Está a circular uma publicação nas redes sociais que alega que as vacinas para a Covid-19, que precisam de ser mantidas a uma temperatura de -80ºC, não são vacinas mas sim “agentes de transfeção”. Ou seja, um produto que altera o ADN. Mas não há qualquer relação entre vacinas mantidas em frio extremo e a modificação genética.
As alegações são falsas e já foram desmentidas pela Sociedade Portuguesa de Genética Humana. Depois do que apelida de “uma enorme discussão sobre vacinação” nas redes sociais, a organização esclarece que as vacinas de mRNA (que têm de ser armazenadas em frio) não alteram o ADN. Aquele organismo explica que o medicamento introduz “nas células moléculas que conduzem à produção de pequenos fragmentos inofensivos do vírus”, que vão “ativar uma poderosa resposta do sistema imunitário. Desta forma, o nosso corpo responderá com rapidez se entrar em contacto natural com o vírus completo.”
A constituição genética (ADN) de cada indivíduo vacinado fica inalterada. A única ação da vacina é o estímulo da produção de anticorpos e leucócitos especiais de defesa, de forma idêntica à que acontece quando alguém tem uma infeção viral de forma natural. O mRNA introduzido nas células é muito rapidamente degradado e não consegue reproduzir-se. Assim sendo, este fragmento de mRNA nunca se poderá fundir ou integrar diretamente no ADN do próprio indivíduo.”
Para além da Sociedade Portuguesa de Genética Humana, são vários os organismos que asseguram a segurança das vacinas contra a Covid-19 e desmentem o mito de que o medicamento altera a genética humana.
Na página da internet relativa a dúvidas sobre a vacinação, o Ministério da Saúde lembra que “foi garantida a eficácia, segurança e qualidade” das vacinas contra a Covid-19 que estão a ser utilizadas em Portugal.
A Sociedade Europeia de Genética Humana já assegurou o público em geral de que não há qualquer evidência científica que suporte a tese de que a vacina modifique o material genético.
A médica Katherine O’Brien, da Organização Mundial de Saúde apelida a tese de “boato”.
Não há como o mRNA se transforme em ADN ou altere o ADN das células humanas. O mRNA, são as instruções para o corpo fazer uma proteína. A maioria das vacinas é desenvolvida ao fornecer uma proteína ou um pequeno componente do vírus contra o qual estamos a tentar vacinar. E esta é uma nova abordagem, onde em vez disso, damos instruções ao nosso corpo para responder e o nosso sistema imunológico natural reage.”
Também o instituto norte-americano Johns Hopkins esclarece que “as duas vacinas de mRNA autorizadas dão instruções às células a produzir uma proteína que faz parte do coronavírus SARS-CoV-2, que ajuda o corpo a reconhecer e combater o vírus, se ele surgir”.
No entanto, salvaguarda que “a vacina para a Covid-19 não contém o vírus SARS-CoV-2, portanto não é possível obter o vírus com a vacina. A proteína que ajuda o sistema imunológico a reconhecer e combater o vírus não causa infeção de nenhum tipo”.
Mas porquê manter as vacinas em temperaturas tão baixas?
Para além de alegar que as vacinas modificam o ADN, o que é falso, a publicação analisada relaciona apenas as vacinas mantidas em -80ºC com esta teoria.
São três as vacinas a ser administradas em Portugal à data deste artigo. São elas as da Pfizer/BioNTech, que tem de ser mantida a -70ºC (tão frio como o inverno na Antártida), a da Oxford/AstraZeneca, que basta apenas ser mantida no frigorífico, e a da Moderna, que precisa de estar a -20ºC (a temperatura de um congelador comum).
As duas vacinas que têm de ser mantidas em condições mais frias — a da Pfizer/BioNTech e a da Moderna — são as que recorrem ao mRNA para proteger os seres humanos do SARS-CoV-2.
No página da Conversation (que tem uma parceria com a agência de notícias Reuters e do qual são membro universidades como Cambridge e Oxford), o cientista da Universidade de Vanderbilt, Sanjay Mishra, explica que as vacinas que recorrem ao mRNA precisam de condições de frio extremo, pela “instabilidade inerente” a esta tecnologia.
A probabilidade dos componentes destas vacinas se desintegrarem é, por isso, mais elevada,. E por essa razão têm de ser mantidas a temperaturas negativas.
Conclusão
As alegações que constam da publicação analisada — e que sugere que “qualquer vacina que precise ser enviada e armazenada a -80ºC não é uma vacina” mas sim “um agente de transfeção, mantido vivo para infetar suas células e transferir material genético” — são falsas.
O mRNA não tem a capacidade para alterar o ADN dos seres humanos. Esta tecnologia é utilizada para desencadear uma resposta no sistema imunitário do indivíduo que recebe a vacina.
A Sociedade Europeia de Genética Humana aponta mesmo que não há qualquer evidência científica que aponte que esta teoria seja possível. Já a Organização Mundial de Saúde sublinha que não há forma de o mRNA se transformar em ADN ou alterar o ADN dos seres humanos.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.