O Presidente da República disse na quarta-feira que teve de promulgar o diploma que permitia afastar Isabel dos Santos do BPI porque o seu antecessor, o ex-Presidente Aníbal Cavaco Silva, tinha preferido não tomar uma decisão dessa natureza por estar na fase final do mandato. Marcelo Rebelo de Sousa explicou tudo com detalhes, datas e relatos de encontros com António Costa, mas a afirmação é errada, já que o decreto-lei do Governo em causa é de 20 de abril de 2016, tendo sido aprovado em Conselho de Ministros a 14 de abril, e o antigo Presidente saiu de Belém mais de um mês antes, a 9 de março de 2016. Ou seja: ao contrário do que sugere Marcelo, Cavaco jamais poderia ter aprovado, vetado ou ignorado um diploma que ainda não existia.

Comecemos pelas palavras do atual Presidente. Os jornalistas questionaram Marcelo Rebelo de Sousa na quarta-feira, 16, sobre o processo de afastamento de Isabel dos Santos do BIC — caso suscitado pelo livro “O Governador”, do jornalista do Observador Luís Rosa –, mas o chefe de Estado desviou a resposta para o processo de afastamento da empresária angolana do BPI. “Eu só falo daquilo que tem a ver com a minha experiência como Presidente da República. E só falo hoje especificamente do caso do BPI“, avisou o chefe de Estado.

Marcelo explicou que, ainda antes de tomar posse, quando se instalou como Presidente-eleito no Palácio de Queluz, António Costa lhe falou logo no problema do BPI como “talvez o mais urgente” da banca portuguesa. O Presidente lembrou também que o primeiro-ministro o alertou para a “necessidade de alterar ou desblindar os estatutos, que estavam blindados para favorecer uma posição — que era a posição de Isabel dos Santos”.

O atual chefe de Estado continuou a história e citou mesmo António Costa: “[O primeiro-ministro] disse-me: ‘Eu tenho aqui um diploma que vou apresentar ao sr. Presidente Cavaco Silva, que estava no fim do mandato, não sei se ele vai promulgar, se ele vai assinar, porque está no fim do mandato, mas se não assinar, sobra para o senhor Presidente [Marcelo].'”

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Marcelo Rebelo de Sousa revela que respondeu o seguinte a Costa: “Faz favor de colocar isso ao Presidente Cavaco Silva e, se ele não promulgar, quando tomar posse, eu debruçar-me-ei sobre isso. Assim foi. O senhor Presidente Cavaco Silva entendeu que não devia promulgar. Eu percebo. Estava no fim do mandato. Não queria melindrar o mandato seguinte.” O atual Presidente vai ao ponto de dizer que Cavaco Silva fez isso também com “a nomeação de uma chefia militar que não queria nomear em vésperas de [Marcelo] tomar posse.”

A questão é que Cavaco Silva não pode ter recusado promulgar o diploma porque este não existia. No próprio decreto-Lei n.º 20/2016, de 20 de abril — que alterou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e permitiu o afastamento de Isabel dos Santos do BPI — é possível verificar a data em que o diploma foi aprovado em Conselho de Ministros: no dia 14 de abril de 2016. Ora, Cavaco Silva não era Presidente da República desde 9 de março, dia em que o próprio Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse.

Parte do diploma que confirma as datas

Quando Marcelo diz “ponderei, ponderei, ponderei e promulguei o diploma um mês e uns dias depois”, sugere que já havia diploma do Governo quando António Costa o abordou na qualidade de Presidente-eleito. O atual chefe de Estado chega a dizer: “Quando assumi funções tinha o problema em cima da mesa”.

Na verdade, o primeiro-ministro até lhe pode ter falado no assunto, mas o Governo nunca aprovou este diploma durante o mandato do anterior Presidente — logo Cavaco Silva não tinha nada em cima da mesa para promulgar, vetar ou ignorar. Aliás, depois de o Executivo aprovar o diploma, a 14, Marcelo Rebelo de Sousa demorou apenas cinco dias a promulgá-lo, o que fez a 19 de abril de 2016.

Conclusão

Marcelo Rebelo de Sousa errou quando disse que Cavaco Silva lhe tinha deixado um “problema em cima da mesa” e que não tinha aprovado o diploma que permitia afastar Isabel dos Santos do BPI para não melindrar o sucessor. Isto porque o Governo só aprovou o diploma mais de um mês depois de Cavaco Silva sair da Presidência. As datas de Marcelo não batem certo com aquilo que está nos documentos oficiais, nomeadamente em Diário da República.

Assim, de acordo com a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

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