São inúmeras as publicações, a circular na rede social Facebook, que relacionam um surto de dengue na cidade brasileira de Toledo, no estado do Paraná, com um programa de vacinação contra a Covid-19 levado a cabo pela farmacêutica Pfizer naquela mesma cidade. “A matemática é a mesma de 2019…mas com outro nome…e uma nova ‘solução’ para ‘resolver’ o problema que a ‘solução’ do problema anterior causou”, diz um dos autores das publicações, questionando também a vacinação contra a dengue. Mas terão estes dois eventos uma relação direta?
“Não há nenhuma relação, é uma teoria da conspiração”, reage ao Observador o médico infecciologista Jaime Nina, acrescentando que já foram administradas “milhares de milhões de doses” da vacina da Pfizer/BioNTech. “Se houvesse alguma interferência com a dengue, isso já teria sido comunicado”, realça o especialista. Jaime Nina sublinha também que não há qualquer semelhança entre o coronavírus responsável pela Covid-19 (o SARS-CoV-2) e o vírus da dengue. “São completamente diferentes, mais diferentes do que uma formiga e uma baleia”, explica o também professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, da Universidade Nova de Lisboa.
Em outubro de 2021, a Pfizer anunciou um programa de vacinação em Toledo, destinado a todas as pessoas com mais de 12 anos, com o objetivo de estudar o comportamento da Covid-19 num “cenário de vida real”, após a população ter sido vacinada. “A iniciativa será a primeira e única nesses moldes a ser realizada com a colaboração da farmacêutica em países em desenvolvimento”, anunciava a Pfizer, num projeto que contou com a colaboração das autoridades de saúde nacionais e locais, da Perfeitura de Toledo e da Universidade Federal do Paraná.
O programa teve como objetivo validar os resultados da eficácia da vacina na prevenção de doença grave causada pelo vírus SARS-CoV-2, fazendo um acompanhamento próximo das pessoas vacinadas ao longo de um ano.
A notícia teria ficado esquecida — no meio de todas as iniciativas e programas de vacinação levados a cabo nos primeiros dois anos da pandemia — não fosse o facto de ter sido recuperada nas últimas semanas, já em 2024, para suportar a ideia de que esse programa de vacinação foi responsável pelo surto de dengue que afeta a mesma cidade (Toledo, de 140 mil habitantes) por estes dias.
Em algumas das publicações nas redes sociais que o Observador consultou, a associação entre o programa de vacinação da Pfizer e o atual surto de dengue é estabelecido com a colagem de duas notícias, uma sobre cada um dos acontecimentos.
No entanto, tal relação não existe. Aliás, o aumento galopante dos casos de dengue não afeta apenas Toledo, mas sim todo o Brasil, e particularmente as regiões do centro e sul do país. Segundo o Ministério da Saúde, desde o início do ano já foram registados mais de 650 mil casos de dengue, mais de cinco vezes os 128 mil registados sensivelmente no mesmo período do ano passado (de 1 de janeiro a 12 de fevereiro). Já morreram mais de 110 pessoas.
“Há um surto de dengue no centro e sul do Brasil, mas está relacionado com as cheias que têm afetado aquelas regiões. A larva do mosquito [que transmite a dengue] é aquática; quando chove muito, formam-se poças e há muitas doenças transmitidas por mosquitos”, sublinha o infecciologista Jaime Nina. As chuvas intensas, conjugadas com as altas temperaturas (características do verão brasileiro) em estados como o Rio de Janeiro, o Paraná ou Góias, são o cenário ideal para a propagação das colónias de mosquitos da espécie Aedes Aegypti, que transmitem a dengue.
Conclusão
Não existe qualquer relação entre a vacinação contra a Covid-19 e o surto de dengue que afeta a cidade de Toledo, no sul do Brasil, como garante ao Observador o infecciologista Jaime Nina. O aumento galopante dos casos de dengue nesta zona do país, em relação ao início de 2023, está relacionado com as cheias e altas temperaturas que têm assolado esta zona do Brasil, e que criaram condições propícios à propagação do mosquito que transmite a dengue.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook