Foi um dos temas sensíveis no mandato de Marcelo Rebelo de Sousa em Belém — Cavaco Silva chegou a defini-lo como a decisão “mais estranha” do período da “geringonça”. No final de 2018, o Governo decidiu não reconduzir Joana Marques Vidal no cargo de procuradora-geral da República. A decisão foi alvo de forte contestação, mas isso não impediu António Costa de propor — e Marcelo de nomear — Lucília Gago para aquelas funções. No debate com Tiago Mayan Gonçalves, o Presidente da República foi confrontado com esse momento da sua presidência e disparou com o argumento de que foi a própria Joana Marques Vidal quem “assumiu” que a figura máxima da Procuradoria-Geral da República exerce um mandato único.
“Ela disse-o, ela assumiu que decorria da Constituição. Arrancou com essas regras do jogo”, garantiu Marcelo, no último domingo, nos estúdios da RTP. Mas foi realmente assim?
Há, de facto, um momento público em que Joana Marques Vidal se debruça sobre o tema com essa opinião. É em março de 2016, num encontro internacional em Cuba, que a então PGR diz, durante uma intervenção, cujas declarações foram recuperadas numa reportagem da RTP: “O procurador-geral da República [é] nomeado e exonerado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo, tendo o seu cargo a duração de seis anos, o mandato tem a duração única de seis anos.”
Portanto, em 2016, e de forma pública, Joana Marques Vidal “assumiu”, como diz Marcelo, que a figura de topo na investigação criminal em Portugal deveria exercer o seu mandato num único período de seis anos. Mas, no momento em que essas declarações foram proferidas, Joana Marques Vidal estava já na segunda metade do seu mandato (tomara posse em outubro de 2012) — ou seja, não foram feitas quando “arrancou”, para usar a expressão de Marcelo Rebelo de Sousa.
Além disso, mais tarde, e já muito perto de dar por terminadas as suas funções, quando já se sabia que a escolha do Governo para liderar a PGR tinha recaído sobre Lucília Gago, Marques Vidal deu uma entrevista à SIC e ao Expresso onde diz algo diferente e que Marcelo Rebelo de Sousa não referiu no debate. A frase de Joana Marques Vidal foi a seguinte: “Sejamos claros: atualmente, a nossa Constituição e a nossa lei preveem a possibilidade de renovação” de quem lidera o Ministério Público.
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Conclusão
Marcelo tem razão quando diz que Joana Marques Vidal “assumiu” publicamente que o cargo de procurador-geral da República tem um mandato de seis anos — isso aconteceu quatro anos depois de ser nomeada. Mas o Presidente da República ignorou uma segunda declaração de Joana Marques Vidal, já perto de deixar o cargo, em que defende precisamente o contrário — ou seja, que a Constituição permitiria a renovação.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
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