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Quem assinou o acordo de emergência na TAP?

Os seis acordos de emergência foram assinados por 15 estruturas sindicais representativas dos trabalhadores da TAP SA. Entre os subscritores estão os sindicatos que representam a maioria dos trabalhadores da empresa das várias classes profissionais. Na Portugália, as conversas ainda não estarão concluídas.

Entre essas estruturas estão o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil e o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo e Aviação Civil. Oito sindicatos do pessoal de terra: SITAVA (Sindicato dos Trabalhadores de Aviação e Aeroportos), o SITEMA (Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves), o SIMA (Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins), o Sindicato Nacional Dos Trabalhadores Da Aviação Civil (SINTAC), o Sindicato dos Técnicos de Handling de Aeroportos (STHA), o Sindicato dos Quadros da Aviação Comercial (SQAC), o Sindicato Nacional dos Engenheiros (SNEET), o Sindicato dos Engenheiros da Região Sul (SERS) e Sindicato dos Economista. O Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes de Portugal (STTAMP) e o Sindicato dos Trabalhadores dos Aeroportos Manutenção e Aviação (STAMA).

Entretanto também o Sindicato dos Pilotos de Linha Aérea, que representa a Portugália, anunciou ter chegado a acordo.

 

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O que significa um acordo de emergência?

Os acordos de emergência foram propostos pela TAP para substituir os vários acordos de empresa negociados ao longo dos últimos anos com os sindicatos. Estes regulavam um conjunto vasto de situações na relação laboral, desde os salários e progressões, passando por tempos de descanso, folgas, compensações extra, prestações suplementares e até lugares de garagem.

Os novos acordos foram negociados depois da declaração da empresa em situação económica difícil, um quadro jurídico que permitia à TAP suspender de forma unilateral todos os instrumentos de contratação coletiva. O prazo inicial dado para esta negociação de emergência foi menos de um mês, mas acabou por esticar.

Para evitar a aplicação imposta de um regime sucedâneo, os sindicatos negociaram um acordo temporário que permite reduzir os custos laborais até 2024, em linha com as metas financeiras inscritas no plano de reestruturação. Segundo o Governo, os compromissos alcançados permitem à TAP alcançar objetivos financeiros do plano estratégico. A TAP indica que estão a ser adotadas medidas “vigorosas” de redução de custos que permitem benefícios financeiros de 1,5 mil milhões de euros, mas não identifica que fatia será alcançada por via dos custos laborais. Fonte próxima das negociações indicou entretanto ao Observador que as condições negociadas permitem cortar os 1,4 mil milhões de euros aos custos com pessoal até 2024 previstos no plano.

Os acordos vigoram até serem renegociados novos acordos de empresa ou até 2024.

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Quando entram em vigor os acordos de emergência

A entrada em vigor dos acordos de emergência vai depender da validação em assembleia geral de alguns sindicatos, entre os quais os dos pilotos, o SPAC e os pilotos em linha, e dos tripulantes, o SNPVA. O Governo e a empresa esperam que os acordos estejam validados até ao final de fevereiro, e admitem até estabelecer um limite temporal para essa ratificação.

De qualquer forma, e de acordo com o que foi negociado, os cortes salariais e no horário de trabalho (com a correspondente remuneração), serão aplicados com efeito retroativo a 1 de fevereiro, independentemente do timing da sua aprovação final.

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Os acordos vão impedir os despedimentos?

Ainda é cedo para dizer. Os acordos de emergência permitiram reduzir o número de dispensas na TAP dos 2.000 colaboradores apontados em dezembro para 800. Para estes excedentários, a empresa vai propor um conjunto de soluções negociadas que vão desde as pré-reformas e reformas antecipadas, até às rescisões voluntárias e licenças sem vencimento.

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O número de despedimentos só será conhecido no final deste processo e depende da adesão dos trabalhadores às medidas voluntárias. Sendo que no caso de pré-reformas, só haverá até 200 trabalhadores em condições de beneficiar deste regime que ainda terá de ser aprovado pela Segurança Social. No caso das rescisões voluntárias, a TAP tem disponíveis 83 milhões de euros.

Entre as alternativas que permitiram travar as saídas está a transferência para a Portugália, com o correspondente ajustamento salarial, de trabalhadores da TAP, tirando partido do crescimento previsto para esta companhia. A PGA tem uma frota de aviões mais pequena e barata – que serve o médio curso – e o plano de retoma prevê que a sua operação seja reforçada.

Acordos acautelam reforço da operação da Portugália

O Sindicato Nacional do Pessoal de Voo e Aviação Civil refere que o acordo de emergência vai proteger 580 dos 746 despedimentos anunciados, graças a uma combinação de medidas que vão desde a transferência para a Portugália, com o correspondente ajustamento salarial, até à redução de horários e remuneração, e mecanismos de saídas voluntárias: reformas antecipadas, rescisões por mútuo acordo e licenças sem vencimento. Está ainda prevista a saída de quase 170 efetivos, para além dos cerca de 1.000 tripulantes cujos contratos a termo não foram ou não serão renovados. O SNPVAC representa cerca de 2.700 associados.

O SITEMA, que representa os técnicos de engenharia e manutenção, refere em comunicado que conseguiu salvaguardar 174 postos de trabalho num universo de cerca de 900, o que corresponde a “zero despedimentos”. O acordo prevê que até 50 técnicos possam ser transferidos para a Portugália.

No caso dos pilotos, há notícias de que os cortes salariais negociados — mais altos que os aplicados transversalmente ao resto dos trabalhadores — podem mitigar as as mais de 400 saídas anunciadas, mas ainda haverá redução do quadro.

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Quando e se se chegar ao despedimento, quem estará na linha da frente?

É do cruzamento de quatro critérios que vai sair o grupo de trabalhadores que a TAP vai querer dispensar, no caso de não obter as saídas que pretende por via negocial:

  • Produtividade e assiduidade. Quanto maior, menor o risco
  • Experiência e antiguidade são valorizadas
  • Qualificações académicas e técnicas
  • Custo para a empresa em termos de salário fixo

Mas a escolha dos candidatos vai depender da ponderação que for dada a cada um destes fatores, já que os pontos que são considerados positivos como a experiência e antiguidade ou o nível de qualificações são em regra associados a salários fixos mais altos, que constituem um ponto negativo.

Outro fator que vai pesar é a evolução das operações da Portugália. Quanto mais depressa e em maior dimensão retomar a atividade da PGA, maior a necessidade de ir buscar funcionários à TAP, o que pode limitar as necessidades de reduzir colaboradores.

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Para além dos despedimentos, que outras cedências fez a TAP?

Uma das medidas com mais impacto do ponto de vista dos trabalhadores foi o aumento do limiar a partir do qual serão aplicados os cortes transversais de 25% na massa salarial já este ano. O plano da TAP previa que fossem aplicados a partir dos 900 euros brutos mensais, o que apanharia praticamente todos os trabalhadores, mas esse patamar foi elevado para os 1.330 euros, o que na prática reduz a redução da remuneração.

Para um salário bruto de 2.000 euros mensais, um corte de 25% aplicado a partir dos 1.330 euros só incide sobre 670 euros. A redução que daí resulta, de 167,5 euros, é inferior de 10% da remuneração total. Os cortes começam nos 25% e, consoante as classes profissionais, serão reduzidos para 20% até 2024.

Também ficou de fora a polémica cláusula de paz social que impedia o recurso à greve durante o período de vigência dos acordos de emergência nas matérias reguladas por esta negociação, a não ser que a empresa não cumprisse. A formulação que ficou foi: “Sem renunciarem a qualquer direito constitucional, as partes comprometem-se reciprocamente a atuar segundo o princípio geral de boa fé no cumprimento do acordo e a garantir um ambiente sereno e produtivo, indispensável à recuperação da empresa”.

Foram ainda salvaguardas algumas das condições e direitos dos acordos de empresa que estavam em vigor e que seriam postos em causa com a aplicação unilateral do regime sucedâneo, entre os quais a manutenção do pagamento da remuneração nos primeiros três dias de doença e das ajudas de custo sem corte (para os que tinham); de seguros e subsídio de educação especial.

Tripulantes, pilotos e técnicos e de manutenção e engenharia garantiram também que a TAP irá usar os trabalhadores que tem “em excesso” para preencher as necessidades de reforço da Portugália, antes de contratar fora, se bem isso implique aceitar as condições laborais vigentes nesta participada da TAP.

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Os acordos agora negociados estão garantidos?

Ainda não. E por duas razões. A primeira e mais determinante prende-se com o processo de negociação do plano de reestruturação entregue na Comissão Europeia e no qual a TAP apontava para a saída de 2.000 trabalhadores. Bruxelas terá de ficar convencida que os acordos agora obtidos permitem não só a redução de encargos necessária para o período de redimensionamento — até 2022 — mas também uma estrutura de custos sustentável para uma empresa com exploração positiva no futuro.

É a própria TAP a assinalar que a nova realidade laboral resultante dos acordos terá ainda de ser sujeita às conversações que decorrem com a Comissão Europeia sobre o plano de reestruturação.

A outra condicionante é a aprovação em assembleia geral (ou por outro mecanismo) dos associados de dois dos principais sindicatos envolvidos nestes acordos: o SPAC (Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil), o SNPVAC (Sindicato Nacional dos Pilotos de Voo e Aviação Civil) e o Sindicato dos Pilotos em Linha.

No caso de alguns destes compromissos não serem confirmados pelos associados, será aplicado o regime sucedâneo aos trabalhadores em causa.

Outros sindicatos como o SITEMA (Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves) e o SITAVA (Sindicato dos Trabalhadores de Aviação e Aeroportos), já garantiram o aval dos seus associados.

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Para além do salário que outras regalias perdem os trabalhadores?

O corte de 25% na massa salarial é medida mais emblemática e será aplicada transversalmente em toda a empresa — os cortes na administração e nos pilotos até são superiores —  mas a poupança nos custos laborais passa ainda pela redução do número de horas trabalhadas. Vários acordos estabelecem que um regime de diminuição do período normal de trabalho de 15% este ano, que passa para 10% em 2022 e para 5% em 2023.

Até 2024, ficam suspensas as progressões de carreira, pagamento de anuidades e a garantia mínima de voos (para tripulantes). Também ficam sem efeito parcelas dos acréscimos no subsídio de férias e de doenças.

Vôo inaugural do novo Airbus A330 da TAP, entre a cidade francesa de Toulouse e Lisboa, 26 Novembro 2007. JOSÉ SENA GOULÃO / LUSA

Aviões vão ter menos tripulantes

Um dos acordos de empresa que mais foi alterado para responder à emergência foi o dos tripulantes cujas equipas serão reduzidas em um elemento a bordo dos aviões da Airbus. Como pretendia a TAP, será aplicado o número mínimo de tripulantes recomendado pelo fabricante. Os limites de trabalho nos voos de longo curso passam a ser fixados pela regulamentação europeia.

Os períodos de serviço de voo perdem a majoração de 30 minutos e o planeamento na base pode ser reduzido de 17 para 14 horas, caso o serviço anterior apresente irregularidades. O início de folgas pode ser atrasado até 12 horas (terminando mais tarde).

Já os pilotos perdem o direito à estacionamento pago ou assegurado pela TAP, caso queiram manter o subsídio de transporte.

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Pilotos. Um acordo mais exigente ou mais margem negocial?

O processo negocial arrancou com uma guerra de números sobre os salários entre a TAP e o Governo e os pilotos. Segundos os primeiros, os segundos ganhavam mais face aos concorrentes diretos.

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No entanto, o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) foi o primeiro a alcançar um acordo de emergência na quinta-feira passada, mas há mais dúvidas sobre a sua aprovação em assembleia geral porque o compromisso alcançado será mais vantajoso para os mais jovens, na medida em que colocou a manutenção do emprego à frente da salvaguarda do salário.

Os termos deste acordo ainda não foram formalmente anunciados pelo SPAC, mas pelo que já se sabe, tem diferenças importantes no que toca à dimensão dos cortes salariais negociados e que começam já este ano nos 50%, a partir dos 1330 euros. A percentagem baixa gradualmente até 35% em 2024 — 45% em 2022 e 30% em 2023.  O sindicato abdica também dos subsídios complementares e outros benefícios, como complementos ao subsídio de doença, de reforma a de parentalidade.

O exemplo dos pilotos da Lufhtansa que terão conseguido travar despedimentos com um corte voluntário dos salários até 45% terá servido de inspiração. O nível mais elevado de remunerações nesta classe profissional permite, em tese, encaixar uma margem mais significativa de cortes de forma a evitar saídas não voluntárias que no caso dos pilotos eram quase 500.

A TAP aceitou limitar a 21 aeronaves por ano contratação externa a empresas do grupo — com custos mais baratos como a Portugália (PGA)  — e que a necessidade de mais pilotos da sua participada será assegurada pelos profissionais do seu quadro. Em caso de transferência definitiva ou ocasional, os pilotos aceitam as condições de trabalho da PGA.

As duas partes comprometem-se a encontrar mais medidas que venham a ser necessárias para obter as metas de redução de massa salarial no valor de 173 milhões de euros até 2025.

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Como se chegou a este acordo "histórico"? (nas palavras do Governo e da TAP)

Quando em dezembro foram conhecidas as reações iniciais às metas do plano de reestruturação dos sindicatos, poucos acreditariam na viabilidade de materializar cortes tão profundos de forma negociada. Várias vozes apontaram para um plano excessivo e já ultrapassado pelas perspetivas de retoma que então animavam o setor, à boleia dos anúncios sobre as vacinas contra a Covid-19. Sobretudo quando a TAP assumia que queria reduzir agora, para voltar a contratar um ano mais tarde.

Consciente da quase impossibilidade em denunciar e negociar novos acordos no horizonte temporal do plano de reestruturação entregue na Comissão Europeia, a TAP pediu ao Governo que ativasse a condição de empresa em situação económica difícil. O recurso a este mecanismo legal de 1977 permita à empresa avançar nos cortes sem um acordo da parte dos trabalhadores, o que é contra o Código do Trabalho.

A ameaça da imposição de um regime sucedâneo, sem a possibilidade de recorrer a formas de luta como a greve, foi um fator de motivação para os sindicatos abdicarem das reservas iniciais e começarem a negociar um acordo menos mau. O agravamento da pandemia deu outro empurrão importante.

Com Portugal a entrar nas listas negras de voos de vários países, e – por fim – o fecho de fronteiras, a TAP teve de reduzir ainda mais a sua oferta, abaixo do previsto. Isso mostrou que a retoma da aviação vai demorar mais tempo a chegar, o que tirou força à resistência inicial e facilitou o caminho do entendimento.

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Depois de um arranque frio com as partes muito afastadas, o ritmo negocial intensificou-se e quando acabou o prazo inicial imposto pela TAP para obter um acordo de emergência — há uma semana — ninguém parou. As conversas não só continuaram (na Portugália ainda estarão em curso), como se prolongaram para maratonas de várias horas durante a noite, o que prenuncia o progresso confirmado no domingo.

Para o resultado das negociações, contribuiu também o envolvimento direto do Ministério das Infraestruturas, através dos secretários de Estado, mas também do próprio Pedro Nuno Santos que chegou a intervir pessoalmente (à distância) em algumas das reuniões. Do lado do Governo estava também o consultor Guilherme Dray, especialista em direito do trabalho contratado para acompanhar este processo, para além dos vários escritórios de advogados e outros consultores por parte da TAP.