Uma mulher equipada com bata, luvas, máscara, viseira e touca descartáveis acaricia a barriga de grávida. Só o facto de esta médica, numa fase de gestação que se percebe ser já avançada, trabalhar todos os dias no combate ao novo coronavírus torna a imagem impressionante, mas a história que circula no Facebook é ainda mais avassaladora. No texto, lê-se: “A médica de 28 anos estava grávida de oito meses e trabalhava na unidade de cirurgia do hospital quando morreu na última sexta-feira. Ela pediu ao chefe do hospital, uma licença de maternidade precoce, mas ele se recusou a deixá-la tirar uma folga”, diz o texto.
A publicação tem, contudo, uma parte falsa e outra verdadeira, sendo que a junção de ambas faz com que a publicação seja enganadora. É mentira que a médica que surge na foto tenha morrido com Covid-19. É norte-americana, está viva e trabalha num hospital de Chicago. Por outro lado, é verdade que na Argélia este caso aconteceu mesmo.
Começando pela foto, ela foi originalmente publicada no Instagram a 9 de abril . Na legenda, Taylor Poynter, o verdadeiro nome desta mulher, escreveu: “Grávida de 31 semanas e a trabalhar durante uma pandemia”. No texto, a médica agradecia as orações e a comida enviada para o hospital, como se pode ver na imagem abaixa, retirada da sua conta de Instagram.
https://www.instagram.com/p/B-vNz5xjsc_/
No respetivo perfil há, além desta imagem, outras fotografias nas quais a médica de Chicago aparece totalmente equipada, pronta para mais um turno. A maioria dos seguidores elogia a decisão de Poynter, mas a norte-americana também recebeu alguns comentários negativos por continuar no ativo, estando grávida de oito meses.
Numa entrevista dada ao programa “Tamron Hall Show”, a médica chegou mesmo a explicar que sentiu alguma ansiedade devido às opiniões e no Instagram fez um pedido: “Para qualquer um que sinta a necessidade de julgar as mamãs grávidas a trabalharem na linha da frente, por favor pensem antes de falarem. Algumas de nós são a principal fonte de rendimento, não podemos ficar em casa”.
Taylor Poynter tem 27 anos e, antes de estar grávida de um rapaz, que deverá nascer em junho, já tinha sofrido um aborto espontâneo. Também por isso faz questão de garantir que nas urgências onde está diariamente não descura as medidas de segurança. “Agora, nem sequer entro completamente na sala até ter um historial mais detalhado do paciente e poder determinar se preciso de acrescentar uma bata ao equipamento que já uso como base”, contou ao site “Today Parents”.
Esta é, assim, a história da imagem que se tornou viral no Facebook, que nada tem a ver com o texto que a acompanha. As informações que fazem parte do relato não são falsas, mas aconteceram bem longe dos Estados Unidos. São relativas a uma médica argelina, Wafa Boudissa . Tinha 28 anos, estava grávida de oito meses e morreu a 15 de maio, após contrair o novo coronavírus. O bebé também não sobreviveu.
“A morte de uma médica grávida da doença Covid-19, depois de ter sido negada a licença de maternidade, provocou um alvoroço e levou à demissão de um diretor de hospital. O ministro da Saúde, Abderrahmane Benbouzid, demitiu o diretor do hospital Ras El Oued, no leste da Argélia”, diz a publicação que se tornou viral na rede social.
Isto é verdade, o ministro visitou os familiares da médica, que fazia parte do serviço de urgências de um hospital da cidade de Sétif, e anunciou a abertura de uma investigação, assim como o afastamento do responsável pelo estabelecimento. O político considerou “inaceitável” o facto de Boudissa continuar a trabalhar quando tinha direito a uma licença especial. Segundo declarações de Smara Chawki, marido da médica, feitas ao jornal “Liberté-Algérie”, o diretor do hospital “rejeitou três vezes o pedido de uma baixa excecional.”
Conclusão
Nesta publicação misturam-se as histórias de duas médicas grávidas mas a imagem partilhada não corresponde ao texto. A foto é de Taylor Poynter, uma médica que trabalha nas urgências de um hospital de Chicago, Estados Unidos. Está grávida de um rapaz e ambos estão saudáveis. O caso trágico contado na publicação é de Wafa Boudissa, igualmente médica nas urgências, mas num hospital da Argélia. Grávida de oito meses, morreu devido à Covid-19, após lhe ter sido negada uma baixa excecional a que tinha direito. O bebé não sobreviveu. A junção de um texto verdadeiro, com uma fotografia também ela verdadeira, mas de uma pessoa que não corresponde à história que é contada na legenda, torna esta publicação enganadora.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.