Existem várias notícias que dão conta de conflitos entre muçulmanos e a China, tendo até sido relatado a existência de “centros de treino vocacional”, ou seja, campos de doutrinação para determinados grupos étnicos, como os de origem muçulmana. Esta semana surgiu uma publicação no Facebook, que enumerava uma série de restrições impostas, não pela China, mas sim pelo Japão, em relação aos muçulmanos. Essa publicação é, além de antiga, falsa.

A publicação que tem várias alegadas restrições do Japão aos muçulmanos

Praticamente todos os pontos destacados na publicação — ao todo são dez — foram já desmentidos por outras agências ou sites de fact checking como o Snopes ou a agência France Press, que cita o primeiro. Essa verificação já data de 2015, ou seja, estas alegações são antigas.

Comecemos por aquele que parece mais óbvio e que suscita mais dúvidas: “O Japão é a única nação que não dá cidadania a muçulmanos”. Esta é uma afirmação falsa. Ao visitar o site “Becoming legally Japanese” não é possível identificar, em nenhum lado, que esta afirmação seja verdadeira. No formulário online que é necessário preencher para adquirir cidadania japonesa não é possível encontrar o critério religioso. Por causa disso, o Ministério da Justiça, que é o responsável por esta pasta, só contabiliza, a nível estatístico, o género da pessoa e a nacionalidade anterior da pessoa em questão.

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Também é importante destacar o artigo 14 da constituição japonesa, que diz o seguinte: “Todas as pessoas são iguais perante a lei e não deverá haver nenhuma discriminação política, económica ou social por causa da raça, credo, sexo, estatuto social e origem familiar”, como cita a AFP.

Continuando na constituição, é verdade que a lei Sharia não se encontra aplicada no Japão. Olhando para o artigo 20, que assegura liberdade religiosa a todos os cidadãos japoneses, é possível perceber que em nenhuma circunstância uma religião deve exercer autoridade política ou receber privilégios do Estado. Também é verdade que “os muçulmanos têm de seguir a lei japonesa e saber a sua língua”, algo que, diga-se, é bastante comum em tantos outros países no mundo. Novamente olhando para a constituição, é importante destacar os seguinte: as leis e a política moral são universais, a obediência a tais leis é incumbente perante todas as nações que detenham a sua soberania”.

No caso de saber japonês, segundo o serviço de imigração de Tóquio, é aconselhável que o cidadão em questão saiba ler e escrever japonês a um nível equivalente a um estudante, que tenha entre 7 e 8 anos, da escola primária. No entanto, apesar de existir um teste informal que é feito pelo departamento de imigração do Japão local, essa prática não é uma regra, como conta, novamente, o site Becoming Legally Japanese.

Por outro lado, também não é verdade que não seja concedida residência permanente a cidadãos muçulmanos. Mais uma vez, a nível estatístico, o governo japonês não tem em conta a religião na hora de conceder residência permanente, como conta o site Asian Quarterly, citado pelo Snopes. Nas linhas orientadoras que dão permissão para a residência permanente naquele país asiático, também não é possível encontrar nenhuma referência ao tipo de religião permitido.

Quanto à afirmação de que na Universidade do Japão, o árabe ou qualquer outra “língua islâmica” não é ensinada, podemos afirmar que é parcialmente falsa. É verdade que nessa Universidade essas línguas não são ensinadas — ao contrário do inglês e do japonês — mas, no entanto, existem cursos direcionados para essas línguas noutras instituições do país, como no Instituto islâmico-árabe no Japão. Segundo a AFP, também existe oferta educacional neste sentido no sector privado do país, bem como a existência de professores ou tutores.

No que diz respeito à afirmação de que “o Japão é o único país no mundo com um número insignificante de embaixadas em países islâmicos” também não é verdade. O país está presente em vários que têm uma vasta maioria muçulmana como o Irão, Iraque, Kuwait, Qatar ou a Síria.  Basta consultar o site oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros para corroborar a existência dessas embaixadas.

Outra das afirmações falsas é a de que não é possível importar o Alcorão para o Japão. Para já, existem diversas mesquitas no país, depois, segundo um artigo publicado no jornal Japan Focus, datado de 2007, os estudos do Alcorão eram ensinados em, pelo menos, uma mesquita, como citado pelo Snopes . Fazendo uma pesquisa na internet, também é possível encontrar escolas islâmicas internacionais em Tóquio onde os ensinamentos do Alcorão são oferecidos.

Para terminar, a afirmação de que o governo japonês tem a opinião de que “os muçulmanos são fundamentalistas”, também é difícil de comprovar, pela falta de resultados. O Snopes não verificou esta afirmação, por outro lado, a AFP encontrou uma afirmação do primeiro ministro Shinzo Abe, durante um discurso para o corpo diplomático islâmico, em 2014. “Um aspeto fundamental do espírito do Islão é o de harmonia e amor pelos outros […] o povo japonês deseja paz e prosperidade para o Médio Oriente”, afirmou. Um discurso muito distante da ideia de que o governo japonês considera essa religião como sendo fundamentalista. O Observador fez uma pesquisa na internet por afirmações que corroborassem a citação inicial, mas não encontrou qualquer resultado.

Também o Politifact, do Poynter Institute , já veio desmentir grande do que está na publicação. Ouviu inclusivamente especialistas que se dedicam ao estudo da religião islâmica. “Não é mais do que uma falsidade maldosa”, afirmou Kumiko Yagi,  professor na Universidade de Estudos Estrangeiros na Universidade de Tóquio. Outro especialista, o professor Kamada Shigeru, professor na área dos estudos islâmicos da mesma universidade, veio também garantir que a afirmação de que a “propaganda islâmica está banida no país” não é verdadeira.

Conclusão

Esta semana surgiu uma publicação no Facebook que dava conta do seguinte: “Japão impõe restrições aos muçulmanos”, dando a entender que seriam medidas impostas em plena pandemia da Covid-19. Ao todo são dez medidas supostamente implementadas no país que visavam uma discriminação em relação às pessoas daquela religião. Praticamente todas as afirmações (ao todo dez) foram desmentidas por outros sites ou agências de fact-checking, como o Snopes, a AFP ou o Politifact. Por exemplo, a afirmação de que o Japão “é a única nação que não dá cidadania a muçulmanos” não é verdadeira, porque o critério religioso não é uma opção visível nos formulários online de aplicação para obter a cidadania japonesa.

Por outro lado, é verdade que na Universidade do Japão, os cursos só são lecionados em inglês e japonês, mas existem cursos direcionados para o estudo da língua árabe e islâmica noutras instituições de ensino japonesas. Como está escrita, a publicação parece inferir que estas línguas não são de todo lecionadas naquele país, o que não é verdade. Ou seja, a publicação é falsa. Porque, além de não apresentar dados estatísticos ou fontes noticiosas que sustentem as afirmações, também dá a entender que foram medidas implementadas durante o atual momento que vivemos, de pandemia, o que não é verdade.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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