A história já é, por si só, dramática: Thomas Jendges, antigo diretor executivo da clínica Chemnitz, na Alemanha, morreu num suicídio trágico que foi notícia a nível internacional, no princípio de novembro. Mas nas redes sociais circula um rumor que acrescenta mais detalhes à história, relacionando-a com a pandemia e a suposta desconfiança do médico em relação às vacinas.

Na publicação que aqui reproduzimos, mas que vai sendo repetida nas mais variadas redes sociais, blogues e sites de fake news em várias línguas (pelo menos em alemão, francês e inglês), cita-se uma suposta parte da carta de despedida alegadamente deixada por Jendges antes de morrer. “Já não posso viver com as mentiras ditas aos cidadãos e pacientes”, teria escrito o médico.

As tais “mentiras” teriam a ver com a alegação de que as vacinas são “inofensivas”: “É um genocídio”, concluiria, então, a missiva. Ou seja, o médico teria decidido cometer suicídio por não acreditar nas vacinas e não querer participar nessa “mentira” e nesse “genocídio” da população.

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É verdade que Thomas Jendges morreu no início de novembro, como foi noticiado logo na altura. No dia 2, foi a própria clínica que emitiu um comunicado a dar nota da notícia e da reação do autarca de Chemnitz, Sven Schulze, que se manifestava “profundamente afetado pela morte repentina” do médico. Schulze falou “com muitos representantes da clínica” para dar os seus pêsames e garantir “o total apoio nesta situação crítica”.

Como cita o jornal francês Libération, Schulze recordou que ainda na noite anterior à morte do médico tinha estado a falar “longamente” com Jendges sobre “a difícil situação por causa da Covid-19”.

Apesar disso, não há qualquer prova da existência da tal carta de despedida, como confirmam vários jornais internacionais. A 9 de novembro, a agência de notícias alemã DPA citava desmentidos sobre esta questão tanto da polícia como da prefeitura de Chemnitz.

A revista alemã KU Gesundheitsmanagement, especializada em assuntos de Saúde, acrescentava não ter “qualquer informação ou fonte oficial” a confirmar a existência da carta, atribuindo supostas citações a “opiniões pessoais que não são corroboradas, a esta data, por nenhuma fonte”.

Estas publicações ainda se apoiaram num vídeo que supostamente mostraria Jendges a defender que a pandemia não teria “nada a ver com um vírus” e que se trataria de uma tentativa de impor “uma ditadura mundial”.

Mas, como explica a Reuters, o homem que aparece no vídeo a fazer estas declarações é outro médico alemão, Guido C. Hoffman, que começou por publicar as imagens na sua conta de Telegram em setembro e voltou a fazê-lo já depois das notícias que lhe atribuíam erradamente a identidade de Jendges, esclarecendo que o seu vídeo estaria a ser usado para espalhar informação falsa sobre Jendges.

Na verdade, em agosto de 2020, um comunicado emitido pela clínica Chemnitz parecia provar que Jendges não só não era um crítico das vacinas como até tinha uma opinião contrária: na parte do comunicado assinada com o seu nome, o clínico defendia que a vacinação ajudaria a conter a pandemia e a reduzir o risco de “infeção e doença grave”, dizendo-se “feliz” por ver a clínica oferecer esta possibilidade à população e participar no esforço de vacinação.

Conclusão

Não há qualquer prova de que tenha sequer existido uma carta de despedida de Thomas Jendges, que efetivamente se suicidou em novembro. A polícia e a prefeitura desmentem que haja qualquer conhecimento sobre a missiva. No ano passado, o médico tinha, pelo contrário, assinado um comunicado muito favorável à vacinação.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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