvo de grandes polémicas (por ser baseada em pessoas reais que a internet depressa tentou desvendar); a série da qual se calhar já nem nos lembramos tão bem porque já vimos duas dúzias desde aí. Como os seres vivos, nasce, cresce, reproduz-me e morre.
Mas esqueçamos a espuma dos dias e concentremo-nos no óbvio e no justo: Baby Reindeer é, de facto, a série do ano. Baseada na vida do criador e protagonista, Richard Gadd, relata a história do aspirante a comediante Donny Dunn, que trabalha como barman num pub em Londres, e que se torna alvo de uma cliente que o persegue, a assustadora Martha. De início é nos quase apresentado como uma comédia, mas este equívoco só serve para que o estaladão de negrume que levamos mais à frente seja ainda mais impactante. Baby Reindeer foi dos poucos riscos numa Netflix cada vez mais desinteressante e o resultado foi um fenómeno de cultura pop que se distinguiu do resto.
MELHOR EPISÓDIO: episódio 3 de “Douglas Is Cancelled” (SkyShowtime)
2024 foi pautado por (pelo menos) dois grandes episódios de televisão: “Cent’anni”, o quarto episódio da série de alto orçamento The Penguin; e o terceiro episódio de “Douglas Is Cancelled”, uma modesta produção britânica que por cá está na SkyShowtime. Douglas Is Cancelled conta a saga de Douglas Bellowes, um respeitado pivô de televisão cuja vida começa a desmoronar quando é acusado nas redes sociais de fazer uma piada sexista num casamento.
No episódio em causa, a sua parceira de apresentação, a jovem Madeline Crow, faz-lhe uma entrevista de preparação para o momento em que vai ter de se explicar perante as câmaras. É um episódio tenso, num jogo de gato e rato impecavelmente escrito e representado. 40 minutos que dão um nó na cabeça do espectador, que fica sem saber o que é verdade e o que é mentira, numa espécie de experiência imersiva bem urdida. E é também um episódio que ressoará em qualquer mulher que já tenha trabalhado num ambiente de trabalho iminentemente masculino e onde o assédio é absolutamente normalizado. E sim, somos muitas.
MELHOR PERSONAGEM: Sofia Gigante de “The Penguin” (Max)
The Penguin, (baseada no supervilão homónimo da DC Comics e um spin-off do filme The Batman de 2022) surge no mesmo ano que uma longa-metragem que, vinda da mesma fonte de personagens, se revelou um flop e um desapontamento quase coletivo. Se por um lado, Joker 2 parece não saber bem para quem é (para fãs de BD? para fãs de musicais? Para fãs de simplesmente ver o circo a arder?), por outro The Penguin parece focado em querer ser a próxima grande série de drama com o carimbo da HBO, a mesma casa de Guerra dos Tronos, Os Sopranos ou Sucession. No caminho, desposa-se quase completamente dos maneirismos dos filmes de super-heróis e aproxima-se mais de uma série sobre o crime organizado sem mascarilhas ou maquilhagens caricaturais.
E se Colin Farrell tem um ótimo desempenho no papel que dá nome à epopeia, não há cena nenhuma em que Cristin Milioti e a sua Sofia Gigante (que no início da série é Sofia Falcone) não lhe roube o protagonismo. Muitos reconhecerão Milioti como a mãe de How I Met Your Mother, num registo fofinho e cómico, mas a atriz revela-se um portento de carisma neste drama violento e obscuro. É a principal antagonista e a implacável filha do falecido chefe da máfia Carmine Falcone e rival de Oswald “Oz” Cobb (o tal Penguin), o antigo executor do seu pai. No momento da série, Sofia acabou de ser libertada do Hospital Estadual de Arkham e depressa se vira contra a família e lança-se no negócio de uma nova droga. A personagem mistura crueldade e trauma nas doses certas, num daqueles casos em que é impossível não torcer pela má da fita.
DESILUSÃO DO ANO: “A Diplomata”, temporada 2 (Netflix)
A Diplomata é uma série que incorre logo num crime grave: desperdiçar a atriz incrível que é Keri Russell (a mesma de The Americans, uma das melhores séries dos últimos anos). Russell e a generalidade do fortíssimo elenco dão a esta série uma camada de credibilidade que não merece. Mais do que se permitir liberdades criativas para poder desenvolver uma narrativa apetecível, esta epopeia da nova embaixadora dos Estados Unidos no Reino Unido ruma constantemente ao ilógico, ao forçado, ao Deus Ex Machina. O que é permitido a um programa de domingo à tarde sem grandes pretensões, mas era escusado numa série que vem à partida apresentada como mais do que isso.
Além de infantilizar constantemente os não-americanos, A Diplomata simplesmente não percebe o que faz um diplomata. Ou percebe, mas dava mais jeito ter um pezinho na espionagem e na vontade de salvar o mundo com telefonemas. Tem bons diálogos, tem bons atores, mas os arcos narrativos parecem o Calvin a jogar Calvinbola com o Hobbes: vale tudo e as regras podem ser mudadas conforme a vontade. A primeira temporada já incorria desta tendência; a segunda, estreada este ano, carrega forte no botão do “que se lixe” e leva a tontearia mais longe. Uma pena, porque desta vez até temos a sempre maravilhosa Allison Janney a fazer de vice-presidente.
Susana Verde
MELHOR SÉRIE: “Baby Reindeer” (Netflix)
Dia de 12 do 11 de 24 afirmei que Disclaimer era a série do ano. Corta para um mesito depois e afinal… Não. O facto é: esqueci-me que Baby Reindeer era de 2024 e esta sim é, para mim, a série do ano. Se a minha escolha se deve à velha máxima “a realidade ultrapassa sempre a ficção”? Não.
O guião, as interpretações, a realização e tudo o mais é sublime. Mas a forma como o criador e protagonista Richard Gadd rasga a sua vida nesta série, o facto de ele ser claramente uma vítima e não deixar de apontar o dedo para as suas falhas de carácter, é inultrapassável.
MELHOR EPISÓDIO: “VII”, de “Disclaimer” (Apple TV+)
A minha “quase melhor série do ano” fica aqui representada. A justiça tinha de ser feita à extraordinária realização e argumento do Alfonso Cuáron, ao elenco brilhante (com Cate Blanchett e Kevin Kline a partirem a louça toda) e a uma Fotografia tão boa que merece maiúscula.
A tudo isto acresce um último episódio que não só tem um efeito absolutamente transformador na narrativa criada até esse momento, como fez com que o fim da história me tenha feito repensar tudo o resto. Concluindo, o episódio “VII” tornou os outros seis ainda melhores.
MELHOR PERSONAGEM: Martha Scott, de “Baby Reindeer” (Netflix)
“Acho que vou ter pesadelos com a Martha.” Sempre que falava com alguém sobre Baby Reindeer, se o comentário não era este, era uma derivação. Jessica Gunning fez um trabalho de ourives: tudo nela é perturbado e perturbador, sendo histriónico apenas quando é absolutamente necessário.
Depois de ver a entrevista da alegada “Martha” da vida real ao estafermo do Piers Morgan, mais assoberbada fiquei. De salientar, que a atriz não qualquer referência para além da descrição de Gadd, pois a stalker só se “acusou” depois da série sair. Impressionante.
DESILUSÃO DO ANO: “Ninguém Quer Isto” (Netflix)
É difícil falar de desilusões no pequeno ecrã, quando aconteceu Joker: Loucura a Dois no grande. Mas eu faço-vos a vontade. Vi Ninguém Quer isto, no seguimento do gentil convite do Observador para me debruçar sobre a série.
O título estava no top da Netflix e as menções nas redes sociais eram mais do que muitas. Eu, depois de lamber aqueles 10 episódios (cuja maior virtude é serem curtos), só quis dizer: não posso falar pelos outros, mas eu não quero isto. Banal que dói.