910kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Não há obstetras em Portugal, como diz a ministra? Errado, mostram os dados

Questionada sobre não se contratar especialistas para as maternidades com falta de médicos, a ministra Marta Temido afirmou que “não há” obstetras disponíveis. "Mentira", disse o bastonário.

A frase

Não são contratados médicos obstetras porque não os há.

— Marta Temido, ministra da Saúde, 22 junho 2019

Errado

Há mesmo falta de médicos obstetras em Portugal, como disse Marta Temido no sábado? “As declarações da senhora ministra da Saúde, simplesmente não correspondem à verdade, ou seja, é uma mentira”, diz o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, ao Observador. O presidente do colégio de obstetrícia, João Bernardes, concorda e acrescenta um outro dado: “Portugal é um dos países da Europa com maior número de obstetras per capita. Uma coisa é dizer que não há obstetras no Serviço Nacional de Saúde (SNS), onde sabemos que há grandes carências, outra coisa é dizer que não há especialistas no país. Eles existem, mas escolhem trabalhar no privado.”

No sábado, a ministra da Saúde disse que a falta de médicos obstetras no país justificava o encerramento faseado das urgências das maternidades em Lisboa e no Norte. Mas quando foi questionada sobre o porquê de o Estado não contratar mais obstetras para trabalhar nos hospitais públicos, o que evitaria esses fechos faseados durante o verão, Marta Temido foi taxativa: “Não são contratados, porque não os há.” As declarações foram feitas aos jornalistas, em Faro, à margem de uma iniciativa do PS sobre alterações climáticas.

“Nem quero acreditar que a senhora ministra fez estas declarações, quando estamos acima da média europeia em termos de ginecologia/obstetrícia”, responde o bastonário, lembrando que a Ordem sabe exatamente quantos profissionais existem no país, já que têm de ali estar registados. E, segundo esses números, há em Portugal 1.400 obstetras no ativo. Pouco mais de metade trabalham no setor público.

“Existem em Portugal mais especialistas do que aqueles que estão no SNS. Os profissionais existem, mas o Ministério da Saúde não tem tido a arte e o saber para os contratar. Senão vejamos: em Portugal existem 1.800 especialistas inscritos na Ordem dos Médicos, dos quais 1.400 com menos de 70 anos. Destes, só 850 é que estão nos hospitais públicos”, detalha Miguel Guimarães.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Os números da Ordem dos Médicos mostram ainda que entre os 1.400 médicos obstetras que estão no ativo, dois terços têm 50 anos ou mais, idade a partir da qual os profissionais de saúde deixam de ter de fazer noites nos hospitais. Por outro lado, metade tem mais de 55 anos, outra meta importante para a classe médica, já que com essa idade deixa de ser obrigatório fazerem urgências.  

Portugal tem mais obstetras do que a média da Europa

O bastonário lembra que, segundo números da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, Portugal é o terceiro país da OCDE com mais médicos por habitante. Estes dados foram revelados na publicação “Health at a Glance 2017”, com dados referentes a 2015, e apontam para o número absoluto de profissionais de saúde, quer estejam a trabalhar no setor público, no privado ou nos dois.

“Estamos muito acima das médias europeias e mundiais. O nosso problema não é falta de médicos, são as assimetrias. Por exemplo, nós hoje temos 19 mil especialistas nos hospitais públicos — e que não estão a trabalhar em exclusividade — e temos 13 mil médicos no privado. O que isto significa é que, na prática, existem em Portugal muitos especialistas, mas o Ministério da Saúde não os tem sabido contratar ou não os quer contratar”, disse o bastonário que relembra que as condições no privado ou no estrangeiro são muito mais atrativas do que as do setor público.

“Esta é a geração digital, das viagens low-cost. Para um jovem médico não é muito diferente trabalhar no Porto ou em Londres, porque consegue ir a casa com a mesma facilidade estando num sítio ou noutro. As condições que lhe oferecem é que são muito diferentes”, remata Miguel Guimarães. Quanto aos obstetras, acredita que dentro da OCDE os rácios não serão muito diferentes daqueles que olhando para o bolo total de médicos põe Portugal no topo da tabela.

Embora o “Health at a Glance 2017” não detalhe o número de médicos que existem em cada especialidade, a Organização Mundial de Saúde (OMS) fá-lo, com dados referentes a 2013. Olhando para esses valores, Portugal está acima da média da União Europeia, ultrapassado países como o Reino Unido, Espanha, Itália, França, Finlândia, Noruega ou Suécia. Por cá, há 16,04 ginecologistas e obstetras por cada 100 mil habitantes. A média europeia está nos 15,46.

“A obstetrícia ainda é uma especialidade apetecida pelos jovens médicos, ainda é uma das principais escolhas que fazem, não fica para o fim da linha, só para o caso de não conseguirem lugar na especialidade que pretendem”, esclarece o bastonário da Ordem dos Médicos.

Para Miguel Guimarães, neste momento, o Serviço Nacional de Saúde precisa de pelo menos mil especialistas e, idealmente, deste total, não mais do que um terço com 55 ou mais anos.

“Teoricamente um especialista poderá trabalhar 35 anos no SNS, logo, todos os anos deveriam entrar 30 especialistas, para perfazer os cerca de 1000 obstetras necessários. Se regularmente entrarem 30 por ano, não haverá mais do que um terço deles com 55 ou mais anos. Agora veja: durante cerca de uma década não entraram mais do que 15 especialistas para o SNS”, sublinha Miguel Guimarães.

Vagas abrem, mas ficam por preencher

É com alguma desconfiança que o presidente do colégio de ginecologia e obstetrícia da Ordem dos Médicos olha para as declarações da ministra. “Não se pode dizer que há falta de obstetras em Portugal. O que há são vagas que abrem e não são preenchidas, que é uma coisa completamente diferente”, explica João Bernardes.

O problema, na sua ótica, está nas condições de trabalho oferecidas pelo Estado. “Há hospitais em que um médico sabe que se for para lá, porque não há condições, não vai ter vida, nem vai poder trabalhar com o mínimo de dignidade”, acrescenta ao Observador.

Também o bastonário da Ordem dos Médicos fala das diferentes condições de trabalho oferecidas pelo privado e pelo público e exemplifica com os números: “Fazem-se 80 mil partos por ano nos hospitais públicos, com 850 obstetras, no privado fazem-se 12 mil, com 550. Um exemplo é que se passa no Hospital de Braga, uma PPP [parceria público-privada] que só este ano contratou 5 obstetras, o mesmo número de vagas que abriram para toda as maternidades do Norte.”

Conclusão

Os dados da OCDE e da OMS mostram, claramente, que não há falta de obstetras em Portugal quando se comparam os valores nacionais com os números de outros países. Mesmo que se pudesse concluir que, apesar dos rácios, o país precisava de ter mais ginecologistas e obstetras per capita, as carências no Serviço Nacional de Saúde — onde continuam a abrir menos vagas do que o número de médicos que são necessários — não derivam da falta de profissionais.

As melhores condições de trabalho oferecidas pelo setor privado e por hospitais no estrangeiro, têm afastado cada vez mais os médicos, principalmente a nova geração, do SNS, o que leva a que muitas vagas disponibilizadas não sejam ocupadas por falta de atratividade.

É verdade que nem todas as vagas abertas são ocupadas. E é verdade que há falta de obstetras no Serviço Nacional de Saúde. O que não é verdade é que faltem obstetras em Portugal.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

Errado

IFCN Badge

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.