Os factos

Facto 1 – Corte nos salários dos funcionários públicos – Não está escrito no Memorando de entendimento o “corte nos salários”. Está, sim, que o Governo deve congelar os salários no setor público, em termos nominais, em 2012 e 2013, e limitar promoções. Mas porquê? Porque os salários já estavam cortados em 5%. Uma decisão que tinha sido tomada em 2010 pelo Governo socialista de José Sócrates e aplicado desde o início de 2011. Se levarmos à letra a frase do deputado, é verdadeira neste ponto, uma vez que não está inscrito no texto do Programa de Assistência Económico-Financeira (PAEF), mas não o estava porque havia cortes já em vigor. Isso é, aliás, assumido no texto do memorando, quando é dito que o corte em vigor não atingia os salários mais baixos. Mas também não é correto dizer que o PS nunca defendeu o corte nos salários, uma vez que foram iniciados por um Executivo socialista.

Facto 2 – Cortes nas pensões – Na frase que disse em Aveiro, em resposta ao cabeça de lista do PSD por aquele distrito, Luís Montenegro, Pedro Nuno Santos referiu-se também ao corte das pensões. Ora neste ponto, não tem razão, uma vez que o corte nas pensões acima de 1.500 euros já estava decidido no memorando de entendimento. O que não estava inscrito no Memorando foram as consecutivas alterações à Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES).

Facto 3 – Posicionamento do PS – Nas mesmas declarações o deputado acrescenta que os socialistas foram “sempre” contra a “duplicação” da austeridade, ou seja, contra as medidas adicionais impostas pelo Governo no que diz respeito às pensões e aos salários, explica ao Observador. Ou seja, o que quis dizer foi que o partido sempre foi contra essas novas medidas. Ora, se se falar do PS versão António Costa, sim, o posicionamento do atual líder sempre foi contra esses cortes, mesmo quando era apenas presidente da Câmara de Lisboa. Mas não foi sempre a posição oficial do partido. A anterior liderança do PS, quando o secretário-geral do PS era António José Seguro, decidiu-se pela abstenção no Orçamento do Estado para 2012, onde estavam incluídos cortes em salários de funcionários públicos e de pensões, que mais do que duplicavam a austeridade sobre os trabalhadores do Estado. Isto porque ao corte de salários de 5% acrescia o corte dos dois subsídios, o que faria disparar o corte nos rendimentos anuais dos funcionários públicos que recebiam acima de 600 euros (14%). Seguro negociou, recorde-se, o limite mínimo de aplicação dos cortes – e o Governo cedeu um pouco nesse limite.

Mas essa não foi uma posição unânime na bancada socialista. O voto do partido foi discutido numa Comissão Política quente, depois de longas conversas entre António José Seguro e Passos Coelho. Nessa reunião, Pedro Nuno Santos, então vice-presidente da bancada parlamentar com a coordenação da Comissão de Orçamento e Finanças, cargo do qual se demitiria mais tarde, António Costa, Pedro Marques e João Galamba, que faziam parte da comissão que analisava o Orçamento, bateram-se pelo voto contra, mas foi voto vencido. O posicionamento arrastou-se até à votação final do Orçamento, quando 13 deputados admitiram apresentar uma declaração de voto individual por discordarem da disciplina do partido. Seguro decidiu então apresentar uma posição conjunta de toda a bancada a justificar a opção.

Esse foi o único ano em que o PS deu aval a um Orçamento que incluía cortes nos salários e nas pensões. A partir de então, o partido votou sempre contra os Orçamentos e foi um dos partidos que suscitou pedidos de verificação da constitucionalidade dos cortes do Governo Passos-Portas ao Tribunal Constitucional – a estreia, foi, aliás, nesse mesmo orçamento, com alguns deputados do PS e Bloco, contra a própria direção.

Conclusão

Enganador. A tese de que os cortes dos salários e das pensões não estava no Memorando de entendimento não é inteiramente verdade. Um estava, o outro não. Acresce ainda que foi um Governo do PS a levar a cabo os primeiros cortes nos salários – assim como a negociar com a troika a redução do défice que comprometeria o atual Governo. Contudo, também é verdade que com o PS com a liderança de António Costa – e o próprio antes de lá chegar – sempre se disse contra os cortes e, aliás, foi contra a posição formal de Seguro quando este optou pela abstenção do partido na votação do OE para 2012, que mais do que duplicava os cortes nos rendimentos de funcionários públicos e pensionistas.

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