No dia 17 de fevereiro, vários sites como o Cityscollz.com ou o intermz.com noticiaram que um estudante camaronês, a estudar na China, tinha recuperado de uma infeção com o novo coronavírus devido à maior resistência da sua composição genética. De acordo com a informação veiculada, os médicos chineses que o trataram terão ficado surpreendidos com a rápida recuperação e concluíram que se deveu à composição genética africana. Mas a informação é falsa: o jovem de 21 anos esteve em isolamento durante 13 dias e recuperou devido a um tratamento intensivo à base de antibióticos. Mais: não há qualquer indício científico de que a composição genética dos africanos seja mais resistente a doenças do que qualquer outra — os indícios vão em sentido contrário.

A publicação de um dos sites que divulgou a notícia falsa

Trata-se de Kem Senou Pave Daryl, um estudante de 21 anos natural dos Camarões que estava a estudar na China quando contraiu o novo Covid-19. De acordo com a BBC News , o jovem foi hospitalizado e esteve 13 dias em isolamento, tendo recebido um tratamento pesado à base de antibióticos e medicamentos habitualmente utilizados para tratar doentes com VIH (vírus da SIDA). Tinha febre, tosse seca e sintomas de gripe. Ao fim de duas semanas de tratamento, o jovem começou a dar sinais de recuperação e a TAC mostrou que não tinha vestígios da doença. Ou seja, concluiu-se que estava recuperado. Kem Senou tornou-se assim o primeiro cidadão africano conhecido a contrair o novo coronavírus e a ficar recuperado.

Não há registos, contudo, que os próprios médicos que o trataram tenham afirmado que a recuperação do paciente se tenha devido à sua composição genética. O caso aconteceu na China, contudo. O Egito foi o primeiro país africano a confirmar um caso de coronavírus, e a verdade é que não tem havido um contágio tão grande no continente africano como tem acontecido no asiático e na Europa. Até agora, além de um caso no Egito, foram apenas registados mais um caso na Nigéria e outro na Argélia.

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Mas isso deve-se à maior resistência da pele negra? Não. Em primeiro lugar, segundo a Organização Mundial de Saúde, o novo coronavírus pode ser contraído por qualquer pessoa que tenha estad na proximidade de pessoas infetadas, através das gotículas que expulsa quando tosse ou espirra, ou que tenha tido contacto com superfícies ou objetos usados por pessoas infetadas. Ou seja, qualquer pessoa pode ser infetada, independentemente da cor da pele. A forma como cada organismo reage ao vírus é que varia consoante a maior ou menos debilidade do sistema imunitário. Depois, não há qualquer indício científico de que a composição genética africana seja mais resistente.

De acordo com Omolade Awodu, um professor de hematologia da Universidade de Benin, na Nigéria, contactado pelo Africa Check (site de fact check certificado), não se pode fazer qualquer ligação entre a cura do estudante camaronês e a maior resistência dos africanos ao vírus. “Trata-se de um novo vírus e por isso sabemos pouco sobre ele, mas em toda a pesquisa que fiz não vi nada que confirmasse que a composição genética dos africanos, ou a pele negra, fosse mais resistente ao vírus”, começou por dizer.

Em todo o caso, o que se sabe depois de décadas de investigação sobre o tema é que os africanos têm o material genético mais diverso do mundo. Ou seja, a composição genética das pessoas dos outros continentes é uma espécie de “subconjunto da diversidade genética africana”, como garantem os investigadores responsáveis pela criação daquilo que ficou conhecido como o maior banco de genoma de África. Logo, se uns são subgrupos de outros, não há qualquer indício de que a composição genética de uns seja mais resistente do que de outros.

Também o diretor do Instituto Pasteur no Dakar, Senegal, contactado pela agência noticiosa France Press, garante que a ideia de que a pele negra é mais resistente ao novo Covid-19 é “falsa”. “Não há evidência científica para sustentar esse rumor”, disse Amadou Alpha Sall, que dirige aquele que é o instituto responsável por analisar os casos suspeitos do novo coronavírus em África. “Etnias e genética não têm qualquer influência na recuperação do vírus, e as pessoas de pele negra não têm mais anticorpos do que as que têm pele branca”, disse ainda à AFP, lembrando que há muita “desinformação” em torno do novo surto.

Conclusão

É verdade que o estudante camaronês contraiu o novo coronavírus e ficou aparentemente curado, mas não é verdade que o motivo da cura tenha sido a maior resistência associada à sua composição genética ou à cor da sua pele. Nem é verdade que os médicos chineses que o trataram tenham atribuído a cura à maior resistência da composição genética do doente. Mais: todos os médicos consultados por agências de notícias fidedignas (AFP) e sites de factchecks certificados (Africa Check) dizem que não há qualquer indício científico de que essa ligação seja correta. Foi inclusive consultado o diretor do Instituto Pasteur no Senegal, que analisa as amostras recolhidas no continente africano, que descartou por completo a ideia de que a pele negra seja mais resistente ao vírus.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

De acordo com o sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook.

Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.

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