É mais uma versão de uma notícia falsa que associa a vacina contra a Covid-19 ao desenvolvimento de sida (síndrome da imunodeficiência adquirida) — só que desta vez na Alemanha. De acordo com as publicações que estão a circular nas redes sociais, com base num conteúdo publicado no portal de notícias falsas News Punch, “o governo alemão admitiu que um ‘número alarmante’ de pessoas vacinadas está a desenvolver ‘sintomas semelhantes aos da sida'”.

A publicação em análise tem origem numa notícia falsa.

Como em todas as outras variações destas afirmações analisadas no passado pelo Observador, também estas declarações são falsas. Baseiam-se num relatório, esse sim real, redigido pelo Instituto Robert Koch — a organização pública alemã responsável pela monitorização da saúde pública — e publicado a 30 de dezembro de 2021 sobre “a situação atual da Covid-19” no país. Todo o documento está, naturalmente, em alemão, mas em momento nenhum se faz qualquer referência à sida ou ao vírus que a provoca. Por outro lado, recomenda a toma da vacina contra a Covid-19 quando diz:

É altamente recomendável que as pessoas que ainda não receberam o esquema primário sejam vacinadas contra a Covid-19 e garantam que estejam totalmente vacinadas. Também a possibilidade de uma vacinação de reforço deve ser utilizada por todos os grupos de pessoas de acordo com as recomendações em vigor”, pode ler-se na terceira página do relatório.

A suposta ligação entre a vacina contra a Covid-19 e a sida surge por meio de cálculos forçados e interpretações erradas dos dados deste relatório. A notícia falsa afirma que a maioria dos indivíduos totalmente vacinados desenvolviam “síndrome da imunodeficiência adquirida induzida pela vacina” ao fim de um mês; e que os dados confirmaram que o sistema imunológico das pessoas totalmente vacinadas já se havia “degradado para uma média de -87%”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Fact Check. Estudos dizem que vacinados com dose de reforço estão a desenvolver sida?

Ou seja, na prática, e segundo esta teoria, uma pessoa vacinada ficaria com um sistema imunitário menos robusto em 87% ao fim de um mês. Era como se a pessoa vacinada adquirisse uma deficiência imunitária à conta da vacina — daí a menção a uma “síndrome da imunodeficiência adquirida”. Ou seja, sida.

O problema começa desde logo com a referência à sida: a síndrome da imunodeficiência adquirida é uma doença do sistema imunológico humano que só pode ser desenvolvida quando o VIH (vírus da imunodeficiência humana) infeta as células do sistema imunitário, impedindo-o de funcionar em pleno.

Depois, agrava-se porque os cálculos por detrás daquela percentagem não permitem chegar à conclusão de que o sistema imunitário ficou enfraquecido: o valor foi obtido pela comparação entre os casos provocados pela variante Ómicron entre quem foi vacinado e quem não o foi.

Acontece que, à medida que a vacinação se tornou cada vez mais comum, passou a haver mais gente totalmente vacinada contra a Covid-19 do que por vacinar. Por isso, estatisticamente, é mais provável que apareçam mais novos casos de pessoas totalmente vacinadas do que em quem não recebeu a vacina. Além disso, embora a quantidade de anticorpos em circulação contra o SARS-CoV-2 diminua ao longo do tempo, isso não acontece de modo tão brusco — nem significa que o efeito protetor desapareceu.

A propósito de outro fact check publicado pelo Observador, o imunologista Luís Graça, do Instituto de Medicina Molecular, assegurou que “a resposta imunitária normal não é afetada pela vacinação”. Pelo contrário, ela sairá fortalecida com a vacinação.

Há células do sistema imunitário que mantêm uma memória da proteína do coronavírus que a vacina ensina o organismo a reconhecer (a proteína S). Assim, perante uma infeção, as células ordenam ao sistema imunitário que comece imediatamente a produzir anticorpos novamente.

Conclusão

Não é verdade que um relatório governamental da Alemanha tenha associado a vacinação contra a Covid-19 ao desenvolvimento de sida. As notícias falsas confundem os números de pessoas infetadas pela variante Ómicron entre quem está vacinado e quem não está e assume que, por haver mais gente vacinada infetada, o seu sistema imunitário ficou fragilizado. É uma má interpretação dos números.

O facto de haver um número absoluto maior de infetados entre quem está vacinado do que em quem não está não é indicativo de um efeito prejudicial da vacina contra a Covid-19: só é assim porque também há mais gente vacinada nos países mencionados do que por vacinar.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook

IFCN Badge