“Paralisia”, “danos cerebrais permanentes” e até “asfixia”. Supostamente, isto é o que pode acontecer a quem consumir um bolo com recheio de coco da marca turca Luppo, porque os snacks têm no interior comprimidos — é isso que afirma um vídeo que começou a circular no YouTube e que depois se espalhou pelas redes sociais, de Itália aos Estados Unidos, passando por Israel, Brasil e Portugal. Mas trata-se de mais um vídeo viral falso.

A sequência tem 50 segundos. Numa caixa de cartão estão dezenas de embalagens iguais de um bolo com recheio de coco. Uma delas é escolhida ao acaso e aberta. Depois, o snack é retirado e desfeito grosseiramente com as mãos. No meio são encontrados e mostrados para a câmara dois comprimidos brancos. Nunca é referido o nome da medicação e para que serve, na legenda apenas se listam os efeitos perigosos.

O primeiro vídeo onde tudo isto aparece terá sido publicado no YouTube a 28 de outubro e tem mais de 40 mil visualizações. Entretanto, o conteúdo foi sendo replicado ao longo do mês de novembro por outros utilizadores, sempre com a mesma mensagem, e o pânico espalhou-se um pouco por todo o lado. A publicação de Fariba Miles, uma israelita que viverá nos Estados Unidos, teve 88 mil partilhas, enquanto no México a história começou a propagar-se sobretudo através do WhatsApp.

Um utilizador português, que entretanto apagou o vídeo, repetiu a mensagem e acrescentou um alerta para o mercado nacional: “São bolinhos e croissants feitos na Turquia com as pílulas que você viu que causam paralisia. Eles foram enviados para Israel  e para a Itália … tenham cuidado, quem sabe podem aparecer em Portugal também. … Envie esta mensagem.” Teve mais de seis mil partilhas e 50 mil visualizações. Vários utilizadores partilharam o vídeo com a mesma mensagem alarmista, como se pode ver nos exemplos abaixo.

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Ao Observador chegaram casos em que o vídeo foi partilhado também através do serviço de mensagens do Facebook, o Messenger.

Em primeiro lugar, numa pesquisa feita nas lojas online de grandes superfícies portuguesas, não surge qualquer resultado desta marca, o que significa que não vai encontrar os bolos Luppo à venda na próxima ida ao supermercado.

Em segundo lugar, o site turco de fact check Teyit foi o primeiro a tentar perceber a veracidade das imagens, começando por contactar a empresa responsável pela produção, a turca Şölen. Documentos de uma inspeção feita em setembro deste ano pela empresa suíça SGS atestam que os bolos de coco não têm elementos tóxicos. Além disso, o sistema de filtros usados pela Şölen trava qualquer substância com mais de 0,7 milímetros. Isto afasta a hipótese de os comprimidos terem sido colocados no interior dos bolos ainda na fase de produção.

A embalagem azul vista nas imagens só é feita para exportação, diz a Şölen, o que quer dizer que o vídeo não terá sido gravado na Turquia. O Teyit avança então a hipótese de o conteúdo fazer parte de uma campanha de desinformação com origem na região autónoma curda (ou Curdistão iraquiano). Há várias pistas nesse sentido, como as palavras que se ouvem no final do vídeo — são sorani, um dialeto curdo principalmente falado nessa região.

Além disso, no congelador que aparece na imagem, por baixo da caixa de bolos, é visível um pedaço de frango da marca “As Piliç”. Esse produto específico, explica o Teyit, é um dos mais exportados da Turquia e segue na sua grande maioria para o Iraque. Os motivos para lançar uma ideia destas não estão explicados mas podem ter começado com o objetivo de desincentivar o consumo de produtos turcos no Curdistão iraquiano. As redes sociais ajudaram a lançar um alarme a nível global, sobretudo nos países onde a marca Luppo é comercializada.

Conclusão

Estes bolos não estão à venda nos supermercados portugueses. A fábrica turca que os produz já disponibilizou relatórios independentes que garantem que não há substâncias perigosas nos bolos. No vídeo que espalha o boato é possível ver um pequeno buraco na camada superior, a de chocolate, que pode ter servido para inserir os comprimidos. Além disso, as mãos da pessoa (que nunca mostra a cara) que aparecem nas imagens encontram rapidamente os dois comprimidos e não procuram mais, deixando intacta uma parte do bolo, indicando que se sabia exatamente qual a quantidade que lá estaria.

Assim, segundo o sistema de classificação do Observador este conteúdo é:

Errado

Segundo o sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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