Circula nas redes sociais uma publicação que alega que “finalmente” vários países estão a “proibir o Islão”. Trata-se de uma longa publicação que se propõe compilar uma série de “notícias” oriundas de países tão diversos como o Japão, Cuba, o Reino Unido, a Alemanha, a China, a Polónia ou os Estados Unidos — que, supostamente, estariam a tomar medidas contra os muçulmanos e a prática do Islão.

A publicação é, contudo, uma mistura de declarações manifestamente falsas, outras que são apenas declarações que se parecem confirmar a si próprias (como uma afirmação discriminatória de um deputado de um partido de extrema-direita) e outras que são pura e simplesmente inverificáveis (como a indicação de que há pessoas “relutantes em ajudar os muçulmanos”).

Vamos por partes.

A primeira alegação diz respeito ao Japão. De acordo com a publicação, “o Japão recusa-se a permitir que muçulmanos vivam nas suas terras ou possuam qualquer propriedade ou negócio, proibindo qualquer turista muçulmano de espalhar notícias islâmicas, levando à expulsão imediata, incluindo famílias inteiras”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Naturalmente, a publicação não inclui qualquer fonte para estas afirmações — que, na verdade, nem sequer são novas. Recentemente, a Agência Reuters já tinha dado conta de uma série de afirmações falsas que andam a circular na internet sobre uma suposta política anti-Islão no Japão. São declarações falsas. A Reuters lembra como a legislação japonesa não tem a religião como critério para o que quer que seja: nem para a atribuição de nacionalidade, nem de residência, nem para qualquer outra atividade. A Constituição do Japão prevê, no seu artigo 20º, a liberdade religiosa e diz que todos os cidadãos são livres de praticar a sua religião — ao mesmo tempo que garante que ninguém pode ser obrigado a praticar uma religião.

A segunda alegação é a de que Cuba rejeitou os “planos para construir a primeira mesquita do país”. Esta afirmação é usada fora do contexto de forma a sublinhar a lógica anti-islâmica da publicação. A frase surgiu numa série de sites não-noticiosos entre 2014 e 2015, depois de uma controvérsia célebre: em novembro de 2014, o Presidente turco alegou que os muçulmanos tinham descoberto as Américas três séculos antes de Cristóvão Colombo. E, numa visita a Cuba no início de 2015, propôs construir uma mesquita no país.

Na terceira frase, a publicação alega que “a nação africana de Angola, juntamente com vários outros, proíbe oficialmente o Islão, instruindo a destruição de todas as mesquitas dentro das suas fronteiras”. Este caso tem maior adesão à realidade, embora a expressão “proíbe o Islão” seja uma caracterização errada. Efetivamente, é conhecida a tensão com a comunidade islâmica em Angola, país que não reconhece formalmente o Islão como religião e que nos últimos anos ordenou o encerramento de várias mesquitas.

O governo angolano, em 2019, garantia que o assunto estava a ser tratado (é necessário uma recolha de assinaturas e um processo burocrático para o reconhecimento formal de uma igreja) e que o Islão seria reconhecido em breve. Ainda assim, em 2023, ainda não existia esse reconhecimento oficial.

A publicação continua com uma alegação sobre a Noruega. É dito que “um número recorde de muçulmanos (mais de 2 mil) foi expulso da Noruega como forma de combater o crime”, medida que resultou na diminuição da criminalidade no país “em 72%”. Segundo a publicação, “quase metade” das celas das prisões estão agora vazias” e as autoridades podem finalmente concentrar-se em questões como as “infrações de trânsito”.

Trata-se, contudo, de uma informação falsa, já desmentida no passado por outros fact-checkers. Em 2019, a mesma informação falsa circulava, mas com a percentagem de redução do crime a cifrar-se nos 31%. A informação falsa parece ter tido origem numa mudança política introduzida em 2013 pela Noruega, que adotou medidas mais duras relativamente à criminalidade cometida por estrangeiros (no geral, sem qualquer referência à religião), facilitando o processo de expulsão do país de cidadãos estrangeiros condenados por crimes.

Isto porque os estrangeiros compunham uma parte significativa da população prisional na Noruega. Ainda assim, no topo da lista de países de origem dos condenados estrangeiros estava a Polónia, a Lituânia, a Nigéria, o Iraque e a Roménia — dos cinco, só um é de maioria muçulmana. Em 2018, a Suécia liderava a lista dos destinos das deportações, seguida de Itália, Polónia, Roménia e Rússia — sem qualquer país de maioria muçulmana no topo.

Segue-se uma alegação sobre a Alemanha, que parece destoar das restantes, já que é de uma notícia sobre a islamofobia naquele país. “Só na Alemanha, no ano passado, ocorreram mais de 80 ataques violentos contra mesquitas”, diz, para depois continuar, sem indicar a fonte: “O governo, lamentando tê-los admitido, contempla sanções contra eles, levando em última análise à expulsão.”

A primeira parte da frase é, na verdade, retirada das declarações de Burhan Kesici, de uma instituição que defende os direitos da comunidade islâmica na Alemanha, que disse em dezembro de 2019 à agência turca Anadolu que, só naquele ano, tinha havido mais de 80 ataques a mesquitas na Alemanha. A segunda parte da frase não tem qualquer fonte credível nem faz parte da notícia.

A publicação alega também que, “na China, um tribunal condenou 22 imãs muçulmanos a penas de prisão de 16 a 20 anos e 18 jihadistas foram condenados à morte”. Diz-se ainda: “A China opõe-se ativamente ao extremismo, proibindo as práticas islâmicas nas suas próprias regiões. As orações muçulmanas são proibidas em edifícios governamentais e escolas em Xinjiang, no oeste da China. Centenas de famílias muçulmanas estão desesperadas e dispostas a deixar a China.”

Esta informação está também profundamente descontextualizada. Parece referir-se a uma notícia de 2014, quando 22 suspeitos de extremismo islâmico foram condenados a penas de prisão, alguns deles conhecidos como “imãs selvagens”, por pregarem ilegalmente na região de Xinjiang — onde o governo chinês dizia haver uma campanha de violência por parte de extremistas islâmicos. Porém, é necessário compreender que se trata da região onde vive a minoria muçulmana dos uigures, uma minoria étnica duramente perseguida pelo regime chinês. Pode conhecer mais sobre a realidade dos uigures neste explicador em vídeo do Observador.

A frase que se segue — “os refugiados muçulmanos começam a perceber que não são bem-vindos nos países cristãos devido às suas ações cruéis” —, é manifestamente inverificável. No limite, é somente uma manifestação de discriminação contra muçulmanos.

A publicação continua: “O Ministro do Interior do Reino Unido prepara-se para liderar uma ‘ordem de comportamento anti-social’ contra os extremistas. Leis relacionadas à expulsão também estão sendo desenvolvidas.”

A alegação parece vir também de uma medida que esteve nas notícias em 2014, quando o governo britânico, então liderado por Theresa May, ponderava a possibilidade de aplicar medidas restritivas a todo o tipo de extremistas. A expressão “Ordem de Comportamento Anti-Social” foi usada como comparação para a medida, uma vez que, como explica o The Guardian, trata-se de uma expressão que remonta à década de 1980 e ao período da violência na Irlanda do Norte. Curiosamente, a primeira linha da notícia do The Guardian sobre o assunto dava conta de que os alvos da medida seriam tanto “extremistas radicais islâmicos” como “neonazis” e outros extremistas. Não foi, portanto, uma medida dirigida ao Islão.

“A República Checa opõe-se ativamente ao Islão dentro das suas fronteiras, considerando-o uma ameaça”, diz a frase seguinte. Apesar de esta frase não ser particularmente concreta, a verdade é que a República Checa é um dos países onde o fenómeno da islamofobia tem sido mais preocupante nos últimos anos — e o antigo Presidente checo Milos Zeman chegou mesmo a dizer que seria “impossível” integrar os muçulmanos na Europa.

A publicação inclui ainda duas alegações sobre os Estados Unidos. “O Alabama propõe uma nova emenda que proíbe o reconhecimento de ‘leis estrangeiras, incluindo as leis da Sharia'”, diz uma delas. “A Carolina do Norte proíbe a lei islâmica Sharia, tornando-a um crime”, diz a outra.

Trata-se de declarações tiradas do contexto — e uma delas já foi mesmo desmontada por outros fact-checkers. O estado da Carolina do Norte aprovou em 2013 uma lei que impede a aplicação de legislação estrangeira em casos judiciais. Isto significou, na prática, que os habitantes podiam praticar a lei islâmica em privado, mas que os tribunais não poderiam usar esses preceitos religiosos para decidir casos de divórcio, custódia de filhos, e por aí fora. A lei foi bastante polémica na altura, uma vez que foi interpretada como sendo especialmente desenhada para visar o Islão, embora a formulação não mencione uma religião em específico. O que aconteceu em 2014 no Alabama foi algo semelhante, como se pode ler em notícias da altura. Como a imprensa notava na altura, não é incomum que os preceitos religiosos e legais de outros países sejam tidos em conta em casos judiciais civis que envolvem divórcios e outras questões familiares.

Há também uma alegação sobre a Polónia. “A Liga de Defesa da Polónia emite um aviso aos muçulmanos e não está disposta a aceitá-los de forma alguma”, lê-se. O que a publicação não diz é que a “Liga de Defesa da Polónia” não é propriamente um organismo do Estado: é um grupo radical, que tem sido associado à extrema-direita na imprensa polaca. O grupo dedica-se, por exemplo, a patrulhar discotecas com o objetivo de defender a “dignidade das mulheres polacas”, de acordo com notícias de 2014.

Quanto à afirmação seguinte — “16 países aprovaram leis que proíbem as leis da Sharia” —, é difícil perceber a que é que se refere concretamente. Em 2017, por exemplo, já havia leis para proibir a aplicação da lei islâmica nos tribunais de 18 estados norte-americanos. Por todo o mundo, diferentes países têm formas diferentes de reconhecer ou não a validade dos preceitos religiosos e legais da lei islâmica, por exemplo, no que toca aos casamentos (tal como sucede, por exemplo, em Portugal com a Concordata entre o Estado português e a Santa Sé).

A publicação inclui também alegações sobre a Irlanda do Norte: “Muitos muçulmanos na Irlanda do Norte anunciam um plano estruturado para deixar o país para escapar à violência anti-islâmica dos habitantes locais. Isto segue-se a um ataque a muçulmanos em Belfast, onde os habitantes locais atacaram jovens muçulmanos, alegando que estava em conformidade com o Islão e a lei da Sharia. Até mesmo o pessoal de um hospital está relutante em ajudar os muçulmanos; a maioria recebeu um gesso e foi mandada para casa, com a equipe afirmando: ‘Que bom que nos livramos deles’.”

Sobre esta alegação, é verdade que a comunidade islâmica tem sido alvo de múltiplos ataques racistas e discriminatórios na Irlanda do Norte. Basta lembrar o ataque levado a cabo em 2018 por pessoas vestidas com roupas evocativas do KKK num centro islâmico no país. Quanto à alegação relacionada com o hospital, foi impossível encontrar referências a esse episódio em fontes credíveis.

A última alegação da publicação é sobre os Países Baixos. “Um membro do parlamento, Klaas de Graaff, afirma: ‘Queremos limpar a Holanda do Islão’. Ele fala em nome do Partido da Liberdade, sugerindo o encerramento das mesquitas nos Países Baixos. Sem o Islão, ele acredita que a Holanda será um país maravilhosamente seguro, tal como era antes da chegada dos refugiados muçulmanos.”

O que parece estar em causa são as polémicas declarações do eurodeputado holandês Marcel [e não Klaas] de Graaf, que em 2018 disse no plenário do Parlamento Europeu que os muçulmanos queriam levar a Europa “de volta à Idade Média”. De Graaf foi alvo de uma queixa no Parlamento Europeu — e, em 2022, acabaria por se demitir do partido, dessa vez devido a uma nova controvérsia por defender a Rússia. Marcel de Graaf é do Partido Pela Liberdade, a força política de extrema-direita liderada por Geert Wilders.

Conclusão

Feitas as contas, trata-se de uma publicação falsa. A tese da publicação é a de que há países a “proibir os Islão”, mas nenhuma das alegações apresentadas de seguida comprova essa tese. Algumas são apenas notícias falsas e já desmentidas; outras são verdadeiras, mas provam apenas a existência de islamofobia em vários países; e outras são meras reproduções de afirmações de políticos de extrema-direita. Não é verdade que haja países a proibir o Islão, como sugere a publicação.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

IFCN Badge