Nas fotos, duas crianças acompanhadas por adultos exibem um ventre proeminente. No texto, uma alegação principal: “Afeganistão! Aumenta o número de crianças de 10 anos grávidas, as leis muçulmanas permite[m] que isso aconteça.” Eis um post que circula há muitos meses no Facebook em versões mais ou menos idênticas. E este em concreto inclui uma novidade: também faz uma analogia entre a alegação principal e as ideias de quase todos os partidos políticos portugueses.

Em primeiro lugar, as referidas fotos nada têm que ver com gravidez. É certo que foram tiradas no Afeganistão, mas o que retratam é bem diferente do que é sugerido no post em causa. São imagens de 2003 captadas durante uma visita a Cabul da mulher do então presidente francês Jacques Chirac e mostram um médico da associação humanitária La Chaine de L’Espoir junto de crianças que sofriam de doenças relacionadas com subnutrição – como se comprova no site da agência de imagens Getty.

Conteúdo partilhado no Facebook inclui fotos descontextualizadas

Segundo o autor (ou autores) do post, o PS, o PSD, o BE, o PCP, o CDS e o Livre são considerados “socialistas” — e, para que o islamismo não se “imponha no Ocidente”, e não haja crianças grávidas, é preciso que o leitor “não vote no socialismo”. O texto em causa termina com esta afirmação: “Lembre-se que o presidente socialista da Câmara Municipal de Lisboa despejou portugueses para construir a mesquita” – uma possível referência à recente expropriação de imóveis na Rua do Benformoso para a construção de um templo muçulmano, num processo resolvido em tribunal a favor da autarquia.

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Está em causa verificar a alegação sobre gravidezes no Afeganistão. No país, mais de 99% dos quase 35 milhões de habitantes professam a fé islâmica (principalmente do ramo sunita). “As condições de segurança são extremamente precárias” e “os atos de terrorismo e as tentativas de homicídio e de rapto contra estrangeiros são frequentes”, segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal.

Afirmar que “aumentou o número” de crianças de 10 anos grávidas é temporalmente impreciso (aumentou quando, face a que período?) e biologicamente problemático, pois se há raparigas que têm a primeira menstruação aos 10 anos, esta ocorre geralmente um pouco mais tarde, entre os 12 e os 13. Um aumento de gravidezes aos 10 anos implicaria a coincidência de pelo menos dois fatores: um aumento do número de casamentos forçados naquela idade e uma generalização da menarca aos 10 anos (o que não é comprovável, mas surge como improvável).

A ligação entre gravidez infantil e islamismo, nos termos apresentados pelo post em apreço, parece dever-se à existência do casamento forçado de menores no Afeganistão (o que tanto se verifica no caso das raparigas como dos rapazes). Trata-se de um costume legalmente proibido no país, mas socialmente aceite. “A idade mínima de casamento de raparigas no Afeganistão é de 16 ou 15 anos, bastante abaixo do padrão internacional recomendado de 18 anos. Este tipo de uniões regista-se sobretudo em zonas rurais, especialmente junto à fronteira com o Paquistão”, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA).

Em 2015, estimava-se que 19,9 anos era a idade média das mães afegãs ao nascimento do primeiro filho (30,2 anos em Portugal naquele ano). Além disso, no Afeganistão não nascem crianças fora do casamento, lê-se num relatório de 2017 produzido pelo organismo afegão de estatística com o apoio do UNFPA. O mesmo documento garantia que, atualmente, em cinco das seis províncias afegãs estudadas só “um terço ou menos” das raparigas das “novas gerações” se casam antes dos 18, mas não há registo de casamentos antes dos 15.

Conclusão

Uma publicação no Facebook sustenta, sem apresentar provas, que no Afeganistão se registou um aumento do número de raparigas de 10 anos grávidas, o que se baseia em imagens descontextualizadas e em dados que organismos oficiais não corroboram.

Assim, segundo o sistema de classificação do Observador este conteúdo é:

Errado

De acordo com o sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook.

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