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Afinal, porque se demitiu António Domingues?

Oficialmente não se conhecem os motivos, já que nem António Domingues nem o Governo comentaram ainda o caso. Mas os acontecimentos da última semana, que deram novo gás à polémica e aumentaram consideravelmente a pressão junto do Governo e da administração da Caixa, ajudam a perceber o precipitar da decisão.

Mesmo estando no centro do furacão há semanas, com ataques de todos os lados (primeiro por causa dos salários, depois por causa da transparência, depois por causa das negociações com Bruxelas antes de assumir funções), a maioria dos administradores da Caixa Geral de Depósitos estaria mesmo disposta a ficar no cargo.

Com o cerco a apertar-se em relação à obrigatoriedade de entregarem as declarações de rendimentos e património no Tribunal Constitucional, os administradores do banco público preparavam-se para tentar um novo recurso, pedindo ao Tribunal (que já os tinha notificado para entregarem as declarações) que assegurasse a confidencialidade das suas declarações de rendimentos. Ou seja, ficava o escrutínio feito via juízes do Ratton mas nem toda a gente que o solicitasse poderia ter acesso às declarações.

Tudo mudou quando, na quinta-feira, o Parlamento decidiu agir, esvaziando a possibilidade de o Tribunal Constitucional dar — ou não — uma resposta afirmativa a este último pedido dos administradores.

Numa votação realizada no âmbito do Orçamento do Estado para 2017, PSD, CDS e ainda Bloco de Esquerda, aprovaram a reintegração dos administradores de instituições financeiras públicas no Estatuto do Gestor Público e reforçaram legalmente a obrigatoriedade de estes mesmos gestores se sujeitarem aos deveres de transparência. Com o apoio do BE, a proposta do PSD foi aprovada, o que esvaziou qualquer tentativa de os gestores da Caixa tentarem outra solução junto do TC.

António Domingues, disse o comentador Marques Mendes este domingo na SIC, sentiu-se “ofendido” com a aprovação de uma lei “ad hominem”, “contra uma pessoa, contra ele”, e terá comunicado logo na sexta-feira ao Governo que aquela tinha sido a gota de água — e que apresentava a demissão. Segundo o jornal de Negócios, Domingues terá visto na decisão do Parlamento uma prova da falta de empenho do primeiro-ministro e até do Presidente da República.

A verdade é que nem o PS se coibiu de exigir a entrega da declaração de rendimentos, com o líder parlamentar e presidente do partido, Carlos César, a ser frequentemente o porta-voz dessa tendência: A lei, de 1983, diz que todos os gestores públicos, sem exceção, têm de entregar as declarações de rendimentos quando tomam posse e quando cessam. Por isso a lei é para cumprir. António Costa também nunca saiu em defesa da isenção, apesar de o Governo ter feito um acordo (alegadamente escrito, por e-mail) com os administradores que os desobrigava dos deveres de transparência.

Resta saber que consequências políticas vão ser retiradas, agora que António Domingues bateu mesmo com a porta.

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Porque teve de mudar a administração da Caixa?

Vamos voltar ao princípio da história da mais curta administração em funções na Caixa Geral de Depósitos.

Desde a tomada de posse do atual Governo, há cerca de um ano, que se sabe da intenção de mudar a administração do banco público, liderada por José de Matos e que estava a terminar um segundo mandato.

Foi uma gestão cautelosa, mas sem brilho, há quem diga que por falta de condições financeiras e até políticas — o Executivo de Passos Coelho nunca tratou bem a Caixa — que não conseguiu tirar o banco público do caminho dos prejuízos que percorre desde 2011.

Também já se sabia, desde o final de 2015, que a Caixa ia precisar de mais capital público. Novas exigências regulamentares, o rasto de imparidades, sobretudo por via do crédito malparado, e a necessidade de reembolsar os CoCo’s (instrumentos de dívida subscritos pelo Estado), tornam inevitável a operação. Se bem que a dimensão das necessidades de capital não seja um tema pacífico.

Por outro lado, é tradição, sobretudo em governos socialistas, a escolha da equipa que lidera o banco do Estado, nem que se tenha de demitir antes do final do mandato os gestores nomeados pelo anterior Governo, como fez Fernando Teixeira dos Santos durante o primeiro governo de José Sócrates.

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Como se chegou a António Domingues?

O nome do vice-presidente de longa data do BPI nunca fez parte das listas de elegíveis ou de sondados para liderar a Caixa Geral de Depósitos. Falava-se de Carlos Tavares, presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), em final de mandato, de António Ramalho, então presidente da Infraestruturas de Portugal que viria a assumir a liderança do Novo Banco, e de Paulo Macedo, quadro do BCP e ex-ministro da Saúde do Governo PSD/CDS que, no passado, os socialistas mantiveram como diretor-geral dos Impostos.

Não se sabe quem sugeriu António Domingues, um banqueiro discreto, sobretudo ao lado de Fernando Ulrich, e que seria o seu sucessor na liderança do BPI, um cargo que, no entanto, perdeu atrativos com o lançamento da oferta pública de aquisição pelo CaixaBank.

Sabe-se que o convite foi feito pelo ministro das Finanças a 19 de março, ainda que existam indicações de que Domingues teria começado a olhar para a Caixa em fevereiro, e que foi aceite em meados de abril, depois de conversar com o ainda presidente José de Matos.

A notícia de que António Domingues seria o novo presidente de Caixa Geral de Depósitos é divulgada pelo Expresso no próprio dia em que o gestor aceitou o convite, mas a sua nomeação só viria a acontecer quatro meses mais tarde, no final de agosto.

O currículo sólido na banca comercial e a independência política do gestor são apontados como um trunfo desta escolha que é aplaudida como uma rutura com a tradição nas nomeações para o banco do Estado. Domingues é um financeiro com experiência de discussões com Bruxelas e um gestor bancário profissional, um perfil que fortaleceria a posição portuguesa junto da Comissão Europeia.

O gestor começa logo a trabalhar no plano de recapitalização, discute o tema em Bruxelas e em Frankfurt, onde chega a ser conhecido como o CEO designado e não oficial da Caixa Geral de Depósitos. Domingues garante que só trabalhou com informação pública nestes planos, mas não se livra totalmente das suspeitas de conflito de interesses face ao BPI, ao qual só renunciou a 30 de maio,

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Porque demorou tanto tempo a nomeação da nova administração?

A explicação está nas famosas condições que o futuro presidente da Caixa terá imposto logo quando foi convidado e que o Governo — ou o ministro das Finanças — aceitou. A materialização destas condições não dependia apenas do Executivo e do acionista único da Caixa, obrigou a negociações com a Comissão Europeia e com o Banco Central Europeu e a alterações na legislação vigente.

Mesmo algumas condições, cuja materialização parecia depender apenas do Governo, vieram a revelar-se uma armadilha política da qual só se sairá com um grande custo.

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Quais foram as condições de António Domingues?

Nem todas foram assumidas como tal pelo Governo, nem pelo homem convidado para presidir à Caixa, mas, de acordo com a informação que veio a ser publicada, Domingues terá colocado várias condições para aceitar a missão.

 

Uma das mais importantes terá sido a exequibilidade de um aumento de capital de dimensão elevada no banco do Estado. Domingues terá, também, proposto um modelo de governação, inspirado naquele que existe no BPI, com um leque alargado de administradores não executivos e independentes, mas com a nuance de juntar na mesma pessoa os cargos de presidente executivo e não executivo. O gestor quis, igualmente, escolher os membros do novo conselho de administração.

Outra condição prende-se com a saída da Caixa Geral de Depósitos do espartilho que restringe as empresas e os gestores públicos. Uma mudança que obrigou à aprovação de uma lei feita à medida do banco do Estado, usando como pretexto a passagem da CGD para a supervisão direta do Banco Central Europeu. A consequência mais visível da exceção seria verificada ao nível dos vencimentos, que puderam ser fixados sem as limitações que incidem sobre os gestores públicos, mas acabou por não ser a mais problemática.

Na sua audição, no Parlamento, o gestor atribuiu algumas dessas condições à Comissão Europeia no quadro da negociação do plano de recapitalização.

  • Um plano estratégico credível e consistente, sem ilusões.
  • Um modelo de governo que garantisse a independência profissional dos gestores.
  • Um sistema de remuneração e incentivos que fosse compatível com um do banco privado, para passar no teste do investidor privado.

 

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A condição da recapitalização foi conseguida?

A primeira condição que foi noticiada dizia respeito ao aumento de capital da Caixa Geral de Depósitos e à sua dimensão. Foi o futuro presidente, com a ajuda de consultores e, garante Domingues, apenas com acesso a informação pública, que chegou ao valor de até cinco mil milhões de euros, um número muito superior àquele que estava então na cabeça do presidente da Caixa, conforme admitiu José de Matos no Parlamento.

O valor e as condições da operação tiveram de ser negociados com a Direção-Geral da Concorrência europeia (a DG Comp) porque a Caixa era um banco em reestruturação com um acionista público que iria recorrer a dinheiro público para se recapitalizar.

Era imperioso convencer Bruxelas de que a operação não seria mais uma ajuda de Estado, que teria consequências desastrosas para a Caixa, implicando a imputação de perdas a credores, mas sim um investimento feito com critérios de mercado.

As linhas gerais do acordo acabaram por ser aprovadas no final de agosto com um envelope total de 5.160 milhões de euros que envolve um investimento direto do Estado de 2.700 milhões de euros e uma participação privada de mil milhões de euros, através de instrumentos de dívida. A Caixa fica, ainda, obrigada a apresentar um plano de negócios/reestruturação que implicará o fecho de balcões, a redução de até dois mil trabalhadores e o abandono de operações internacionais.

Este acordo foi celebrado como uma vitória do governo português, mas também do futuro presidente da Caixa, que conseguiram aquilo que parecia ser mais difícil: vencer a resistência da DG Comp, a temível entidade europeia que recusou uma segunda salvação do Banif com dinheiro público.

Mas, três meses depois, o plano de reestruturação propriamente dito ainda não é conhecido e a recapitalização não tem a “luz verde” final de Bruxelas, admitindo-se que a operação possa deslizar para 2017.

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O novo modelo de governo da Caixa passou?

Sim e não. O Banco Central Europeu levantou de imediato reservas à acumulação de cargos por parte do futuro homem-forte da Caixa Geral de Depósitos. E, apesar de aceitar no dia 17 de agosto o modelo em que António Domingues assume os cargos de presidente executivo e não executivo em simultâneo, sublinha que seria uma solução a prazo, a reavaliar ao fim de seis meses.

O BCE considera que deve haver uma separação clara das funções executivas e não executivas nas instituições de crédito e que a separação entre as funções do presidente do órgão do conselho de administração e de administrador executivo deve ser a norma. No entanto, admite a exceção quando ela está prevista nos regimes jurídicos, como é o caso português, em situações excecionais e mediante a tomada de medidas corretivas.

Uma dessas medidas seria o reforço de poderes dos administradores não executivos ou mesmo do número destes administradores — um cenário que acabou por não ser concretizado no imediato por razões que vamos ver a seguir. Uma das justificações invocadas pelas autoridades portuguesas passa pela circunstância de a Caixa ter apenas um acionista, o que reduz o raio de ações de um chairman que tem como uma suas missões fazer a ponte com os acionistas.

Independentemente da lei ou dos argumentos, o BCE irá reavaliar a acumulação de cargos e “pode revogar a autorização, se determinar que o resultado da avaliação sobre a persistência das circunstâncias excecionais não é satisfatório”.

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E os nomes escolhidos por Domingues?

A condição de remeter para o futuro presidente a escolha e o convite aos futuros administradores da Caixa Geral de Depósitos foi cumprida pelo acionista Estado, mas algumas das escolhas de Domingues acabaram por esbarrar na avaliação feita pelo Banco Central Europeu.

O primeiro golpe foi dado na vasta e experiente equipa que o futuro presidente queria reunir ao nível de administradores não executivos da Caixa Geral de Depósitos. Dos 19 nomes sondados, oito acabaram por cair na proposta formal apresentada ao supervisor europeu, depois de o BCE ter feito saber que as personalidades eram incompatíveis com os requisitos da lei bancária portuguesa.

Em causa estava a acumulação de administrador da Caixa com cargos na administração de outras sociedades, designadamente não financeiras, uma situação que limita a disponibilidade para desempenhar as funções exigidas no novo modelo do banco público.

De fora ficam personalidades como Leonor Beleza (presidente da Fundação Champalimaud), Carlos Tavares (presidente da Peugeot Citröen), Angelo Paupério (presidente da Sonaecom e administrador da Sonae), Rui Ferreira (presidente da Unicer), António da Costa Silva (presidente da Partex), Fernando Guedes (presidente da Sogrape), entre outros.

O secretário de Estado do Tesouro, Ricardo Mourinho Félix, ainda admite mudar a lei para viabilizar as nomeações, mas algumas destas personalidades passam a estar indisponíveis, e a oposição manifestada pelos partidos à esquerda do PS obrigam o governo a recuar. Acabaram por ficar apenas quatro administradores não executivos — Rui Vilar, Pedro Norton, Herbert Walter e Ángel Corcostegui.

A equipa executiva proposta por António Domingues passou, mas não sem uma recomendação expressa feita a três administradores para fazerem formação adicional em áreas específicas da banca na Insead (escola de negócios francesa).

Os recados do BCE não ficam por aqui. O supervisor europeu recorda ao governo e a Domingues as recomendações aprovadas pela própria Caixa Geral de Depósitos em matéria de diversidade de género nos cargos de chefia e determina que a administração do banco deverá ser composta em um terço por mulheres a partir de 2018.

Com a exclusão de Leonor Beleza deixou de haver presença feminina na equipa de António Domingues que sofre, aqui, o primeiro revés sério nas condições que terá colocado, mas por culpa do BCE.

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A Caixa e os seus gestores libertaram-se dos limites do setor público?

Até certo ponto sim, pelo menos no que diz respeito à política de remunerações e prémios da administração, que foi fortemente condicionada durante o período de vigência do programa de assistência.

No dia 8 de junho, o Conselho de Ministros aprova um decreto-lei que determina a não aplicação à Caixa do estatuto do gestor público invocando a qualidade de entidade supervisionada significativa que a coloca sob a tutela do BCE. É ainda argumentado que as regras específicas a que estão sujeitas as instituições de crédito “sobrepõem-se largamente, ou mesmo ultrapassam os limites estabelecidos à organização, ao funcionamento e à atividade de entidades públicas, incluindo as integradas no setor empresarial do Estado, e aos titulares dos respetivos órgãos”.

O diploma, que tem apenas uma página, não passa no Parlamento e é prontamente promulgado pelo Presidente da República, com uma nota explicativa.

 

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Quais as razões de Marcelo para aprovar o diploma?

Assumindo que é decreto feito à medida do banco público, “aplica-se no imediato, apenas à Caixa Geral de Depósitos”, Marcelo Rebelo de Sousa destaca a urgência do plano de reestruturação e da sua aprovação pelas instâncias europeias e confirma que o Governo apresentou o diploma como uma condição necessária “para a entrada em funções da nova administração”.

O Presidente defende, ainda, que o plano de recapitalização e de reestruturação, então ainda “insuficientemente enunciado”, deixa aparecer “como primeira peça e quase decisiva o estatuto remuneratório da gestão, que deveria, em rigor, ser instrumental relativamente à estratégia definida”.

Assinalando que as regras do anterior governo já permitiam vencimentos na Caixa acima dos tetos salariais impostos aos gestores públicos, o que demonstra com números, Marcelo Rebelo de Sousa mostra claramente reservas ao novo diploma que deixa em aberto os montantes a fixar, lembrando que o Estado não se deve demitir da responsabilidade na fixação de remunerações mais elevadas, nem de exigir mais resultados nesse cenário.

O presidente decide promulgar, depois de “ponderadas estas razões e sobretudo o facto de a não promulgação equivaler à não entrada em funções do novo conselho de administração, com o agravamento do risco de paralisia da instituição”.

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Os salários "sem tetos" da nova administração foram bem aceites?

A decisão mais ou menos assumida pelo Governo de mudar a legislação aplicada à Caixa para aumentar a margem de manobra na fixação dos vencimentos da administração foi contestada, mais à direita do que à esquerda do PS.

Mário Centeno prometeu, também, legislar para libertar os trabalhadores da Caixa das restrições aplicadas às empresas públicas. E argumentou que a aplicação da legislação anterior ficaria mais cara, porque permitiria aos novos gestores optarem pelo vencimento médio dos três anos anteriores, o que nunca demonstrou.

Mas foi só depois de o ministro ter revelado o valor das remunerações de António Domingues — 423 mil euros anuais ou pouco mais de 30 mil euros mensais — e dos administradores executivos — 337 mil euros anuais — é que a polémica estalou a sério. Os valores que Centeno diz terem sido calculados a partir da mediana dos salários pagos pelos bancos comparáveis — exercício que nunca foi divulgado — correspondiam, no caso do novo presidente, quase ao dobro do que recebia o antecessor, José de Matos. Domingues e a equipa executiva têm ainda a possibilidade de receber prémio de gestão num valor até metade da remuneração fixa.

Desta vez, a esquerda, em particular o Bloco de Esquerda, não hesitou em classificar os salários de inaceitáveis juntando-se ao PSD e ao CDS na apresentação de propostas para impor limites aos salários dos gestores da Caixa, que ainda estão por votar. A do PCP foi a única até agora votada recebeu um “chumbo”.

Até Marcelo Rebelo de Sousa se meteu na polémica, lembrando o aviso que já tinha feito quando promulgou o decreto da Caixa. O banco vai receber mais dinheiro público e ainda deve dinheiro ao Estado, condições que, no caso dos bancos privados, determinaram um corte de 50% nos vencimentos dos administradores.

Mas o pior ainda estava para vir.

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Como se passa da polémica dos salários para as declarações de rendimento?

A bomba é lançada por Luís Marques Mendes no espaço de comentário que tem ao domingo na SIC. O antigo líder do PSD avisa que o diploma que isenta os gestores da Caixa Geral de Depósitos das regras aplicadas aos gestores públicos tem consequências que vão para além dos limites às remunerações.

Os administradores do banco ficariam também livres de outras obrigações dos gestores públicos, designadamente ao nível da transparência, sendo desobrigados de apresentar as declarações de rendimentos e de património exigidas a seguir à nomeação para o cargo. Marques Mendes denuncia uma situação de exceção que admite ser um lapso.

Mas não é. Dias depois, o Ministério das Finanças assume que a dispensa de declarações da entrega de declarações de rendimento e património por parte dos novos gestores da Caixa foi intencional. E justifica que o escrutínio já foi feito pelo acionista e pelo supervisor (Banco de Portugal e Banco Central Europeu).

A isenção da entrega das declarações terá correspondido, isso já as Finanças não assumem, a um compromisso estabelecido com António Domingues quando foram negociadas as condições para este aceitar o cargo. Este compromisso foi depois retransmitido aos gestores convidados pelo futuro presidente da Caixa. Alguns só terão aceitado o convite com esta ressalva.

Nos dias seguintes, há notícias que dão conta de que o presidente da Caixa e os restantes administradores não têm intenção de apresentar a declaração, uma opção fundamentada em pareceres jurídicos da própria Caixa.

Mas, dentro do próprio governo, as dúvidas ganham força perante uma lei de 1983 que obriga os titulares de cargos políticos, incluindo gestores de empresas públicas, a apresentar uma detalhada declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional para consulta pública.

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Como é que o governo geriu a polémica das declarações?

Depois da primeira resposta sobre o tema, a posição do Executivo foi evoluindo noutro sentido.

Primeiro, o secretário de Estado do Tesouro, Ricardo Mourinho Félix, veio admitir que, afinal, os gestores poderiam ter de apresentar as declarações exigidas pela lei de controlo da riqueza dos titulares de cargos públicos, apesar de declarar que a alteração legislativa aplicada ao banco do Estado tinha a intenção de dispensar os gestores desse dever.

Mais contundente foi o secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares. Em entrevista ao Diário de Notícias/TSF, Pedro Nuno Santos assume:

“Aos gestores da CGD não se aplica o estatuto de gestor público, mas eles têm de apresentar a declaração de rendimentos porque a lei de 1983, aliás invocada pelo Presidente da República ainda na sexta-feira, diz isso mesmo e essa não foi alterada”.

Para esta reviravolta foi determinante o comunicado feito pelo Presidente da República uns dias antes, que equivale quase a um parecer do especialista na Constituição, Marcelo Rebelo de Sousa. A exclusão da Caixa do estatuto do gestor público não altera a obrigação de entrega das declarações de rendimento e património previstas na lei de 1983, que não foi alterada.

À luz da finalidade deste diploma, “considera-se que a obrigação de declaração vincula a administração da Caixa Geral de Depósitos.” O Presidente remete, então, para o Tribunal Constitucional a competência para decidir sobre a questão em causa.

Também o primeiro-ministro, António Costa, veio dizer, a propósito do tema, que ninguém está acima da lei.

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Criado o impasse, como é que a situação evoluiu?

A administração da Caixa começa a passar para fora sinais de desconforto com a pressão política. Surgem na praça pública ameaças de demissão de alguns administradores que podem resultar numa saída em bloco da equipa liderada por António Domingues.

O Tribunal Constitucional (TC) notificou os 11 administradores — sete executivos e quatro não executivos — para entregarem as respetivas declarações no dia 9 de novembro. O prazo para cumprirem é de 30 dias. A recusa em entregar a informação é motivo para demissão, mas há uma terceira via que pode ser tentada.

Os administradores podem pedir ao Constitucional que mantenha as declarações sob reserva. Apesar de ser uma situação excecional, que só pode ser autorizada quando está em causa o interesse de terceiros, e raramente permitida pelo TC, essa parece ser a aposta dos gestores da Caixa que preparam ainda a contestação jurídica à obrigação de apresentarem a declaração, com base na lei que libertou o banco das regras das empresas públicas.

Começam a circular nomes para substituir António Domingues. Fala-se de um “plano B” para a Caixa, que o primeiro-ministro desmente. Há quem defenda, também, a estratégia de ganhar algum tempo, algumas semanas, para permitir que a atual gestão deixe fechado o plano de recapitalização. Mas dias depois começam a sair notícias de que, afinal, Domingues e alguns gestores admitem ficar, mesmo tendo de entregar declaração.

O clima desanuvia, mas por pouco tempo. Volta a ficar carregado com confirmação de que existiriam compromissos por escrito do Governo (suspeita-se que da parte do secretário de Estado do Tesouro, Mourinho Félix) a Domingues no sentido de isentar a sua equipa do dever de entregar declarações.

O Governo e o secretário de Estado do Tesouro e Finanças desmentem. A pressão sobre os administradores da Caixa para a entrega das declarações de rendimento e património cresce e vem de todos os lados, da esquerda à direita, sem falar do próprio Presidente da República com quem Domingues se reúne.

E nem o Governo está confortável na defesa da administração que escolheu e das condições que lhe terá garantido. Um dos discursos mais duros é feito pelo presidente do PS, Carlos César.

“A questão é muito simples: Se no prazo adequado os administradores da Caixa o fizerem, está tudo bem; se não o fizerem, não devem continuar como administradores da CGD.”

O PSD e o CDS exigem a entrega ao Parlamento de todos os documentos trocados entre Domingues e o Governo sobre o assunto. No meio da controvérsia sobre as declarações, o ministro das Finanças anuncia o adiamento da recapitalização da Caixa para 2017. E ainda a novela das declarações está a decorrer e já o PSD relança a polémica da presença do novo presidente da Caixa em reuniões com instâncias europeias quando ainda era quadro do BPI.

E na sexta-feira, o Parlamento aprova uma lei que deixa escrito, preto no branco, a obrigação da entrega de declarações de rendimentos por parte dos gestores da Caixa. A iniciativa é do PSD, mas o Bloco de Esquerda, aliado do Governo, junta-se à direita (o CDS também apoia) para aprovar o diploma que faz cair o presidente da Caixa.

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E quem pode ser o novo presidente da Caixa Geral de Depósitos?

Vários nomes têm sido noticiados nas últimas semanas como possíveis sucessores de António Domingues para comandar os destinos da Caixa Geral de Depósitos. Fariam parte do Plano B para o banco que António Costa negou que existisse. Mas agora que Domingues está mesmo de saída quem será o substituto? Esta é a pergunta que se coloca neste momento e à qual o Governo conta dar resposta já esta segunda-feira ou, mais tardar, na próxima quarta-feira, segundo apurou o Observador.

Para já há três nomes que se destacam. E desse top 3 Paulo Macedo parece ser o mais bem posicionado. O ex-diretor geral dos impostos, antigo vice-presidente do BCP e ex-ministro da Saúde de Passos Coelho é tido em muito boa conta no meio financeiro, pela sua experiência. E embora as notícias mais recentes o tenham dado como aposta do Governo para vice-governador do Banco de Portugal, nada impede que Paulo Macedo prefira assumir a presidência da Caixa.

Os outros nomes são Carlos Tavares, presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), e Nuno Amado, presidente-executivo do BCP, sendo que, este último, tem sido apresentado como o menos provável.

Em comunicado enviado, este domingo, às redações, o Ministério das Finanças apenas referiu que “muito brevemente, será designada, para apreciação por parte do Single Supervisory Mechanism, uma personalidade para o exercício de funções como Presidente do CA da CGD, que dê continuidade aos planos de negócios e de recapitalização já aprovados”.

A questão é que a escolha de um novo nome por parte do Governo não significa o fim do problema. A aprovação cabe ao Mecanismo Único de Supervisão — do qual faz parte, além dos supervisores portugueses, o Banco Central Europeu (BCE) –, que não tem prazos para dar resposta. E se no caso da atual administração, a “luz verde” foi rápida, o calendário habitual do BCE para aprovar estas escolhas oscila entre os quatro e os seis meses.

E em caso de demora, poderá vir a existir um vazio de poder na CGD, uma vez que o presidente demissionário António Domingues fica apenas até ao final de dezembro. O Governo teve de convencer seu antecessor, José de Matos, a ficar mais um mês depois da data acordada de saída, para evitar esse vazio enquanto não estavam criadas as condições que concretizaram a entrada em funções da administração de António Domingues.

Com a saída do presidente cai também em princípio o resto da equipa executiva escolhida por ele, mas ainda está em aberto a possibilidade de alguns membros ficarem. Será uma decisão do futuro presidente. Para já pediram a renúncia mais seis administradores — três executivos e não executivos.