Uma publicação denuncia que o Brasil é um país que gasta 63 milhões de reais (cerca de 10,8 milhões de euros) com o “auxílio paletó” — nome de subsídio atribuído a deputados — mas no qual, ao mesmo tempo, há profissionais de saúde a utilizar sacos de lixo como Equipamento de Proteção Individual (EPI) no combate à Covid-19. Não é que o texto não tenha um fundo de verdade, mas o mesmo é acompanhado por uma imagem que mostra uma médica equipada com um saco de lixo. Detalhe: a profissional de saúde que aparece na publicação como sendo brasileira é, na verdade, uma enfermeira espanhola. Além disso, o custo anual do subsídio atribuído aos deputados é bastante menos elevado. A publicação é, por isso, enganadora.
Começando pela origem da imagem, o Observador verificou que a fotografia está integrada no banco de imagens da Getty Images. Foi tirado por Álvaro Calvo a 31 de março de 2020, no Hospital San Jorge, em Huesca, em Espanha. Na legenda da fotografia, é possível ler que a enfermeira pertence à Unidade de Cuidados Intensivos daquele hospital e que estava, de facto, vestida com sacos de lixo. E a viseira também tinha sido emprestada por uma empresa privada. Em Huesca, os profissionais queixavam-se então de falta de material de proteção individual.
A fotografia da Getty foi publicada, por exemplo, num artigo da BBC que denunciava que também no Reino Unido, os profissionais de saúde estavam a utilizar sacos de lixo para evitarem o contágio pelo novo coronavírus, à semelhança do que estava a acontecer em Espanha. A utilização desta imagem associada ao Brasil é assim enganadora.
Isso significa que, ao contrário de outros países, não houve profissionais de saúde brasileiros a improvisar no material? Não. A 20 de março, a G1, que pertence à Globo, noticiava que os profissionais de saúde do Hospital Salgado Filho, no Rio de Janeiro, tiveram de utilizar sacos de plástico para se defenderem do vírus e foram enviadas fotografias à G1 que mostravam esses mesmos profissionais a utilizar sacos como complemento a outro equipamento médico que já tinham vestido.
A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro considerou um desrespeito o envio destas fotografias e desmentiu que houvesse naquele hospital falta de material para quem combatia a Covid-19.
Relativamente ao “auxílio paletô”, este gerou polémica durante anos no Brasil, motivando vários pedidos para que fosse extinto. E acabou por sofrer alterações significativas. De acordo com o Estadão Verifica, que tal como o Observador é certificado pelo International Fact Checking Network (IFCN), o próprio “auxílio paletô” já não existe nos mesmos termos em que era contestado (que funcionava como um suplemento remuneratório e não como ajuda de custo).
O apoio a deputados federais e senadores segue agora as regras do decreto legislativo de 2014, que determinou que “é devida aos membros do Congresso Nacional, no início e no final do mandato, ajuda de custo equivalente ao valor do subsídio, destinada a compensar as despesas com mudança e transporte”. Ou seja: o gasto ocorre apenas na troca de legislatura.
Após as eleições de 2018, com a troca de legislatura, o gasto total da Câmara dos Deputados com ajudas de custo foi de 33,6 milhões de reais (5,79 milhões de euros), aos quais se juntaram 2,6 milhões de reais de ajudas de custo do Senado (450 mil euros). No total, foram gastos em 2018 (último ano em que houve esse “bolo” dispendido pelos cofres brasileiros) 36,2 milhões de reais (6,24 milhões de euros).
O Estadão fez as contas aproximadas e tendo em conta que haveria gastos idênticos no final do mandato, isso significaria que o tal “auxílio paletó”, nesta nova configuração, custa atualmente 17,8 milhões de reais por ano (cerca de 3 milhões de euros) ao Congresso Nacional. Ou seja: a nível dos deputados nacionais o subsídio custa cerca de 3,5 vezes menos do que o valor (63 milhões de reais) que consta na publicação a circular no Facebook.
É preciso, no entanto, não esquecer que a estes 17,8 milhões de reais soma-se ainda o pagamento deste auxílio, que também é atribuído a deputados estaduais e vereadores, mas esse é impossível de quantificar com precisão, já que as regras variam entre as várias assembleias legislativas e municipais. Além disso, os deputados recebem ainda outros benefícios similares como “verba de gabinete” ou “auxílio de moradia”.
Conclusão
É verdade que houve queixas de profissionais de saúde brasileiros (desmentidas pelo município do Rio de Janeiro) que denunciaram que tinham de utilizar sacos de plástico para se protegerem. No Brasil, como noutros países (em Portugal, por exemplo, numa primeira fase, os Hospitais da Universidade de Coimbra compraram fatos de pintor), houve casos de improviso. No entanto, a fotografia utilizada para mostrar o uso de saco de lixo por parte de uma enfermeira foi tirada em Espanha e não no Brasil. Os números relativos às ajudas de custo dadas aos deputados brasileiros (utilizados como comparação) também estão inflacionados e não são rigorosos.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.