Depois de conhecido o Programa Eleitoral do Partido Socialista, o site “Notícias Viriato” fez uma interpretação do capítulo — e também das notícias — sobre o “combate ao racismo e à xenofobia”. Os socialistas prometeram “medidas de discriminação positiva” para dar “maior visibilidade e intervenção” a algumas comunidades, caso dos “portugueses de origem africana e cigana”. E a conclusão do site é que “outras raças/etnias vão ser discriminadas e que negros e ciganos terão maior acesso a cargos políticos, empresariais e maior facilidade na entrada de universidades”.
Com base no que está escrito no programa eleitoral socialista — e foi entretanto transposto, sem alterações, para o Programa do Governo — a publicação escreve um texto com o título “PS quer Lei Racista contra Asiáticos, Latinos e Brancos”. A partir do que está escrito no documento socialista deduz que isso quer dizer que as outras “raças/etnias” serão discriminadas:
“O Partido Socialista tem no seu projecto de programa eleitoral para as legislativas de 2019 a adopção de medidas de discriminação positiva para “combater” o racismo e a xenofobia com mais racismo. A discriminação positiva para negros e ciganos seria nos partidos, no ensino, empresas de comunicação e na sociedade em geral, está em cima da mesa, para permitir a “criação de condições para uma maior visibilidade e intervenção dos portugueses de origem africana e cigana.”
O que é que isto significa?
Pessoas de outras raças/etnias vão ser discriminadas e que negros e ciganos terão maior acesso a cargos políticos, empresariais e maior facilidade na entrada de universidades.”
Não é, no entanto, isso que consta no programa do PS (pp. 164 e 165). Há, de facto, referência à necessidade de aplicar “medidas de discriminação positiva” e que o que é “particularmente importante neste domínio é a criação de condições para uma maior visibilidade e intervenção dos portugueses de origem africana e cigana”. Mas não está previsto qualquer sistema que dê “condições para uma maior visibilidade e intervenção” a estes grupos no acesso a cargos políticos, empresariais ou às universidades.
Para sustentar a sua conclusão, o site cita uma notícia do Público, de 29 de junho de 2019, com declarações do sociólogo e coordenador do Observatório da Emigração. Rui Pena Pires participou na elaboração do Programa Eleitoral do PS, nomeadamente no capítulo das medidas para combater o racismo e a xenofobia, e foi questionado então pelo jornal sobre a possibilidade de virem a existir, no programa do PS, quotas para alguns grupos sociais minoritários e as medidas pensadas nestas matérias. “Não implica quotas, mas também não as inviabiliza”, foi a resposta dada.
Contactado pelo Observador sobre a interpretação dada às suas palavras pelo site “Notícias Viriato”, Pena Pires explica ao Observador que os dois grupos referidos no programa “são os que maior expressão têm em Portugal e são citados como exemplo”. Para o sociólogo, “o que sempre foi dito foi que era preciso políticas sociais e não políticas para essas populações” até porque “as políticas não devem ser definidas com critérios étnico-raciais”.
O Observador contactou também o gabinete da ministra de Estado e da Presidência do Conselho de Ministros, responsável pelas políticas nestas matérias, que refere que a citação retirada do programa “diz respeito a uma pequena introdução ao ponto sobre racismo e xenofobia, e faz um resumo de diagnósticos já apresentados, não se tratando de uma medida proposta”. “O programa prevê a prossecução prioritária do combate ao racismo e a todas as formas de discriminação”, argumenta o mesmo gabinete num texto inteiro (e não respostas diretas a cada uma das seis perguntas enviadas pelo Observador).
O Governo garante ainda que “a política pública desenvolvida ao longo dos anos nesta área tem permitido e potenciado o maior conhecimento das necessidades concretas dos grupos discriminados com base na origem racial e étnica” e refere que o conhecimento destas mesmas necessidades permitem “a construção de medidas mais suportadas e direcionadas e, por isso, com maior potencial de impacto”. E também assegura que isso é feito “não prejudicando, no entanto, que sejam desenvolvidas outras medidas que respondam a necessidades concretas e experiências de discriminação que se venham a identificar relativamente aos mesmos ou outros grupos”. Ou seja, a referência a grupos concretos não invalida que as medidas se apliquem a outros grupos alvo de discriminação.
Conclusão
Não é verdade que o programa do PS (nem posteriormente o programa do Governo que dele saiu) defina que “pessoas de outras raças/etnias vão ser discriminadas e que negros e ciganos terão maior acesso a cargos políticos, empresariais e maior facilidade na entrada de universidades”. O programa que os socialistas levaram às legislativas defendia a criação de “medidas de discriminação positiva” e até considerava que o que é “particularmente importante neste domínio é a criação de condições para uma maior visibilidade e intervenção dos portugueses de origem africana e cigana”. Mas sem incluir medidas que pudessem ter o efeito previsto na publicação em causa.
Aliás, no elenco das dez iniciativas previstas para combater a desigualdade não consta nenhuma medida concreta que confira um acesso privilegiado de qualquer grupo social discriminado ao acesso a cargos políticos, empresariais ou facilidade no acesso a universidades, como é deduzido. A única medida concreta mais próxima da ideia de quotas para algumas minorias vai no sentido de “promover processos de discriminação positiva que corrijam a falta de diversidade no espaço público”. Considerar esta ideia como prejudicial para grupos maioritários na sociedade é uma interpretação abusiva.
De acordo com a classificação do Observador, este conteúdo é:
Errado
De acordo com a classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de factchecking com o Facebook e com base na proliferação de partilhas — associadas a reportes de abusos de vários utilizadores — nos últimos dias.