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© Ana Martingo /Observador

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X = boas relações + expectativas ajustadas + vontade. Haverá uma fórmula para a felicidade?

Um estudo recente aponta o dedo às expectativas: afinal, a felicidade pode estar diretamente relacionada com a forma como encaramos a realidade. Mas boas relações também são um remédio infalível.

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A pergunta é para um milhão de euros: qual é, afinal, a receita para a felicidade? A resposta é tão certeira quanto as probabilidades de ganhar a lotaria, mas não deixam de existir fatores capazes de contribuir para um maior bem-estar individual. O assunto de natureza tão etérea continua a ser estudado pela ciência e ao longo dos anos várias fórmulas têm sido sugeridas, desde uma boa higiene do sono à prática regular de exercício físico e meditação, o que para uns pode funcionar e, para outros, nem por isso… Uma investigação recente — tão recente que ainda está a decorrer — aponta o dedo às expectativas. Robb Rutledge, professor associado honorário na University College London, criou o The Happiness Project para, através de uma aplicação para telemóvel que qualquer pessoa pode descarregar, descobrir a equação matemática que define a felicidade (em 2016, Rutledge e a equipa propuseram uma equação inicial de felicidade, ligando-a à igualdade). Quem nunca teve jeito para contas que meta o dedo no ar.

“Nunca vai existir apenas uma fórmula para a felicidade”, garante Rutledge num artigo de opinião recente. Ainda assim, “a ciência pode ajudar a explicar os diferentes fatores que importam para a felicidade de cada um”. O projeto em si consiste num convite: o download da app permite que, em menos de cinco minutos, a pessoa jogue um de quatro jogos e, assim, contribua para a investigação. Até agora, “milhares de pessoas jogaram, respondendo à pergunta “Está feliz agora?” mais de um milhão de vezes”, escreve o investigador. As conclusões preliminares, considerando a performance de 18.420 pessoas, determinam que as expectativas contam e muito. Os quase 20 mil indivíduos participaram num jogo simples que implicou tomar decisões de risco e, posteriormente, reportaram o que tinham achado sobre a sua performance — e o que aconteceu? Os investigadores, cruzando esses dados com exames de ressonância magnética feitos aos cérebros dos participantes, verificaram que a felicidade não dependia de como o jogo estava a correr, bem ou mal, mas sim se as pessoas estavam a jogar melhor do que o esperado. “A nossa investigação mostra como expectativas altas podem ser um problema”, escreve Rutledge, que dá o seguinte exemplo: não é boa ideia dizer a um amigo que vai adorar o presente que está prestes a receber; reduzir as expetativas no último momento aumenta a probabilidade de uma surpresa positiva.

Isto não quer dizer que devemos sempre esperar o pior, até porque as expetativas sobre eventos futuros também impactam e influenciam a nossa felicidade. Outro exemplo dado pelo investigador é o seguinte: se fizermos planos para nos encontrarmos com um amigo depois do trabalho, podemos ficar infelizes se este cancelar repentinamente, mas ficar à espera desse cancelamento não nos deixa mais felizes; podemos, sim, ficar um pouco mais bem-dispostos se passarmos o dia ansiosos para o ver, mesmo que haja o risco de as coisas não correrem como o esperado. Além disso, as expectativas são importantes para a tomada de decisões e esperar continuamente que tudo dê errado pode não ser um bom contributo. “As expectativas realistas geralmente são as melhores.” Na verdade, a felicidade está intimamente ligada com o quanto conhecemos sobre o nosso meio.

"Criamos a felicidade na ilusão de expectativas e da pré-destinação, como achar que vamos encontrar o homem da vida. Através do que a sociedade nos vai dizendo, vamos construindo as expectativas do que deve ser a nossa vida"
Cristina Felizardo, autora do livro Plano C para a felicidade

A dose correta de expectativas

A vida de Cristina Felizardo mudou assim que soube que o filho recém-nascido tinha lesões cerebrais. A mensagem trazida pela médica fê-la perder “o plano original” para a felicidade, aquele a que a tinham acostumado desde a infância: estudar, ter uma carreira e um ordenado que desse qualidade de vida, encontrar — neste caso em concreto — o homem dos sonhos e ter dois filhos, trabalhar para sustentá-los, chegar à reforma e subir a bordo de um cruzeiro rumo às Caraíbas. “Como é que pessoas tão diferentes têm o mesmo plano, como se fosse de tamanho único?”, questiona agora Felizardo. O livro que escreveu, “Plano C para a felicidade”, publicado no final do ano passado, foi o culminar de toda uma experiência de 10 anos que envolveu o luto da maternidade prometida, ao qual se seguiu a perda de emprego e o fim do casamento. Licenciada em Serviço Social, posteriormente especializada em Aconselhamento no Luto pela SPEIL e responsavél pelo projeto CFeliz, Felizardo é perentória: o que ameaça sempre a felicidade é a armadilha das expectativas. Independentemente do idealizado, diz, “a vida é soberana”.

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“Criamos a felicidade na ilusão de expectativas e da pré-destinação, como achar que vamos encontrar o homem da vida. Através do que a sociedade nos vai dizendo, vamos construindo as expectativas do que deve ser a nossa vida”, diz. O ponto de viragem para Cristina Felizardo deu-se quando tudo o que tinha alinhavado deixou de fazer sentido, demonstrando o poder aleatório da vida e o caminho de solidão que teve de percorrer. A boa notícia, assegura, é que, quando tudo falha, o único caminho é para cima. Quando saiu do hospital, onde praticamente “viveu” três anos, juntou-se a outras famílias com crianças com necessidades especiais e acabou por fundar uma associação de apoio a estes núcleos familiares.

O percurso que se seguiu envolveu reconstruir laços, criar redes e estudar o tema do luto. Com o tempo, Felizardo refez a vida a amorosa e adaptou-se às necessidades do filho agora com 13 anos. É ela quem assegura que a felicidade é uma construção permanente, um bem-estar subjetivo que depende da singularidade de cada um, e defende a libertação das expectativas impostas, vindas de fora, bem como uma viagem de autodescoberta: “Saber quem somos para sabermos o que nos faz feliz”. Em jogo entra necessariamente o equilíbrio, porque ter zero expectativas é não ter sonhos.

A questão das expectativas também é abordada pela psicóloga Cláudia Morais que cita Martin Seligman, “pai da psicologia positiva”, para depois afirmar que a nossa felicidade está diretamente associada à realidade. “Quanto mais conseguirmos olhar para a realidade como ela é, mais saudável e felizes nos vamos sentir”, o que, de certa forma, também “cola com a terapia de luto”. O estado de aceitação — tão importante no processo de luto — é válido para diferentes perdas, não apenas aquela física.

"Podemos pensar que há algo de errado connosco se não sentirmos uma felicidade duradoura com uma promoção, mas a alegria por tempo limitado é uma adaptação que ajuda o cérebro a ajustar-se às circunstâncias para que estejamos prontos para dar o próximo passo."
Robb Rutledge, investigador e académico na University College London

Uma outra lição importante a reter da investigação em curso de Robb Rutledge é que a maior parte dos eventos não afetam a felicidade durante muito tempo. “Podemos pensar que há algo de errado connosco se não sentirmos uma felicidade duradoura com uma promoção, mas a alegria por tempo limitado é uma adaptação que ajuda o cérebro a ajustar-se às circunstâncias para que estejamos prontos para dar o próximo passo.” Talvez seja por isso que o investigador e académico encare a felicidade enquanto uma ferramenta e não um objetivo em si. Pode, assim, ajudar-nos a entender melhor o que nos preocupa e o que valorizamos, pode servir de medidor para quando as coisas estão a correr surpreendentemente bem, o que faz aumentar a motivação, ou pode ser um sinal de que algo deve mudar.

©Ana Martingo/Observador

Relacionamentos, relacionamentos, relacionamentos

Há estudos e estudos. E depois há aqueles que se prolongam ao longo de 80 anos, como é o caso da investigação que começou a acompanhar a saúde de 268 alunos de Harvard no final dos anos 1930, durante o período da Grande Depressão (os grupos de controle foram-se expandindo ao longo das décadas seguintes). Em 2017, escrevia-se que o estudo já abrangeu quatro diretores, cujos mandatos curiosamente refletiram os interesses médicos e as visões da época, sendo um deles o psiquiatra George Vaillant (entre 1972 e 2004) — foi ele quem enfatizou e reconheceu o papel dos relacionamentos nas vidas longas e felizes de alguns dos intervenientes. “Quando o estudo começou, ninguém se importava com a empatia ou com o apego. Mas a chave para um envelhecimento saudável são relacionamentos, relacionamentos, relacionamentos”, chegou a dizer.

Cláudia Morais, psicóloga clínica que já antes escreveu o livro “25 Hábitos dos Casais Felizes”, não tem dúvidas. A felicidade está diretamente relacionada com a qualidade dos relacionamentos, algo transversal ao ser humano. “Precisamos deste sentido de pertença e de propósito que está associado às nossas relações. Isso pode passar pela contribuição para a felicidade dos outros ou, numa perspetiva maior, para o bem comum, considerando o exemplo do planeta terra.” De uma forma ou de outra, “estamos programados para construir laços”, afiança.

Porque perdemos (e como mantemos) amigos ao longo da vida?

No contexto social, há dois conceitos da psicologia importantes para a conversa: desamparo aprendido e amparo aprendido. “Se a pessoa tiver crescido com terceiros que a diminuíram, mesmo de forma não intencional, ela vai olhar para si também de forma redutora”, diz, acrescentando que este cenário é comum entre vítimas de violência doméstica e/ou emocional. O amparo aprendido, por sua vez, reflete o contrário: uma pessoa rodeada de outros que reconheçam o poder das suas escolhas vai sentir-se empoderada. E isto também é válido no contexto profissional, onde as boas relações podem atenuar situações em que as condições não são ideais.

10 segredos dos casais felizes

A “brincadeira com companhia”, diz ainda Cláudia Morais, é o melhor antídoto para estados depressivos. “Quando conseguimos descomprimir e relaxar com os outros, isso efetivamente faz-nos bem. Encontramos vigor para encararmos as nossas adversidades. É preciso valorizar na medida certa o lazer ou a brincadeira com companhia. Vamos ter sempre adversidades e, se a nossa vida for só um conjunto de obrigações, eventualmente vamos sentir-nos insatisfeitos”, acrescenta.

“Quando o estudo começou, ninguém se importava com a empatia ou com o apego. Mas a chave para um envelhecimento saudável são relacionamentos, relacionamentos, relacionamentos"
George Vaillant, psiquiatra e investigador norte-americano

A felicidade depende mesmo de nós?

Cristina Nogueira da Fonseca, consultora especializada em felicidade e fundadora de Happytown, que associa a felicidade à maximização de produtividade no âmbito corporativo, coloca temporariamente as respostas científicas de lado para, depois, dar a seguinte definição: a felicidade é a perceção de que a vida que estamos a viver vale a pena, tanto as boas experiências como as más. “É uma construção emocional que envolve passado, presente e futuro, olhando para o passado e presente com gratidão e encarando o futuro com otimismo e esperança.” Nesse contexto, tanto a vontade como a autodeterminação são encaradas como instrumentos de realização pessoal. “Somos os principais responsáveis pela nossa felicidade e, por conseguinte, também os principais responsáveis pelas decisões que conduzem à nossa infelicidade.”

Apesar de Cristina Nogueira não ignorar a dimensão genética, no sentido em que “herdamos uma predisposição genética para estados depressivos, de ansiedade, para comportamento aditivos e similares”, a qual não “condena a uma vida de infelicidade”, o destaque vai para a importância de escolhas tão simples como o bom descanso, a boa nutrição e o desporto. “Descuramos muitas vezes esta dimensão porque vemos a felicidade como algo exterior a nós, mas, na verdade, ela também precisa de um corpo saudável para se manifestar.” A isso acresce a ideia de experiências ao invés de posses. “A investigação diz-nos que somos mais felizes se gastarmos o dinheiro em experiências, viagens, jantares, concertos e similares e, além disso, os estudos também são claros: as pessoas mais felizes preferem ter mais tempo para aproveitar a vida, do que ter mais dinheiro. Há esta crença de que temos de nos sacrificar para as coisas acontecerem, quando as coisas boas já aqui estão.”

“Hoje, dizer-se que não se é feliz é uma vergonha. Se não somos felizes é por culpa nossa”

Curiosamente, em outubro de 2019, o espanhol Edgar Cabanas, coautor do livro “A Ditadura da Felicidade” (além de professor na Universidade Camilo José Cela, em Madrid, e investigador associado no Max Planck Institute for Human Development, em Berlim) dizia em entrevista ao Observador que, atualmente, no mercado são vendidas soluções “simples e individuais para problemas bastante complexos e estruturais”, que nos fazem acreditar que temos o controlo sobre a nossa própria felicidade. É um círculo vicioso, afirmou, porque em muitos casos “esses produtos da felicidade não só não resolvem os problemas que prometem resolver, mas também geram novas formas de desconforto”. Falamos de sentimentos de frustração e de culpa, mas também de uma busca obsessiva pela felicidade. “Essa obsessão representa novas formas de auto-absorção e narcisismo.”

"A pandemia afetou a felicidade da maior parte de nós pela forma como impactou os nossos laços. Estivemos longe das pessoas de quem mais gostamos durante muito tempo, longe da possibilidade de nos divertirmos"
Cláudia Morais, psicóloga clínica

Há felicidade depois da pandemia?

A 9 de abril de 2020, ainda no início da pandemia, a publicação norte-americana The Atlantic arrancava com uma coluna dedicada à felicidade, assinada por Arthur C. Brooks, professor na Harvard Kennedy School e Harvard Business School, bem como a voz responsável pelo podcast The Art of Happiness With Arthur Brooks. No primeiro artigo, o académico apresentou três equações capazes de representar a felicidade: “bem-estar subjetivo = genes + circunstâncias + hábitos”, “hábitos = fé + família + amigos + trabalho” e “satisfação = o que temos ÷ o que queremos”, no sentido em que quanto menos desejos tivermos a dividir-nos a atenção, mais paz e satisfação encontraremos no que já temos. O momento para discutir a felicidade não podia ter sido mais oportuno, tendo em conta sobretudo a forma como a pandemia nos trancou em casa e obrigou-nos a ajustar as expectativas.

Em março deste ano, um estudo citado pela Agência Lusa dava conta que quase metade dos portugueses considerava que o seu estado de saúde global tinha piorado na sequência da crise sanitária, com um em cada cinco a considerar o mesmo face à saúde mental.

“A pandemia afetou a felicidade da maior parte de nós pela forma como impactou os nossos laços. Estivemos longe das pessoas de quem mais gostamos durante muito tempo, longe da possibilidade de nos divertirmos”, diz Cláudia Morais que parte sempre do ponto de vista do que observa em consultório — seja ele físico ou virtual. A situação descrita terá sido substancialmente pior considerando quem vive sozinho. No entanto, se no primeiro confinamento fomos forçados a encarar um quotidiano diferente, novidade que trouxe algum entusiasmo e ajudou a compensar o isolamento, no segundo, as pessoas já estavam cansadas para repetir o formato. Por isso mesmo, “a felicidade ficou mais comprometida em 2021 do que em 2020”, afiança a psicóloga clínica. “Observamos claramente que houve um aumento das perturbações de ansiedade. A ansiedade e a depressão andam de mais dadas com o isolamento e se a isso juntarmos a vigilância… O cérebro está programado para prestar atenção às ameaças e vivemos quase todos os dias com estes números [de infetados e de mortes].”

Sem beijos, abraços ou apertos de mão: os desafios de um mundo privado do toque

Considerando que “a nossa felicidade depende muito da qualidade dos nossos laços e relacionamentos”, a psicóloga nota agora que as pessoas socializam mais, mas descrevem estes encontros com medo de serem julgadas. “As pessoas querem estar com os amigos, mas ainda há medo de falar abertamente sobre isso”, continua, referindo-se também ao policiamento nas redes sociais. E que caminho que podemos fazer agora? “Temos de respeitemos os nossos sentimentos e as necessidades. Não vale a pena compararmo-nos uns com os outros. Quem aponta o dedo está, por norma, em circunstâncias mais agradáveis.” Além do pedido para uma empatia coletiva, Cláudia Morais enfatiza a importância do toque para a saúde mental, que tão dependente está das manifestações físicas.

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