(Artigo originalmente publicado a 17 de setembro de 2019, dia do debate onde foram feitas as declarações)

O que está em causa

A frase é repetida do discurso de abertura do debate do Estado da Nação, em julho. Para mostrar o investimento do Governo no Serviço Nacional de Saúde (SNS), António Costa sublinha que o país tem agora mais 11 mil profissionais de saúde que em 2015. O mesmo dado, aliás, já tinha sido apresentado no Parlamento por Marta Temido, ministra da Saúde, em maio deste ano, mas encerra uma realidade mais complexa do que o número positivo quer fazer parecer.

Quais são os factos?

Em termos absolutos, o número é totalmente verdadeiro. Mas usá-lo para provar o reforço da capacidade do SNS, contrário às queixas de falta de profissionais feitas pelas Ordens e sindicatos, é enganador.

Em maio, Marta Temido afirmava que o SNS tinha, segundo os dados de abril, “a maior força de trabalho de sempre”, com mais 6.400 trabalhadores do que antes do início da ‘troika’ e mais 10.800 do que em dezembro de 2015.

O reforço do número dos profissionais de saúde fez-se com 4.500 enfermeiros, 1.700 médicos especialistas, 2.000 internos, 900 assistentes operacionais, 619 técnicos de diagnóstico e terapêutica, entre outros, referia o Jornal de Negócios.

O aumento do número de profissionais de saúde em números absolutos não representa, no entanto, um aumento da “força de trabalho”, como também já alertou a Ordem dos Médicos. “Até podem existir mais médicos, mas a força de trabalho é menor”, disse Miguel Guimarães, citado pelo Diário de Notícias. Os descansos compensatórios, a passagem das 40 para as 35 horas semanais, o fim do regime de dedicação exclusiva (em 2009) e uma população médica envelhecida (que a partir dos 55 anos pode deixar de fazer urgências) justificam a afirmação do bastonário. Assim, há mais pessoas, mas menos horas de trabalho efetivo no SNS.

A essa mesma conclusão chegou Mário Amorim Lopes, neste ensaio do Observador.

Atualmente, 70% dos especialistas e 80% dos médicos hospitalares não trabalham em dedicação exclusiva para o SNSnoticiou o Expresso no final de junho. A tendência será para que estes números aumentem, porque, desde 2009, nenhum novo contrato pode ser feito com dedicação exclusiva (por questões orçamentais), mesmo que os médicos o desejassem.

Do lado dos enfermeiros, a queixa é a de que os profissionais contratados não chegaram sequer para cobrir os buracos abertos pela passagem das 40 para as 35 horas semanais, refere o Jornal de Negócios. Além disso, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros diz que as contrações dos enfermeiros se tratam, por exemplo, de contratações temporárias para substituir trabalhadores em baixas prolongadas.

Conclusão

Apesar de ser verdade que há mais 11 mil profissionais de saúde que em 2015, a afirmação do primeiro-ministro é enganadora, porque isso não significa que o SNS tenham mais capacidade.

Devem os médicos ser obrigados a exercer no SNS?

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