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Escolas, o campo de batalha das guerras culturais. Quarta paragem: Tulsa, onde se discutem bíblias nas salas de aula |
Ryan Walter é o superintendente da educação pública — um cargo político, para o qual se é eleito diretamente pelos eleitores — no estado do Oklahoma. No verão do ano passado, usou as suas redes sociais para republicar um post de um grupo conservador, conhecido como Libs of TikTok. Nele, era possível ver a biblioteca de uma escola pública e uma funcionária encostada a uma estante. A legenda dizia: “POV [point of view, expressão usada online que significa ‘ponto de vista’]: os professores no teu estado a caírem como moscas, mas vocês ainda não desistiram de impingir a vossa agenda woke nas escolas públicas.” |
O caso teve réplicas no estado, com (falsas) ameaças de bomba em escolas e os democratas locais a considerarem pedir a destituição de Walter do cargo. Mas está longe de ser uma novidade: a educação é um dos temas que mais provoca ondas no Oklahoma, ilustrando bem como as “guerras culturais” norte-americanas em torno de temas como a sexualidade e o racismo têm sido disputadas, sobretudo no espaço das escolas públicas. |
Walters sempre fez campanha assumindo-se como um combatente contra a “ideologia woke”, que diz ter-se infiltrado nas escolas do estado. E, desde que foi eleito, tem promovido medidas que se encaixam nessa narrativa: proibiu livros nas escolas com “conteúdo sexual”, obrigou professores a notificarem os pais se um aluno disser que é transgénero e fez um acordo para uma charter school (uma espécie de parceria público-privada na área da educação, semelhante à dos contratos de associação em Portugal) com uma escola cristã, algo inédito nos EUA. Agora, quer que a Bíblia passe a fazer parte do currículo de todas as escolas do Oklahoma. “É isto que a esquerda faz”, defendeu recentemente numa entrevista ao jornal local Christian Chronicle. “Mentem sobre mim, processam-me e depois tentam travar esta agenda. Fizeram o mesmo ao Presidente Trump.” |
O caso do Oklahoma é particularmente delicado pelo contexto histórico que envolve este estado do sul. Na cidade de Tulsa, a nossa quarta paragem nesta viagem do Observador pela Route 66, em véspera das eleições presidenciais, ocorreu um massacre contra a comunidade negra em 1921, com a destruição de negócios locais e a morte de mais de 300 pessoas, enterradas em valas comuns. Esse evento traumático ainda hoje tem repercussões nas chamadas “guerras culturais” escolares: em 2021, foi aprovada uma lei estadual que impede os professores de discutirem tópicos que possam provocar “desconforto, culpa, angústia ou qualquer forma de perturbação psicológica” a algum aluno devido à sua raça ou género. Na prática, discutir na sala de aula o massacre de Tulsa, por exemplo, passou a ser complicado. |
O tema não é apenas local, com vários estados a debaterem como devem ser abordados nas salas de aulas assuntos como este. O tópico do racismo, por exemplo, agudizou-se com os protestos contra a morte de George Floyd, um negro morto por um polícia em 2019, numa altura em que a situação nas escolas já era tensa devido às diferentes opiniões de pais e professores sobre as restrições ligadas à Covid-19. 2019 foi um ano em que essas tensões escalaram muito para lá das salas de aula, com protestos intensos e violentos nas ruas e até com o surgimento de uma milícia negra armada. Mas, atualmente, as “guerras culturais” parecem estar mais confinadas às escolas: à esquerda, argumenta-se que se estão a propagar ideias e atitudes discriminatórias contra alunos negros e da comunidade LGBT; à direita, fala-se numa “agenda woke” e aponta-se que os pais também devem ter uma palavra a dizer naquilo que é abordado dentro da sala de aula. |
No Oklahoma, a cidade de Tulsa tornou-se o epicentro da discussão sobre as salas de aula. O superintendente Ryan Walters decidiu no ano passado que as escolas desta cidade — palco de um massacre racial e onde 80% dos alunos não são caucasianos — teriam de ter uma avaliação especial e mais exigente do que as do resto do estado, que poderia resultar no chumbo da sua autorização para funcionar ou até que passassem a ser controladas diretamente pelo estado do Oklahoma e não pelos seus responsáveis locais eleitos. |
Como resultado, a superintendente da educação de Tulsa, Deborah Gist, demitiu-se, acusando Walters de estar a fazer uma manobra política. Dentro do próprio Partido Republicano local há quem pense o mesmo. O congressista local Mark McBride, por exemplo, lamentou que o superintendente estadual esteja envolvido em “comentários inflamatórios” em vez de discutir verdadeiramente temas relacionados com educação — uma afirmação que não é de somenos, num estado claramente republicano, que não vota num Presidente democrata desde Lyndon B. Johnson, em 1964. |
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O tema, claro, também contamina a campanha presidencial. Na semana passada, Donald Trump reuniu-se com o grupo Moms for Liberty, criado na sequência da pandemia, que tem promovido a nível local iniciativas de combate à “ideologia woke” nas escolas. “Sou completamente a favor dos direitos dos pais. Nem entendo o conceito de não o ser”, comentou o republicano no encontro. Do outro lado, os democratas têm reagido sobretudo pela voz do candidato a vice, Tim Walz, que foi professor e governador no Minnesota: “Nós garantimos que cada miúdo no nosso estado comia o pequeno-almoço e almoçava todos os dias. Enquanto outros estados andavam a banir livros das escolas, nós andávamos a banir a fome das nossas escolas”, declarou na Convenção Democrata. |
O debate é alargado à sociedade. O maior sindicato de professores no país, a Associação de Educação Nacional, denuncia o que diz ser um plano “nos bastidores” levado a cabo por alguns grupúsculos com o apoio de “uma rede de financiamento e operativos de direita que querem explorar os ressentimentos das guerras culturais para ganhos políticos”. Do outro lado, o Instituto Thomas B. Fordham (um think tank conservador especializado em educação), argumenta que este é um debate que deve existir na sociedade: “Que livros devem as escolas ter nos seus currículos? Qual a natureza da masculinidade e da feminilidade? Qual é o papel dos pais no determinar do currículo e políticas de uma escola? Como devemos enquadrar a História norte-americana?” |
Mas como é que tais posições se refletem nas opiniões dos eleitores numa campanha presidencial? É difícil saber. O tópico das “guerras culturais” nas escolas divide o eleitorado, que não parece ter opiniões muito solidificadas sobre o tema. Por um lado, uma clara maioria mostra-se contra a ideia de banir livros das bibliotecas das escolas, por exemplo, como notam os estudos levantados pela organização “Take Action for Libraries”, com mais de 90% dos inquiridos a dizer que concordam com a afirmação: “Se não se gosta de um livro numa biblioteca, não se lê. Os outros não devem ter o poder de controlar o que eu ou a minha família lemos.” |
Por outro, quando as perguntas se tornam mais específicas sobre livros concretos que os seus filhos devem ou não ter acesso, há uma divisão partidária mais clara, como notam as várias sondagens elencadas pela organização: mais republicanos são a favor de que alguns alunos não sejam obrigados a lidar com alguns livros relacionados com questões raciais (55%) do que democratas (16%); e a diferença acentua-se ainda mais quando o tema são livros ligados a questões LGBT (71% dos democratas são contra essa possibilidade, 53% dos republicanos a favor). |
Pelo meio, há uma hemorragia de professores, que abandonam a profissão, assoberbados pelas restrições e tensão com pais, alunos, colegas e superiores. E pais que se envolvem de forma apaixonada no assunto, acusando “o outro lado” de estar a tentar impor a sua agenda — seja ela qual for. Os menos radicalizados, como o congressista local Mark McBride — que criticou o superintendente Walters no Oklahoma —, parecem ser cada vez mais uma exceção: “Quero que as pessoas vão à escola e aprendam a ler, escrever e fazer contas, sem ter a distração de ser obrigado a ler a Bíblia na escola. Mas também não quero que na sala de aula esteja a bandeira LGBT”, disse. |
Ler, escrever e fazer contas, porém, parece ser cada vez menos relevante em algumas escolas dos Estados Unidos. De acordo com o mais recente estudo da Fundação Annie E. Casey, especializada em bem-estar infantil, o Oklahoma ocupa o penúltimo lugar em termos de resultados na área da educação em todo o país. Ao mesmo tempo, uma sondagem da Gallup do ano passado revelou que apenas 28% dos norte-americanos dizem ter neste momento “muita ou bastante confiança” nas escolas públicas. |
Propostas como a do superintendente Walters e a oposição a elas estão longe de ser exclusivas do Oklahoma. Como resumia já em 2022 Houman Harouni, especialista em Educação da Universidade de Harvard, as leis sobre esta área estão a ser usadas como arma de arremesso político. “Para mim, isto é mais uma campanha de relações públicas”, disse à altura o analista. “Não acho que para nenhum dos lados isto seja realmente sobre educação.” |
O que aconteceu esta semana? |
- Elon Musk participa em comício de Donald Trump em Butler, onde ocorreu tentativa de assassinato
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O milionário Elon Musk — dono de empresas como a Tesla, a Space X e o X — participou num comício de Donald Trump onde apoiou diretamente o candidato republicano. “O Presidente Trump deve vencer para preservar a Constituição e para preservar a democracia na América”, afirmou perante a multidão, acusando Kamala Harris de querer tirar aos norte-americanos os direitos de “liberdade de expressão”, “porte de armas” e o próprio direito ao voto. |
A participação de Musk ocorreu num evento em Butler, na Pensilvânia, precisamente o mesmo local onde no verão Trump foi alvo de uma tentativa de assassinato. A reação do candidato — que ergueu o punho e gritou “Lutem, lutem” depois de ser atingido — foi elogiada pelo empresário. |
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- Kamala Harris fala de economia e da guerra na Ucrânia em entrevista no 60 Minutos
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A candidata democrata deu uma entrevista ao famoso programa 60 Minutos, da CBS, onde aproveitou para aprofundar algumas ideias do seu programa económico, como o aumento de impostos sobre os multimilionários. Harris aproveitou também para criticar a postura do adversário face à guerra na Ucrânia, dizendo que não é possível um acordo de paz “sem que a Ucrânia e a ONU participem”. |
Donald Trump também tinha uma entrevista agendada com o mesmo programa, mas cancelou-a por não ter recebido um pedido de desculpas sobre a entrevista que fez na campanha de 2020 e que terminou abruptamente, com o candidato a levantar-se e a não responder a mais perguntas. |