A crise na Venezuela arrasta-se — e, com a instabilidade social e política, proliferam as notícias falsas. Um site satírico brasileiro, o Joselito Müller, publicou em agosto de 2017 um artigo humorístico que tinha como título “Crise: na TV, Maduro ensina receita de ‘gato refogado’ e irrita vegans“. A página apresenta-se no Facebook como “jornalismo destemido”, mas basta entrar no site para se perceber que é um site humorístico. Problema: tem sido partilhado no Facebook em Portugal e no Brasil — neste caso, numa página de apoio a Bolsonaro e em páginas “anti-petistas” como a “Fatos de direita” — como sendo uma notícia verdadeira. E sem qualquer indicação de que se trata de um exercício de humor.

A fome que se vive na Venezuela forçou o povo venezuelano à chamada “dieta de Maduro“. Neste contexto, uma notícia a dizer que o presidente ensina a cozinhar gato na televisão continua a ser insólita, mas passa a ser ligeiramente mais verosímil — principalmente se se contar com a habitual desatenção dos utilizadores do Facebook. Além disso, a notícia é acompanhada por uma fotografia verdadeira de Hugo Chávez com um gato ao colo.

Publicação do site Joselito Müller a 27 de agosto de 2017 e partilhada nos últimos dias

A fotografia de Maduro com o gato foi tirada em janeiro de 2014 durante o lançamento de um programa para animais domésticos abandonados. Como na altura noticiou a agência espanhola EFE, dia 12 de janeiro de 2014 foi de vacinação de animais e chamou-se “missão Nevado”, em homenagem ao cão que acompanhou Simón Bolívar nas guerras pela independência. Nessa mesma ocasião — como mostra um vídeo da estação Univision Noticias — o presidente venezuelano adotou um gato a que chamou Hugo, em homenagem ao seu antecessor Hugo Chávez. É esse gato que consta da fotografia do artigo que diz que Maduro ensinou os venezuelanos a cozinhar gato na televisão.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A notícia satírica começa com a designação do local (“Caracas”), ao estilo de agência noticiosa, para se aproximar a um take de agência. Houve até utilizadores que copiaram o texto no Facebook sem dar nota que a origem era uma página humorística. O texto foi partilhado no grupo “Fatos de direita”, que tem mais de 14 mil seguidores, e também  no “Bolsonaro Litoral #2022”. Há respostas de utilizadores a estas publicações que demonstram que assumem o texto como algo verdadeiro, como é exemplo este comentário no site “Fatos de Direita”: “O povo come gato e lixo e esse porco assassino come do bom e do melhor. Tomara que exploda.”

O texto tinha até declarações falsas de Nicolás Maduro, em que o presidente venezuelano alegadamente afirmava que a “revolução serviu também para mudar alguns hábitos do povo venezuelano e quebrar alguns tabus”. Maduro, segundo a mesma notícia, dizia que era preciso ser “criativo” para contornar a crise. “Vamos mostrar aos imperialistas que, apesar de seu boicote, continuaremos firmes na defesa de nossa revolução. Precisamos reinventar nossos hábitos culinários para superar a fome. Como exemplo, vou ensinar uma receita que minha avó costumava fazer: gato refogado“, era outra das falsas citações atribuídas a Nicolás Maduro.

Conclusão

A falha não está no site humorístico, que tem precisamente como objeto criar conteúdos fictícios em registo satírico (como acontece em Portugal, por exemplo, com o “Inimigo Público” ou com a “Imprensa Falsa”). Mas esse conteúdo está a ser lido — e, por vezes, usado — como sendo verdadeiro (e, por isso, talvez pudesse ter uma identificação mais eficaz). Mas é, sem dúvida, falso que o presidente da Venezuela tenha sugerido que o povo se alimentasse de gatos ou que tenha dado uma receita para cozinhar este tipo de animais.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

Errado

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

SÁTIRA: O conteúdo é publicado por uma página ou um domínio que é reconhecido por publicar sátiras ou um caso em que uma pessoa sensata percebe que o conteúdo é irónico ou humorístico e que tem uma mensagem social. Poderá beneficiar, ainda assim, de contexto adicional.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook e com base na proliferação de partilhas — associados de reportes de abusos de vários utilizadores — nos últimos dias.

IFCN Badge