Um vídeo gravado no Zimbabué, no qual vários agentes da autoridade são filmados a agredirem com bastões pessoas no meio da rua, está a ser divulgado em várias publicações no Facebook como sendo uma ação policial contra fiéis de uma igreja que desobedeceram às ordens de confinamento contra a Covid-19.
Porém, apesar de aquelas imagens serem reais e terem sido, de facto, filmadas no Zimbabué, essa gravação ocorreu em novembro de 2019 e aquela ação policial nada tinha a ver com a pandemia de Covid-19 ou com ordens de confinamento para evitar a propagação do vírus. Desta forma, o post é falso.
Aquela carga policial aconteceu, de facto, mas não contra fiéis de uma igreja que quebravam a ordem confinamento em março de 2020. Este comportamento policial recaiu sobre vários apoiantes de um partido da oposição governamental que estavam concentrados em frente à sede, na era pré-pandemia do novo coronavírus, em novembro de 2019.
O incidente foi filmado e noticiado em vários órgãos de comunicação social, naquela altura (desde os internacionais The Guardian e Al Jazeera até ao nacional Zimbabwe Independent, entre muitos outros). O vídeo que agora circula nas redes sociais já tinha sido publicado a 20 de novembro no Twitter do NewsDay Zimbabwe, por exemplo.
Scenes of mayhem in Harare as police brutally unleash premeditated violence on peaceful @mdczimbabwe members gathered at the @mdczimbabwe HQ for the #HONA address by @nelsonchamisa #NewsDayZim @wisdomdzungairi @tapiwazivira @ninja_reezy pic.twitter.com/HDMdcptEI1
— NewsDay Zimbabwe (@NewsDayZimbabwe) November 20, 2019
De acordo com o que escreveu à altura o Zimbabwe Independent, os apoiantes do Movimento para a Mudança Democrática (MDC, na sigla inglesa), um dos principais partidos da oposição no Zimbabué, foram então dispersados com recurso a bastonadas e gás lacrimogéneo por estarem concentrados em frente à sede daquele partido, em Harare, enquanto esperavam por um discurso do líder, Nelson Chamisa.
Aquele incidente aconteceu numa altura em que o Zimbabué atravessava uma período particularmente conturbado da sua História. Nelson Chamisa é crítico da presidência de Emmerson Mnangagwa, líder do ZANU-PF e sucessor de Robert Mugabe na presidência do Zimbabué, que assumiu o cargo após a saída à força daquele líder histórico, em novembro de 2017.
Apesar de ser falso, aquele vídeo foi amplamente partilhado nas redes sociais nas últimas semanas, sempre sob a ideia errada de se tratar de uma carga policial para dispersar fiéis que se juntaram para ir a uma cerimónia religiosa em pleno confinamento.
Essa ideia teve especial acolhimento entre utilizadores do Facebook em Angola, sobretudo depois de um deputado da Assembleia Nacional (Sampaio Mucanda, do grupo parlamentar da CASA-CE) ter partilhado o mesmo vídeo com aquela ideia falsa. Só essa publicação em particular acolheu mais de 108 likes, 80 comentários e quase 300 partilhas.
Portanto, ao contrário do que o vídeo (que foi partilhado várias vezes) diz, aquela carga policial não tem nada a ver com o coronavírus nem com fiéis de alguma religião que desobedeceram às ordens governamentais.
Porém, como acontece regularmente com os posts falsos que são colocados no Facebook e noutras redes sociais, também este tem uma pontinha de verdade: o governo do Zimbabué proibiu a formação de grupos de mais de 50 pessoas, conforme anunciado pelo Presidente do Zimbabué e confirmado pelo seu porta-voz, Nick Mangwana, no Twitter. Mais: nesse anúncio, Emmerson Mnangagwa referiu-se especificamente a grupos religiosos, dizendo que estes não poderão reunir-se nos próximos tempos.
“With immediate effect, public gatherings will not exceed 50 persons. Such gatherings include religious fellowships, worship,weddings, conferences,workshops, meetings and funerals” President @edmnangagwa#Covid19Zim pic.twitter.com/6yBAgb8Pof
— Nick Mangwana (@nickmangwana) March 23, 2020
Quanto a números, o Zimbabué registou até às 17h00 desta segunda-feira apenas 14 casos de coronavírus (com o primeiro a surgir a 20 de março) e três mortes (a primeira foi anunciada a 23 de março).
Estes números serão muito provavelmente resultado de uma fraca monitorização da doença naquele país e não de um combate organizado, naquele que é um dos países mais pobres do continente africano. A 9 de abril, de acordo com o The Guardian, uma associação de médicos colocou um processo em tribunal contra o governo pela falta de equipamento de proteção individual para os trabalhadores do setor da saúde.
Conclusão
É verdade que, por causa da pandemia da Covid-19, o Governo do Zimbabué proibiu que se juntassem grupos de 50 ou mais pessoas — e que nessa proibição os grupos religiosos foram especificamente referidos como exemplo. Porém, as imagens que foram colocadas a circular nas redes sociais de uma suposta carga policial contra fiéis que insistiram em ir à igreja apesar das ordens governamentais são, na verdade, de uma manifestação da oposição em novembro de 2019. Por isso mesmo, o post é falso.
Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:
Errado
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.