A publicação que começou a circular no Facebook a 27 de maio — e que conta com mais de 16,1 mil visualizações –, apresenta uma fotografia de um texto e uma legenda. Em maiúsculas, à direita, lê-se “Pandemia de mentira”, à esquerda, na imagem, uma folha de papel A4 branco aparentemente colada a uma parede com frases que pretendem justificar por que é que a pandemia de Covid-19 não é verdadeira.

No papel colado na parede lêem-se coisas como “o Governo mente e os média mentem”; “Não existe pandemia e o covid é apenas um simples vírus de constipação”; “o número de mortos é falso” ou “Na praia não há vírus, a areia não tem vírus, o calor do Sol destrói os vírus, os Ultravioletas destroem os vírus, e a água do mar destrói o vírus”. O problema é que as afirmações são falsas, estão desprovidas de contexto, deturpam o que já se sabe e inferem conclusões sobre temas para os quais ainda não há evidências científicas. Por tudo isto, esta publicação é falsa.

A publicação já conta com mais de 16 mil visualizações

Comecemos pelas duas primeiras frases: a pandemia de Covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) foi decretada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a 11 de março de 2020. Na altura, esta doença — para a qual ainda não existe cura — já tinha infetado 118 mil pessoas no mundo, registando 4.291 mortes. Não é invenção de nenhum governo — nem do português (que é o que a publicação sugere), nem de outro país — e também não é nenhuma invenção de jornalistas. A OMS decretou pandemia global, porque o novo coronavírus estava, de facto, a chegar ao mundo todo. A 11 de março, já havia registo de contágios em 114 países, tendo-se vindo sempre a alastrar desde então.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O vírus da Covid-19 também não é um “simples vírus de constipação”. Como se pode ler na página oficial da autoridade de saúde portuguesa, a Direcção-Geral de Saúde, (DGS) o SARS-CoV-2 é um novo vírus e “significa Severe Acute Respiratory Syndrome (Síndrome Respiratória Aguda Grave) – Coronavírus – 2”. Este “2” existe para diferenciar o vírus da Covid-19 de outro que causa uma Síndrome Respiratória Aguda Grave — e que se chama SARS-CoV.

“Supõe-se que o SARS-CoV-2 tenha sido introduzido na espécie humana por transmissão zoonótica, ou seja, a partir de uma espécie animal. Vírus muito semelhantes foram identificados em morcegos e em pangolins, mas não é ainda claro o envolvimento destes animais na emergência do SARS-CoV-2 na espécie humana”, lê-se na página da DGS.

Quanto aos mortos, falso é o que está escrito na publicação — a 17 de junho de 2020, segundos os dados da DGS, a Covid-19 já tinha provocado 1.523 óbitos em Portugal. No site da OMS, na mesma data, encontravam-se mais de 440 mil mortes no mundo todo relacionadas com a pandemia.

É também completamente falso que o uso de máscara na via pública destrua a saúde. Pelo contrário, a sua utilização protege quem a usa e sobretudo as pessoas com quem esta estiver em contacto. No site da DGS, lê-se que “o uso de máscaras é uma medida adicional de proteção, que deve ser complementar às medidas de distanciamento, higiene das mãos e etiqueta respiratória. A sua utilização é obrigatória em espaços públicos fechados, como transportes públicos ou estabelecimentos comerciais”.

Quanto à última afirmação — “Na praia não há vírus, a areia não tem vírus, o calor do Sol destrói os vírus, os Ultravioletas destroem os vírus, e a água do mar destrói o vírus” — há várias imprecisões e deturpações sobre o que já se sabe acerca do SARS-CoV-2.

Comecemos pelo impacto do calor do sol. A 10 de junho a OMS dizia que ainda não era possível saber se o novo coronavírus atuava de forma diferente com as mudanças de temperatura, nas diferentes estações do ano. O diretor dos programas de emergência da OMS, Mike Ryan, pediu até que não se fizessem comparações entre o SARS-CoV-2 e o vírus da gripe sazonal, que perde força com o tempo quente: “Para ser claro, até ao momento não temos dados que indiquem que o vírus pode atuar de forma mais agressiva ou transmitir-se mais, ou não” no inverno.

O diretor da OMS disse ainda que não se deve confiar que a chegada do calor vai suavizar o vírus na Europa. “Muita gente diz que no verão o vírus será menos transmissível, porque toda a gente passa mais tempo no exterior, mas outros dirão que as pessoas tendem a procurar lugares fechados com ar condicionado, por causa do calor”.

No final do mês de maio, o primeiro estudo fora da China também concluiu que o “verão não vai fazer” com que o novo coronavírus desapareça. Os investigadores da Universidade de Toronto, no Canadá, não encontraram evidências de que o clima mais quente influencia a transmissão do novo coronavírus ou a severidade da doença que ele provoca. Por tudo isto, não é verdade que o calor do sol destrói o SARS-CoV-2.

Calor de verão não vai reduzir transmissão do novo coronavírus, diz primeiro estudo fora da China

Quanto à afirmação de que na praia não há vírus e de que a areia também não o tem, não é verdade que assim seja. O SARS-CoV-2 é transportado pelas pessoas para onde quer que elas se desloquem, por isso, se alguém estiver infetado com Covid-19 e for à praia, leva o vírus consigo e poderá contagiar outras se não cumprir nem com a etiqueta respiratória nem com o distanciamento social.

Quem transporta o vírus são as pessoas, independentemente dos sítios por onde elas passam. Daí que a própria Direção-Geral de Saúde tenha elaborado um guia específico de comportamentos a adotar nas praias e que inclui uma distância social entre as pessoas de 1,5 metros (desde que não façam parte do mesmo grupo) e outra de três metros entre chapéus de sol, toldos ou colmos.

Um semáforo virtual, chapéus a 3 metros e vendedores com máscara. Estas são as novas regras para ir à praia este verão

Manuel Carmo Gomes, professor de epidemiologia de doenças transmissíveis da Faculdade de Ciências, na Universidade de Lisboa, explicou ao Observador que “os vírus estão no trato respiratório” e que é sempre possível que o vírus passe de uma pessoa para outras, desde que estejam próximas umas das outras, e isto é válido para qualquer espaço em que se encontrem, mesmo que estejam na praia. O especialista admite, contundo, que em espaços ao ar livre é “mais difícil” contagiar os outros do “que num sítio fechado”.

Quanto à questão da areia, o que o professor explica é que o SARS-CoV-2, em princípio sobrevive na areia, sim, mas por pouco tempo — porque a areia está sujeita a radiação ultravioleta, que altera os ácidos nucleicos dos microorganismos, neste caso, do RNA (ácido ribonucleico); e, porque, em princípio, durante o dia a areia estará muito quente e “estes vírus não gostam de temperaturas muito acima dos 20, 25ºC, porque também desnatura as proteínas e altera o seu RNA. Portanto, não deve sobreviver muito tempo na areia”, explicou o professor à Rádio Observador.

Já o facto de os raios ultravioletas destruírem o vírus, o professor Manuel Carmo Gomes explica que “destruir” não é a melhor palavra: “O que esta radiação faz é alterar o RNA dos vírus e estes deixam de ser capazes de originar infeção”. Ou seja, o vírus está lá, não desaparece, perde é a capacidade de provocar a doença ao entrar nas nossas células, porque tem o tal RNA alterado, mas não é destruído. “Destruir é um termo muito forte, deixa é de ter capacidade para infetar”.

Sobre a afirmação de que “a água do mar destrói o vírus”, o professor explica que tal também não é assim: “Não se sabe [como se comporta o SARS-CoV-2 na água salgada], mas julgamos que sim [que morre], por comparação com outros. Há vírus que aguentam a água do mar, mas são poucos e os vírus de índice respiratório, como os outros coronavírus, eles não aguentam a água salgada, a salinidade também altera o seu RNA. Mas se me perguntar se já há alguma coisa demonstrada, não, ainda não há essa evidencia. Fazemos é esta analogia com outros vírus”, referiu.

À Rádio Observador, Manuel Carmo Gomes já tinha dito que não havia “conhecimento suficiente” para saber como este coronavírus se comportava na água salgada. “O que sabemos deriva de outros coronavírus e de outros vírus que causam infeções respiratórias” e, por isso, “a sobrevivência na água salgada deve ser praticamente nula, se é que algum vírus chega lá sequer. Poderá chegar se houver um infetado que esteja a tomar banho e espirrar para dentro de água”, por exemplo. É por tudo isto incorreto afirmar que “a água do mar destrói o vírus”.

Pode o vírus morrer na praia?

Conclusão

A publicação que anda a circular pelo Facebook está repleta de informações falsas e nenhuma tem por base evidências científicas. Todas as alegações são facilmente comprováveis nas várias comunicações feitas pelas autoridades oficiais de saúde nacionais e mundiais. Na parte referente à praia, areia, calor e água do mar, o autor extrapolou conclusões erradas acerca do que já se sabe sobre este coronavírus em específico. A ideia de que o Governo é perverso e quer afastar as pessoas da praia para que adoeçam é completamente falsa. Se houver pessoas infetadas na praia e não forem cumpridas as regras de etiqueta respiratória e de distanciamento social, estas podem contagiar outras, ainda que seja mais difícil que isso aconteça. Para evitar este tipo de contágio, o Governo publicou normas específicas para as praias

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

De acordo com o sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook.

Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.

IFCN Badge