Uma publicação recentemente difundida em páginas e grupos do Facebook alega que o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, o ex-coordenador da task force responsável por implementar o processo de vacinação contra a Covid-19 em Portugal, é “contra” a administração da terceira dose da vacina.

A publicação consiste numa fotografia do militar, sobre a qual é possível ler, em grandes letras brancas: “Gouveia e Melo contra 3ª dose. ‘É preciso pensar por nós e não ir atrás de decisões sem base científica.’

Esta publicação foi consultada pelo Observador num grupo de Facebook com o nome “Pela verdade contra o sistema“, que se destina “a defender a cultura histórica da civilização Ocidental e uma Europa com raízes e tradições cristãs” e a “despertar o sentido patriótico e nacionalista, contra qualquer ameaça ou transformação demográfica, política, religiosa ou cultural”. Quando o Observador consultou a publicação, a 16 de novembro, o grupo tinha cerca de 4 mil membros.

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Contudo, não há qualquer indicação de que o vice-almirante Gouveia e Melo se oponha à terceira dose da vacina contra a Covid-19. Na verdade, não foram raras as vezes em que, ao longo do processo de vacinação, Gouveia e Melo foi confrontado com perguntas de âmbito científico pelos jornalistas e as remeteu sempre para a Direção-Geral da Saúde e os especialistas, salientando que era apenas um responsável logístico.

Todavia, é verdade que Gouveia e Melo afirmou, em agosto deste ano, que ainda não havia “certeza científica” sobre a necessidade de uma terceira dose. Nessa altura, ainda não tinha sido aprovada a administração de uma terceira dose da vacina contra a Covid-19 à população em geral (havia, isso sim, uma aprovação nos EUA para que pessoas com problemas graves no sistema imunitário pudessem receber uma dose de reforço).

Aos jornalistas, numa visita a um centro de vacinação no Porto, Gouveia e Melo afirmou que “não há nenhuma decisão sobre a terceira dose da vacina” e remeteu a resposta a essa dúvida para a DGS. “Não há, sequer, certeza científica da sua necessidade. Uma coisa é dar uma terceira dose a quem, por exemplo, é imunodeprimido ou está a fazer um tratamento específico, mas são casos muito pontuais, não é uma terceira dose generalizada“, acrescentou.

Nem mesmo naquela ocasião Gouveia e Melo disse ser contra ou a favor da terceira dose: afirmou, apenas, aguardar ainda por mais informação científica.

Quase dois meses depois daquelas declarações, a Agência Europeia do Medicamento deu luz verde à terceira dose e Portugal começou um plano de vacinação que, para já, inclui as pessoas com 65 anos ou mais e os profissionais de saúde — e ainda não a população no geral.

De onde vem, então, a frase da publicação? Basta colocá-la no Google para encontrar a fonte original: uma notícia do jornal Nascer do Sol que afirma que Gouveia e Melo se mostrou contra o lóbi empresarial para a terceira dose. De acordo com a notícia, publicada a 18 de setembro, Gouveia e Melo terá dito aquela frase na parte das perguntas e respostas de uma reunião do Infarmed, já sem os jornalistas presentes, num comentário em que se mostrou desagradado por ver interesses comerciais a pressionarem a administração rápida de uma terceira dose antes de a ciência determinar se ela é ou não é necessária — e para quem.

É com base numa distorção total desta notícia que a publicação afirma que Gouveia e Melo é “contra” a terceira dose da vacina.

Conclusão

Não é verdade que Gouveia e Melo seja contra a terceira dose da vacina contra a Covid-19. Com efeito, o vice-almirante não se pronunciou nem contra nem a favor. A frase incluída na publicação é verdade, mas foi tirada do contexto: foi dita como crítica às pressões para a distribuição generalizada da terceira dose, por interesses comerciais das farmacêuticas, numa altura em que não havia ainda dados científicos suficientes para a justificar.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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