Foi durante uma visita à escola básica Frei Caetano Brandão, em Braga, que a líder do PAN, Inês de Sousa Real, procurou centrar a campanha eleitoral nos problemas da educação e dos professores. Em declarações aos jornalistas depois da visita àquela escola, a líder do PAN apelou à necessidade de “valorizar e permitir o acesso aos próprios escalões de carreira, que, neste momento, estão congelados“, e atirou um dado concreto para a discussão:

Não podemos continuar a desvalorizar assim as carreiras. Pessoas que entram hoje para a carreira a nível educativo estão a receber duas vezes menos do que recebiam há uns anos.”

Mas será mesmo assim? Os professores que entram atualmente na carreira docente recebem metade do que recebiam há alguns anos?

Vamos por partes. Em primeiro lugar, Inês Sousa Real não clarifica o que pretende dizer com “há uns anos”, pelo que se torna difícil ir em busca dos números que comprovem a afirmação. Podemos começar por recorrer ao período de tempo que tem sido mais escrutinado durante a campanha eleitoral: os últimos seis anos, correspondentes à governação de António Costa, que se seguiu a Pedro Passos Coelho e aos anos marcados pela intervenção da troika em Portugal.

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Uma vez que Inês Sousa Real se refere às “pessoas que entram hoje para a carreira“, significa que está a falar dos professores que entram na carreira docente e que, ao abrigo do Estatuto da Carreira Docente, são colocados no nível remuneratório do primeiro escalão da carreira. Para 2022, de acordo com as tabelas atualizadas do Instituto de Gestão Financeira da Educação (IGeFE), o salário bruto de um professor no primeiro escalão da carreira é de 1.536,90 euros.

Se recuarmos a 2015, o ano da mudança de Governo, constatamos que as tabelas salariais apontavam para um salário bruto para o primeiro escalão situado nos 1.500 euros mensais. Esse valor já contemplava uma redução salarial, imposta durante o período da crise, relativamente aos valores de 2010 — ano em que o salário bruto para o primeiro escalão da carreira docente era de 1.518,63 euros.

Fica, assim, claro que não é verdade que ao longo da última década o salário bruto de um professor no primeiro escalão da carreira docente tenha caído para metade — nem mesmo quando a análise abrange o controverso período entre 2011 e 2017, em que os professores viram a contagem do seu tempo de serviço (fundamental para a progressão nos escalões da carreira) congelada devido à crise financeira. Embora a progressão na carreira tenha sido congelada e os salários dos professores não tenham aumentado, o que é certo é que o valor bruto do salário de um professor no primeiro escalão da carreira se manteve estável em torno dos 1.500 euros mensais, pelo que é impossível afirmar que o salário de um professor em início de carreira hoje é metade do que seria “há uns anos“, pelo que não restam dúvidas quanto à frase de Inês Sousa Real: é falsa.

O Observador tentou, contudo, perceber o que poderá ter estado por trás de tal afirmação — e a verdade é que, se Inês Sousa Real tivesse formulado as suas declarações de outro modo, poderia ter feito uma afirmação verdadeira.

É preciso recuar até ao início do século XXI, ao período entre 2001 e 2005, e observar como funcionava nesse período a carreira dos professores. Nessa época, a carreira docente era composta por nove escalões de duração variável e a progressão fazia-se com base no tempo de serviço e também nas avaliações necessárias para avançar de escalão. Na altura, como explicou ao Observador o dirigente da Federação Nacional dos Professores (Fenprof) Vítor Godinho, a estrutura da carreira docente funcionava de tal forma que era possível chegar ao topo da carreira com 26 anos de serviço.

Mas, nas últimas duas décadas, a carreira dos professores sofreu grande turbulência. Um primeiro congelamento da contagem do tempo de serviço (2005-2007), uma mudança no número e duração dos escalões e um novo congelamento entre 2011 e 2017 transformaram radicalmente o setor.

Atualmente, a carreira dos professores é composta por dez escalões. Cada um deles tem uma permanência obrigatória mínima de quatro anos, à exceção do quinto escalão (dois anos) e do décimo escalão (o topo da carreira, em que o professor fica até à reforma). Além disso, não basta o tempo mínimo de serviço para progredir de escalão. É necessário ter uma avaliação de desempenho positiva e há, além disso, regras específicas para diferentes escalões: por exemplo, para subir ao terceiro e ao quinto escalões é necessário ser avaliado em contexto de sala de aula; para subir ao quinto e ao sétimo escalões é necessário que abram vagas para o escalão.

“Neste momento, temos uma carreira em que, na melhor das hipóteses, se atinge o topo com 34 anos de serviço”, diz Vítor Godinho. E isto é mesmo no melhor cenário, “considerando que todo o tempo de serviço contou e que não se apanham obstáculos administrativos”. Estes obstáculos administrativos incluem as tais vagas para o quinto e sétimo escalões: quase sempre há mais candidatos do que vagas e a Fenprof estima uma perda média de dois anos em cada passagem. Somando a estes obstáculos o tempo de congelamento ainda não recuperado e as perdas ocorridas nas transições entre regimes de carreira, o dirigente da Fenprof estima que atualmente um professor demore, em média, cerca de 48 anos a chegar ao escalão mais elevado da carreira — o que explica que haja tão poucos professores nesse nível remuneratório.

É esta realidade que leva Vítor Godinho a reconhecer que, “hoje, um docente com 26 anos de serviço está sensivelmente duas vezes abaixo do que estaria em 2005”. Isto porque “os maiores impulsos salariais são nos últimos escalões“, diz o sindicalista, lembrando que, por conta dos congelamentos e das alterações na duração dos escalões, “hoje, com 26 anos de serviço, um professor estará no quarto escalão”, enquanto no período entre 2001 e 2005 um professor com 26 anos de carreira teria atingido o topo da carreira.

Olhando para os valores salariais, percebe-se o que está em causa. A diferença entre o salário bruto do escalão máximo (3.405,09 euros em 2022) e o quarto escalão (2.006,25 euros em 2022) não é o dobro, mas aproxima-se disso — e Vítor Godinho reconhece que poderia ser a este fenómeno que Inês Sousa Real pretendia referir-se. Se a líder do PAN tivesse dito que um professor que entre na carreira docente hoje ganhará cerca de metade do que ganharia ao fim do mesmo tempo de serviço na carreira docente antes do período conturbado que marcou a última década e meia, estaria mais próxima de uma afirmação plausível — mas não foi isso que Inês Sousa Real disse.

Em alternativa, Inês Sousa Real poderia estar a referir-se ao facto de muitos professores em início de carreira se encontrarem ainda a contrato, muitas vezes sujeitos a horários reduzidos, fazendo cerca de metade das horas semanais — o que se traduz, naturalmente, num salário muito inferior ao que teriam a tempo inteiro. Porém, também aqui a afirmação não faria sentido, uma vez que esses professores não se encontram formalmente posicionados na carreira docente.

Conclusão

A frase de Inês Sousa Real é objetivamente falsa. Apesar do contexto que o Observador procurou explicar neste artigo, e que até poderia estar na origem do raciocínio que Inês Sousa Real pretendia expor, a verdade é que a líder do PAN disse o que disse — e não se comprova que um professor que entre hoje na carreira docente receba metade do que receberia entrando na carreira há alguns anos, uma vez que não houve uma variação significativo no salário bruto do primeiro escalão.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

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