“Aos professores que pensam que há gente ceguinha ou com poeira nos olhos. Então queriam todos estar no 10.º escalão?” A frase surge no Facebook, a acompanhar uma tabela que mostra a divisão (em percentagem) dos professores portugueses pelos 10 escalões que compõem a sua carreira. “Estive a ler os quadros da distribuição em percentagem pelos escalões. De que se queixam? Enxerguem-se para merecerem o país!”, escreve o mesmo utilizador, que não é o único a partilhar a imagem.
O que se lê nas entrelinhas desta afirmação é que, afinal, há poucos professores no 1.º escalão da carreira, aquele em que o salário é mais baixo, e questiona-se, desta forma, uma das principais reivindicações da classe docente: acabar com as vagas para aceder ao 5.º e ao 7.º escalão.
Primeiro, os números. O Observador questionou o Ministério da Educação e pediu o envio dos números mais recentes da divisão de professores por escalão. A tabela enviada remete para dezembro de 2022, quando 197 professores, num total de 101.109, estavam no 1.º escalão. Olhando para a percentagem, este valor é de 0,19%, inferior ao que surge na tabela partilhada.
Olhando apenas para as duas tabelas — a oficial e a partilhada nas redes sociais — os números que correm no Facebook estão errados e pecam por defeito. No entanto, nenhuma das tabelas espelha a realidade dos professores contratados, que não pode ser ignorada. Sem estarem no quadro, os contratados não são considerados professores de carreira, muito embora estejam nas escolas a dar aulas. Nessas situações, independentemente do número de anos de serviço que têm, recebem todos o mesmo valor salarial que corresponde ao índice 167, ou seja, o 1.º escalão da carreira.
Os números mais recentes, divulgados em janeiro pelo Diário de Notícias, dão conta de que no atual ano letivo 2022/2023 o número de contratados era de 32.939 — professores que estarão todos a receber salário equivalente ao do 1.º escalão. Assim, as contas mudam. Passariam a ser 33.136 professores no 1.º escalão (ou equivalente) num total de 134.048 docente. Falando em percentagens, são quase 25%, um quarto do total.
Contactado pelo Observador, Mário Nogueira, secretário geral da Fenprof, considera que a forma como os números são apresentados é enganadora. “O 1.º escalão tem os professores de carreira e os professores contratados. Mas como o Ministério da Educação considera que os professores contratados não estão na carreira, consideram que ganham pelo índice salarial que corresponde ao 1.º escalão, mas não estão no 1.º escalão. É uma aldrabice”, defende o professor. Além disso, explica Nogueira, quando os professores conseguem vincular — ou seja, entrar para o quadro, tornando-se professores de carreira — têm, quase sempre, vários anos de tempo de serviço. A média, segundo dados do Governo, é de 16 anos de profissão e 46 de idade.
“Os professores quando conseguem vincular têm sempre vários anos de serviço, 10, 15. Quando vinculam vão imediatamente para o 2.º escalão, 3.º escalão, no máximo. No 1.º escalão estarão meia dúzia de professores de espanhol ou informática que são grupos em que quase não há ninguém”, argumenta o líder da federação de sindicatos.
Mário Nogueira esclarece que falar em 0,4% — ou 0,19% — não está errado se se acrescentar algo mais à frase. “Há quatro décimos dos professores de carreira que estão no 1.º escalão. E será para ali que entram os três professores de Física e Química que se licenciaram agora”, ironiza. Os dados mais recentes do Conselho Nacional de Educação dão conta de que, apesar de terem saído cerca de 400 professores de Física e Química do sistema, só três novos docentes desta disciplina foram formados nas universidades.
Consultando a DGEEC — Direção Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência, encontram-se dados de 2021. Nessa altura, Portugal tinha cerca de 150 mil professores, dos quais 130 mil estavam colocados no ensino público. Os demais davam aulas em escolas privadas.
Quanto aos professores contratados, os números oficiais da DGEEC mostram que estes docentes representavam uma fatia de 21% do total (29.862 contratados), ou seja, em linha com os valores atuais.
Conclusão
Enganador. Ao não se contabilizar os professores contratados, e olhando apenas para os professores de carreira, passa-se a ideia de que são poucos os que estão no escalão com o salário mais baixo. Em contrapartida, são exatamente os contratados que mais sofrem com a precariedade, ficando sempre com o mesmo ordenado, equivalente ao do 1.º escalão, independentemente do tempo de serviço prestado nas escolas.
Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.