A imposição do Banco Central Europeu (BCE) para que o conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos seja composto em 30% por mulheres até ao final de 2018, resulta da aplicação das regras aprovadas pelo acionista do banco do Estado no ano passado, uma decisão ainda do anterior governo.

O relatório do governo da sociedade da Caixa de 2015 diz que o Estado português “definiu um objetivo de género na composição dos órgãos sociais da administração e fiscalização, nomeadamente: 30% de mulheres na composição destes órgãos até ao final de 2018”. Esta proposta, que também inclui dirigentes de outros cargos relevantes do banco do Estado, foi aprovada pelo acionista em setembro do ano passado, quando ainda estava em funções o anterior governo, de acordo com informação recolhida pelo Observador.

Esta meta quantitativa estava em linha com a resolução que a coligação PSD/CDS aprovou no sentido de promover a diversidade nos conselhos de administração das maiores empresas da bolsa, reunidas no índice PSI 20.

O objetivo dos 30%, que estará nas regras internas do banco, terá sido aparentemente ignorado na proposta feita por este governo para os novos órgãos sociais da Caixa, onde apenas constava uma mulher. Leonor Beleza chegou a ser indicada para administradora não executiva, mas foi um dos nomes que não passou no crivo do Banco Central Europeu (BCE) devido a restrições da própria legislação portuguesa em matéria de acumulação de cargos.

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É o BCE, na deliberação que aprova os novos administradores da Caixa, que vem agora impor o cumprimento do objetivo de 30% no prazo já assumido pelo acionista e transposto para as regras internas do banco. Os nomes propostos para a administração da Caixa terão um mandato de três anos, ou seja, até 2018. Em regra, as administrações são nomeadas até maio do ano a seguir ao final do seu mandato, na assembleia geral que aprova as contas anuais.

Para cumprir o prazo de até ao final de 2018, a nomeação da nova gestão pode ser antecipada, pelo menos no caso de alguns membros — não é claro se o objetivo distingue entre administradores executivos e não executivos. Ou então terá de haver mexidas nos órgãos sociais que já receberam “luz verde” antes de terminarem o mandato. Outra hipótese é a de o Estado propor já mais mulheres para os cargos não executivos que falta preencher.

Segundo declarações públicas do secretário de Estado do Tesouro e Finanças, é intenção do executivo cumprir esse objetivo até 2018. Mas Ricardo Mourinho Félix também diz que vai alterar o regime geral das instituições de crédito no sentido de o aproximar da diretiva bancária que é menos restritiva no que toca à acumulação de cargos por parte de administradores não executivos em outras sociedades não financeiras. O objetivo desta alteração é o de permitir a nomeação de pelo menos alguns dos oito nomes que não passaram agora. E apenas um é mulher.

Tanto quanto o Observador soube, os nomes indicados para a administração da Caixa foram escolhidos pelo gestor convidado para presidir ao banco. Não se sabe se António Domingues tinha conhecimento deste compromisso assumido pelo anterior governo para a Caixa em relação à diversidade de género.

BCE. Caixa deve controlar disponibilidade de administradores

Mas a deliberação do BCE não só impõe o cumprimento dessa meta de diversidade de género, como acrescenta que compete à entidade supervisionada, a Caixa, assegurar o seu cumprimento. Esta orientação terá criado alguma surpresa, uma vez que a nomeação dos órgãos sociais é uma competência do acionista, e a Caixa não tem poder para condicionar a escolha dos seus próprios administradores.

Esta instrução do supervisor europeu não é a única a causar perplexidade dentro da Caixa, de acordo com informação recolhida pelo Observador.

A Caixa Geral de Depósitos terá de ficar responsável pelo controlo da disponibilidade dos seus administradores não executivos para o exercício do cargo, bem como pela avaliação da formação que será dada aos membros dos órgãos sociais do banco. No primeiro caso, caberá à entidade, não é muito claro a que órgão, controlar por exemplo assiduidade e o tempo que os administradores não executivos dedicam às suas funções na Caixa, uma situação estranha, na medida em que cabe a estes administradores fiscalizarem a atuação da gestão executiva do banco. A questão não se coloca com os administradores executivos, porque estes estão em exclusividade.

A instituição bancária ficará ainda responsável por fazer a avaliação da formação dos seus administradores. E a deliberação prevê que todos tenham algum tipo de formação. O Observador confirmou a informação avançada pelo Jornal de Negócios de que o BCE impôs a frequência do curso de gestão bancária estratégica da escola de negócios Insead, com sede em Fontainebleu, França, a três nomes apontados para administradores executivos: João Tudela Martins, Paulo Rodrigues da Silva e Pedro Leitão. Estas ações de formação são, por regra, pagas pela própria Caixa.

Para além da exigência de mais qualificação, também a designação de uma escola específica, a Insead, por parte do Banco Central Europeu, causou estranheza.

A deliberação do Banco Central Europeu tem a data de 12 de agosto, tendo sido a avaliação do conselho e do modelo de governo da Caixa bastante rápida, face ao que são os timings normais deste supervisor que passou a tutelar os bancos sistémicos nacionais. A proposta formal chegou a 22 de julho e houve mais do que uma versão, para além da final que foi aprovada e da qual não constam os oito nomes escolhidos para administradores não executivos e que não passaram, para já.