Está a circular nas redes sociais um vídeo cujos autores associam a morte de um bebé norte-americano, Alex, ao facto de ter recebido uma transfusão de sangue doada por uma pessoa vacinada contra a Covid-19.

De acordo com o relato, a criança sofria de um “problema cardíaco congénito” e necessitava de uma transfusão de sangue “por causa de uma anemia”. Mas os pais, “por já terem ouvido relatos do surgimento de coágulos no sangue de pessoas vacinadas, e por lhes ter falecido um amigo após a vacina, quiseram garantir que essa transfusão seria de um dador de sangue não vacinado”, acusa o protagonista do vídeo.

Segundo o autor do conteúdo, os pais de Alex encontraram na igreja que frequentavam um dador com o mesmo tipo de sangue. Pagaram “para seguir o protocolo legal nestes casos” e “entregaram o sangue ao hospital”, que seria o Sacred Heart Children’s Hospital, afirma-se no vídeo.

A publicação em análise.

Alex, nascido em Washington, terá recebido “sangue do stock geral do hospital”, mas “logo após a transfusão, o bebé desenvolveu um grande coágulo sanguíneo que lhe correu desde o joelho até ao coração”, continua o relato. A criança acabou por morrer em dezembro de 2022, mesmo após ter sido tratado com anticoagulantes, afirma-se no vídeo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Há dois sinais de alerta em relação a este vídeo. O primeiro é o autor do conteúdo: Sérgio Tavares é o criador do grupo “Jornalistas pela Verdade”, um movimento próximo ao dos “Médicos pela Verdade” que coloca em causa a melhor evidência científica transmitida pelas autoridades de saúde nacionais e internacionais acerca da segurança e eficácia das vacinas contra a Covid-19.

O segundo sinal de alerta é a fonte da história que surge no vídeo: a Tribuna Nacional é um site que costuma publicar notícias falsas e informações descontextualizadas. É precisamente isso o que acontece neste caso.

De acordo com o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), a entidade responsável pela regulação da atividade clínica referente às transfusões e transplantações, “não há registo no ano de 2022 de reação adversa em recetor da transfusão relacionada com coágulos sanguíneos”, disse fonte oficial ao Observador.

“Não há evidencia, até à data, da transmissão do agente da Covid-19 pela vacinação” contra essa doença. E também “não há evidência de que as dádivas de sangue de dadores vacinados para a Covid-19 coloquem em risco o recetor da transfusão“, acrescentou.

Em Portugal, nenhum dador de sangue é obrigado por lei a informar as autoridades de saúde sobre o seu estado vacinal em relação a qualquer inoculação — seja ela contra a Covid-19 ou outra doença. Atualmente, em relação às vacinas contra a Covid-19, mantém-se em vigor uma regra que dita que, “pelo princípio da precaução”, as pessoas vacinadas com a AstraZeneca ou com a Janssen  não podem doar sangue durante sete dias após vacinação, se estiverem assintomáticas. Se desenvolverem sintomas, é necessário esperar sete dias “após a resolução da sintomatologia”.

Estas medidas foram adotadas numa fase inicial da distribuição das vacinas contra a Covid-19, quando estes fármacos ainda não tinham sido administrados a larga escala — e, por isso, os seus efeitos não eram tão bem conhecidos. É algo que acontece com todos os medicamentos.

Por isso, as autoridades de saúde evocaram o princípio da precaução para serem extra-cautelosas. É que, quando foram introduzidas na comunidade em grande escala, descobriu-se um efeito adverso raro: a formação de coágulos — em quem recebia efetivamente a vacina, não em que recebia sangue de um dador vacinado.

Em casos como este, o princípio da precaução “permite que os decisores adotem medidas de precaução” quando as evidências científicas “são incertas e os riscos são elevados”, descreve uma análise do Parlamento Europeu.

Agora que milhões de pessoas já foram vacinadas contra a Covid-19 e o seu efeito no organismo humano é cada vez mais conhecido pelos cientistas, o IPST adianta ao Observador que o requisito relativo às doações de sangue por quem recebeu a vacina da AstraZeneca ou da Janssen contra a Covid-19 “está a ser revisto e será atualizado brevemente, de acordo com as guidelines atualmente aplicáveis”.

O IPST explicou também que “a vacina desencadeia uma resposta de defesa no seu recetor”, não numa pessoa que recebe sangue doado dele. E que a simples transfusão de sangue de uma pessoa vacinada para outra não vacinada não significa que o recetor da doação também fica vacinado.

No caso do bebé Alex, que precisaria de uma doação para tratar uma anemia, a transfusão nem sequer seria do plasma — a parte líquida do sangue em que poderiam circular eventuais anticorpos resultantes da resposta imunitária contra o SARS-CoV-2 desencadeada pela vacina —, mas sim de glóbulos vermelhos. É precisamente a falta desse tipo de células que causa a anemia.

O Observador tentou contactar o Sacred Heart Children’s Hospital para verificar os contornos da história de vida de Alex, mas não obteve resposta. Entretanto, outro caso semelhante está a ser acompanhado na Nova Zelândia: conhecido apenas por “W”, o bebé ficou aos cuidados dos profissionais de saúde por os pais se recusarem a consentir numa transfusão de sangue com origem numa pessoa vacinada.

Tal como no caso do bebé Alex, W. também sofre de um problema cardíaco congénito e a transfusão é essencial para o sucesso da operação que pode solucionar aquela condição. Quando os pais recusaram uma transfusão de sangue que tivesse sido doado por alguém vacinado contra a Covid-19, em dezembro do ano passado, as autoridades de saúde pediram a guarda da criança, que então tinha apenas seis meses.

O Supremo Tribunal neozelandês entendeu que o bebé ficaria sob a tutela do cirurgião cardíaco pediátrico e do cardiologista que seguiam o seu quadro clínico, “com o objetivo de consentir com a cirurgia para tratar da obstrução e todas as questões médicas relacionadas a essa cirurgia, incluindo a administração de sangue”. A criança já foi operada e, segundo a advogada dos pais, está a recuperar bem da cirurgia.

Conclusão

Não é verdade que uma transfusão de sangue de uma pessoa que foi vacinada contra a Covid-19 para outra que não esteja vacinada possa causar coágulos sanguíneos — e não terá sido o que aconteceu no caso de Alex, que morreu no ano passado e que já sofreria de um problema cardíaco congénito. O IPST confirmou ao Observador que “não há registo no ano de 2022 de reação adversa em recetor da transfusão relacionada com coágulos sanguíneos” e que “não há evidência de que as dádivas de sangue de dadores vacinados para a Covid-19 coloquem em risco o recetor da transfusão”.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

IFCN Badge